*por Vítor Antunes
Fani Pacheco desenha uma nova trajetória de vida. Após participar do BBB 7, voltar no BBB 13 e trabalhar como atriz e apresentadora, ela agora direciona sua carreira para a Medicina. A ex-sister diz que nunca sentiu-se confortável trabalhando como atriz, bem como em nenhuma possibilidade artística, e que especialmente depois do terceiro semestre da graduação, tornou-se algo ainda mais difícil conciliar as duas carreiras. Com a formatura prevista para o presente ano, Fani objetiva dedicar-se à especialidade de Psiquiatria em prol de ajudar o próximo. Revela como lidou durante tantos anos com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em sua forma severa, e os anos em que se doou por completo à sua mãe, que desenvolveu a esquizofrenia.
Quando perguntada sobre as experiências no BBB, ela é tácita: “Não é fácil manter a saúde mental no BBB. Eu já fui três vezes, se contada a minha passagem pelo BBB10. É como se eu tivesse Mestrado no reality. Pra mim já deu. Eu não tenho mais saúde mental para isso”, desabafa Fani. Nesta entrevista exclusiva, Fani revela com muita franqueza uma outra faceta: a de uma mulher madura, assertiva e determinada, mas que ainda mantém a essência da moleca extrovertida e iguaçuana que conquistou o Brasil nas edições do Big Brother nas quais participou. Fala com sinceridade sobre como entende o envelhecimento, além de relatar haver congelado os óvulos para investir na maternidade em um tempo mais oportuno.
E mais: em sua primeira passagem no BBB, em 2007, um trisal foi composto por Fani, Diego Alemão e Iris Stefanelli causou muita polêmica. Dezesseis anos depois uma relação como esta seria naturalizada numa sociedade que traz temas mais progressistas à tona, ainda que seja uma relação centralizada por um homem e composta por duas mulheres? “Não sei. Isso é controverso. Há gente que veria com mais naturalidade assim como não. Houve quem dissesse que vivíamos um relacionamento abusivo e, pelo contrário, éramos sinceros um como outro. É abusivo quando se engana, se passa do ponto. Havia muita verdade entre nós – eu, Siri e Alemão. A sociedade evolui de forma que as relações poligâmicas são naturalizadas ao mesmo tempo em que são, também, problematizadas. Especialmente em razão de as coisas tornarem-se muito grandes quando chegam na TV. Não sei até que ponto um trisal seria aceito na televisão. Ia ser polêmico da mesma maneira, ia dividir opiniões”, analisa.
DRª. FANI PACHECO, MÉDICA
A paixão de Fani pela medicina, e especialmente pela psiquiatria, tem a ver com um histórico familiar. “Minha mãe tinha esquizofrenia, uma doença psiquiátrica grave e sem cura. Por cuidar dela, ‘transformei-me’ em sua ‘mãe’. Passei a minha adolescência toda em hospital, já que ela tinha crises sazonais, e comecei a estudar psiquiatria já naquela época para aprender a lidar com um paciente que convive com distúrbios desta ordem. Isso me fez apaixonar pela especialidade, assim como pela psicologia, a farmacologia as doenças psiquiátricas. Com o auxílio dos médicos, ela foi tendo uma melhor qualidade de vida”.
Prossegue relatando a ex-artista que após o falecimento de sua mãe, acabou seguindo outros rumos profissionais, ainda que de forma muito dura. “Quando minha mãe morreu, eu meio que me vi sem função. Entrei numa crise existencial que me fez questionar quem era eu, o que eu queria e o que me via obrigada a provar. Fiquei depressiva por quatro anos sem saber o que me satisfazia, já que nada do mundo artístico tinha a ver comigo. Demorei a entender que aquela não era minha vocação”.
Ainda que tenha feito muita coisa artisticamente, não me encontrei nesta profissão, não me sentia feliz. Por mais que tenha sido apresentadora de programas como o “Encrenca” (Rede TV), e “BBB – A Eliminação” (Globo/Multishow) e , como atriz, o seriado “Meu Amigo Encosto” (Viva), eu não amava fazer nada disso, já que não sei cantar e não gosto de atuar – Fani Pacheco
Artisticamente, Pacheco conta que depois que iniciara a graduação foi difícil conciliar ambas atividades. “Depois do terceiro período ficou mais difícil, por que era muito pesada a carga horária e o volume de matérias, de modo que não consegui dar conta e acabei estando menos presente no meio artístico. Agora que estou no internato, que me permite uma maior flexibilidade de horário, estou saindo mais, curti a Copa do Mundo, fui às festas e estive em situações que não podia aproveitar nos outros momentos da graduação. Quando chegava a época de provas e testes acabava sendo difícil de conciliar. No internato, como as provas são práticas clínicas, para mim é mais fácil administrar. E é neste momento da faculdade que a gente lida mais com a emoção de atender um paciente”, diz.
Fani sinaliza: “Demorei para entender que o meu talento estava na psiquiatria. E foi todo um processo: levei três anos para passar pra a faculdade, ainda que ela fosse particular. E lá estando tive uma grande sensação de liberdade por poder, enfim, haver me encontrado profissionalmente. Estou certa de que vou fazer bem e ter retorno financeiro, porque é um privilégio trabalhar naquilo que se gosta”, pondera.
Por estar dedicada à formação acadêmica, a estudante optou por congelar seus óvulos, já que também deseja ser mãe. Segundo ela, “engravidar neste momento atrapalharia a minha graduação e eu estou focado”. Ainda em consonância com sua fala, objetiva, também, assim que terminar a faculdade, lançar-se “como digital influencer e falar sobre saúde mental nas redes sociais (…). Além de psiquiatria, neurociência, neurologia, comportamento e psicologia, que são assuntos dos quais eu devoro. Meu objetivo é começar uma pós-graduação no ano que vem e já começar a atender”, revela.
A graduanda relembra que quando fora ao “Altas Horas”, ainda em 2007, disse que seu sonho não era ser artista: “No programa de Serginho Groisman, eu disse, aos 24 anos, gostaria de me especializar em psiquiatria. Quando reencontrei com o apresentador, ele próprio falou que hoje estou realizando um sonho, e é verdade”.
Esta não é a segunda graduação de Fani. Sua primeira titulação acadêmica foi em Direito. Quando comparadas as duas carreiras, ela diz que haver estudado para tornar-se advogada foi mais fácil. “Como Direito é só meio período, foi mais tranquilo, eu não sofri tanto como em Medicina, que é em tempo integral”, diz. Segundo ela, formou-se advogada, mas também não tinha vocação para isto. Foi o momento no qual ventilou-se o BBB: “Fiz Direito por conveniência. Ainda que eu já pensasse em cursar Medicina, a Faculdade de Advocacia era a disponível naquele momento. Razão pela qual passei a pensar nos concursos públicos e a estabilidade que eles oferecem. Estava estudando para estes editais quando as minhas amigas me inscreveram no Big Brother e gravaram o meu vídeo. Achei que, se entrasse, ficaria um ano famosa, ganharia dinheiro e voltaria à vida comum. No entanto fiquei vários anos na mídia”.
SAÚDE MENTAL E TDAH
A relação de Fani com a sua própria saúde mental vem sendo moldada e acompanhada desde muito tempo. E em vários momentos da vida notou-se mais ou menos vulnerável. Um deles, na adolescência. Outro, já durante a faculdade, quando percebeu que estudar psiquiatria não envolvia apenas voltar-se aos caminhos que levam aos distúrbios mentais e suas manifestações, mas também todo o cérebro. E, mais que isso, nota que ela própria não possuía um diagnóstico assertivo sobre si, momento em que se percebe uma TDAH. Dotada desse conhecimento, procurou uma psiquiatra. “Fiz testes neuropsicológicos com dois profissionais diferentes. Confirmei as minhas dificuldades, especialmente na minha vida executiva, e tudo se justificou. Eu possuo “dupla excepcionalidade”, ou seja, ao mesmo tempo que tenho grande facilidade para algumas coisas, possuo uma grande limitação para outras mais simples, e por isso fui muito incompreendida. Às vezes, na faculdade, tive esses problemas e, de alguma forma, me culpava por isso, o que pode ter se somado à depressão”. O teste neuropsicológico o qual Fani se refere trata-se de uma avaliação feita por profissionais de saúde mental, standartizado internacionalmente, a fim de diagnosticar o TDAH.
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade é uma doença crônica e inclui dificuldade de atenção, hiperatividade e impulsividade. Outra característica de seus portadores é a capacidade de se manterem hiperfocados em uma determinada atividade que lhes seja prazerosa. No caso dela, direciona-o para o estudo da tema da saúde mental: “Se compro um livro de Neurociência, quando ele chega em minha casa eu desmarco qualquer compromisso para ficar em casa estudando e embarcar nele”.
HEY, BROTHERS… HEY, SISTERS!
A primeira edição do reality que Fani participou foi a de 2007. Depois, ficou próxima de retornar na de 2010, numa das estratégias do game, de trazer ex-participantes de volta ao jogo. Porém, não foi daquela vez que a moça voltaria ao show, algo que só aconteceria em 2013. E este retorno não foi uma boa experiência. Tanto que a ex-sister é econômica ao falar da última edição na qual participara. “No BBB a gente fica confinado ali, sendo testado. A probabilidade de deprimir é muito grande, especialmente quando se tem uma predisposição”.
Todo início de ano, quando o BBB vai ao ar, a ex-sister diz ser procurada. E, segundo relata, prefere algumas edições mais que outras. Na de 2021, torceu por Camilla de Lucas em razão de ambas serem da mesma cidade. Na atual, declarou seu apoio a Manoel Vicente, da Casa de Vidro – que foi desclassificado. O postulante a brother também é médico psiquiatra. “Nós conversamos algumas vezes sobre BBB, eu sabia que ele me acompanhava, mas nunca falamos sobre o programa e não imaginei que ele fosse entrar. Declarei torcida para ele, dei algumas dicas e o levei a alguns shows no meio artístico para aproveitar a repercussão de sua passagem pela primeira fase do programa”.
Sobre o trisal em sua primeira passagem no BBB, em 2007, Iris, Fani e Alemão viviam o que classifica-se hoje como um “trisal em V”, quando um dos componentes mantém um relacionamento com os outros dois, mas estes não se relacionam entre si. O vértice do V, chamado pivô da relação, era ocupado por Diego Alemão. Os outros componentes, chamados braços, são Iris e Fani, que não se relacionavam entre si. Além do “trisal em V”, outras formas de configuração, como o em triângulo, onde todos se relacionam com todos mutuamente.
Passados tantos anos, e depois de alguns ensaios nua, e especialmente numa época como a atual, onde se problematiza a objetificação feminina, como Fani lida com aquelas fotografias? “Lido bem com elas. Acho lindas as fotos. Só não faço mais, porque a Playboy acabou. Não tenho vergonha, acho maravilhoso. Gosto mais, inclusive do meu ensaio para a Sexy, que fiz mais madura”. Mas, ainda assim, Fani pondera: “Chega uma hora que a sociedade cobra de nós, mulheres, uma postura diferente e eu sempre fui o contrassenso da sociedade. Pago um preço por isso. É muito difícil para mim me comportar da forma como a sociedade acha boa. Faz parte de mim, eu preciso carimbar o meu eu nas coisas que faço e é difícil ter uma identidade marcada pela transgressão”.
Se existisse Playboy, faria uma edição de despedida neste ano” – Fani Pacheco
MADUREZA, UHU-NOVIGUAÇU! E “KÁTIA-CEGA”
Quando Fani Pacheco apareceu na televisão estava com 24 anos. Hoje está com 40. Especialmente às mulheres, a cobrança pela beleza e juventude é intensa. Não lhes e permitido amadurecer com naturalidade e não é incomum que elas, especialmente as que lidam com a imagem, recorram aos procedimentos estéticos que tentam disfarçar a passagem do tempo. A loura diz enxergar o amadurecimento com a complexidade que lhe é peculiar: “Mentalmente sou mais evoluída, mais feliz hoje. A gente vai vivendo experiências, aprende a ter um controle maior, melhor autonomia das emoções. Hoje me sinto mais dona de mim, tanto nas emoções como nos impulsos. Naturalmente, esta conquista é fruto de anos de terapia.
Mas não é fácil envelhecer. Se eu dissessem que sim estaria sendo hipócrita. O envelhecimento estético não é fácil. Tenho medo de mudar o meu rosto e perder minha identidade. É preciso saber o limite entre o que é saudável e o que ultrapassa esse limite – Fani Pacheco
Ainda sobre o fato de estar tornando-se uma mulher madura, Fani relata que “Se eu disser que estou bem resolvida com o envelhecimento seria uma mentira. Ainda preciso viver certas coisas e elas estão vindo para mim como forma de compreensão, vivência e aceitação. Quero me ver sendo bonita com a minha idade mesmo, entendendo que algumas coisas são irreversíveis, e que as rugas e marcas de expressão vão estar ali presentes e que que seu quiser me tornar outra pessoa, esta não estará representando a verdade. Sinto-me acostumando à velhice, procurando entender que tem algumas mudanças que são irreversíveis e que eu não vou poder, aos 40, ficar com a cara de uma pessoa que tem 24. Vai ter uma hora que os processos estéticos não vão ser suficientes. Quero estar bonita aos 40 e parecer mais jovem… como alguém que tenha 35!”, assinala.
Fani é cria de Nova Iguaçu, cidade que é tida como capital da Baixada Fluminense. Ainda que ligeiramente privilegiada por sua industrialização, o município possui todos os problemas inerentes ao de uma cidade da região. Distante em cerca de 35 Km do Rio de Janeiro e alvo de toda sorte de preconceitos, a cidade iguaçuana viveu seu protagonismo na televisão quando sua cidadã esteve no BBB. Em cada festa ela gritava “uhu, Nova Iguaçu“. O bordão pegou e a cidade tornou-se famosa no cenário nacional. A ex-BBB aponta que esse protagonismo do município durante sua estada no reality “surgiu por que eu sofria preconceito quando ia às festas das minhas primas da Zona Sul do Rio, um lugar mais elitizado, e era instruída a não dizer que era da Baixada. Claro que depois de algumas horas de festa eu já estava gritando o tal bordão. Isso funcionava para mim como a um escudo. Uma espécie de pedido de respeito: Eu sou Fani, sou de Nova Iguaçu. Trate a mim como a uma pessoa normal e não com diferença só pelo fato de eu ser da Baixada. Quando eu vejo a proporção que isso tomou fico satisfeita. No meio artístico havia muita gente que julgava as pessoas por serem da Baixada, motivo pelo qual seus moradores tinham vergonha de falar sobre suas origens. Agora até mesmo as minhas primas, essas que me instruíam a não falar da minha cidade-natal, são as primeiras a dizer que são parentes da ‘Fani do uhu Nova Iguaçu‘ ou dizerem já haver andado de trem no ramal Japeri, por exemplo”, relata.
Ainda sobre sua cidade, a iguaçuana ilustre fala que o grande barato de sua terra natal é “a ligação emocional que as pessoas têm umas com as outras, a relação de pertencimento. Para mim, aquele é um lugar onde me sinto protegida. Na Baixada não tem essa história de um pneu furar, por exemplo, e você não ter quem te ajude. Ou de lhe faltar algo e um vizinho não amparar. Nova Iguaçu tem uma alma de cidade do interior, as pessoas são apegadas entre si e esse apego eu não encontro na Barra da Tijuca, na Zona Sul ou no Recreio dos Bandeirantes. Ainda que os meus vizinhos aqui da Barra sejam legais eles não se comparam aos de lá”, compara.
Nova Iguaçu é uma grande comunidade. Há as pessoas que vivem ali anos e anos e se vinculam, se conhecem. Acho que esse é o seu grande barato. Esse vínculo emocional que não se perde, essa memória afetiva, esse acolhimento – Fani Pacheco
Poucos anos depois de haver participado do BBB, Fani virou meme, isso antes dos atuais virais e quando a Internet ainda não tinha grande penetração como ferramenta de comunicação. Entre 2011 e 2012, o Multishow exibiu o programa “Malícia”, série soft-porn, intencionalmente trash, que ia ao ar nas madrugadas. Num dos episódios a personagem interpretada pela então atriz Fani, performava uma dança sensual ao som da música “Qualquer Jeito”, da cantora Kátia, canção que popularmente é conhecida por seu refrão, “não está sendo fácil“. A cena popularizou-se na Internet e consolidou a expressão “fazer a Kátia Cega”, ou seja “fingir não ver algo óbvio”.
Pacheco diverte-se com a lembrança e diz que “o programa ‘Malícia’ era surreal. Eu amava fazer por que era muito non-sense, não fazia sentido nenhum aquilo. Quanto a eu haver virado meme, lido com bom humor. Rio de tudo, rio de mim, do meu lado ridículo, do meu sofrimento e eu só levei isso para o meu dia a dia. Me diverti muito com esse meme, especialmente quando ele foi citado numa das edições do Prêmio Multishow de Humor. Isso não me fere não, pelo contrário”.
No olhar de Pacheco, o que a machuca é quando o pessoal da Internet “atribui a mim coisas que não são reais. Ou quando as pessoas são mais agressivas. Houve quem torcesse pelo casal Íris e Alemão e por isso me direcionaram hate. Quando disponibilizaram o Bloglog – antiga plataforma de blogs de famosos do portal globo.com – eu postei lá certa vez que havia sofrido um acidente e houve quem dissesse: “e por que não morreu?”. Eu não cheguei a sofrer com isso, mas era algo que me impactava. Assim como, depois do meu ensaio nua, que eu achava belíssimo, uma pessoa me salientou que aquelas fotos seriam usadas para o prazer solitário dos homens e essa era uma coisa da qual eu não havia pensado até então. Ou seja, eu tinha uma inocência fora da curva naquela época. Esses choques de realidade compuseram o meu amadurecimento”.
Diante dos caminhos da saúde mental e enquanto profissional da saúde, Fani diz mover-se nesta seara motivada pela frase do grande médico acriano Adib Jatene (1929-2014), que diz que “para ser medico é preciso ser especialista em gente”. Além dele, cita Flávio Gikovate (1946-2016), como alguém em quem se espelha. Fani resolveu mudar de vida e enfrentar uma nova trajetória aos 40 anos. E tal como dizem Paulo Debétio e Paulinho Rezende na música que escreveram para a trilha de“Tieta”, que venha essa nova mulher, sem medo das sombras que rondam o seu coração e que lute com todas as forças para conquistar o direito de ser uma outra mulher. Com olhos ferinos e felizes, mas, sobretudo, senhora das suas vontades e dona de si.
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