Em casa! Foi assim que o primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres, Thiago Soares se sentiu ao voltar a se apresentar no Brasil, durante o último fim de semana, no teatro Oi Casagrande. Aproveitando suas férias da puxada rotina da companhia britânica, o rapaz de 35 anos, nascido em São Gonçalo e criado no bairro de Vila Isabel, colocou em prática um antigo sonho: realizar seu próprio espetáculo de dança. O intitulado “Roots” marca uma volta às origens de Thiago, já que resgata o início da sua vida artística dançando break e hip-hop nas ruas e festas da Zona Norte, no entanto, fazendo esse contraponto com toda a leveza que a dança clássica pode proporcionar. Em entrevista exclusiva ao HT, o artista falou sobre a experiência de se arriscar em novas modalidades dentro da própria dança – arte que domina com maestria.
“Sempre que você tenta fazer algo que não faz há muito tempo se torna um desafio. Eu estava com o desejo de falar sobre dança de rua e voltar às minhas origens, sabe? Aos mesmo tempo que foi um desafio está sendo muito prazeroso. Nesse projeto eu estive rodeado de pessoas que me conhecem de longas datas e amigos que acreditaram nesse projeto. É um olhar sobre a minha jornada, e gera um pouco de melancolia, mas é legal lembrar a trajetória difícil quando você vê que tudo deu certo”, avaliou ele, que comentou o porquê de sempre estar voltando ao país com novos trabalhos. “Sempre faço o possível para construir trabalhos no Brasil. O fato de eu ter ido embora foi apenas por eu querer buscar novos horizontes na minha carreira, mas eu nunca perdi o carioca que sou e os meus desejos de fazer coisas aqui. Acho que essas minhas idas e vindas acabam relatando bem esse processo. A nossa ideia, no entanto, é manter esse espetáculo vivo e tentar dar continuidade nesse projeto”, adiantou.
A ideia de “Roots” surgiu quando o bailarino reencontrou o diretor e coreógrafo Ugo Alexandre há dois anos, em Londres. De volta ao Rio, Ugo recebeu uma ligação do bailarino propondo que ele o dirigisse em um espetáculo que resgatasse o início da sua vida artística no Rio. Logo o diretor sugeriu Danilo D’Alma, bailarino e coreógrafo reconhecido no cenário das danças de rua, para formar um dueto com Thiago em cena, um grand pas-de-deux promovendo um diálogo entre a dança de rua contemporânea e o balé clássico.
“A nossa ideia é tirar o Thiago da zona de conforto, do papel de príncipe. Queremos mostrar um artista mais visceral, que fica ofegante. E, ao mesmo tempo, entender por que ele tem esse desejo de voltar às raízes”, disse Ugo, que conhece o bailarino há mais de 20 anos, desde os seus primeiros passos na dança em festas nos playgrounds de prédios dos subúrbios da urbe. “São dois corpos diferentes com linguagens diferentes que tentam se comunicar. Ao contrário das grandes produções, nós também pensamos em colocar a orquestra no palco. No nosso caso, a orquestra ficou por conta de Pedro Bernardes que, sozinho, fica responsável pela parte musical. Nós tiramos a música do fosso dos teatros para colocar no palco, conversando com a atuação dos bailarinos”, explicou o diretor.
Já Thiago, que hoje é apontado como um dos melhores bailarinos de sua geração, descobriu a dança por influência do seu irmão mais velho, Hugo, que na época tinha um grupo de street dance. A partir daí, não demorou muito para que ele se interessasse pela dança clássica e, já aos 17 anos, integrasse o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Tudo parecia um sonho, até que uma oportunidade de ouro apareceu em sua vida. Em 2002, o brasileiro ingressou no Royal Ballet de Londres e, quatro anos depois, se tornou o primeiro bailarino da companhia, posto que ocupa até hoje. “Fui para a dança clássica por acaso. Como o balé era pré-requisito para poder continuar a dançar outras coisas, tive que fazer. Mas é muito delicado eu achar que sou o melhor ou um dos melhores. Eu fico muito feliz que as pessoas possam me considerar algo desse tipo. No entanto, eu me considero um artista latino-americano, que tive algumas boas oportunidades e as agarrei. Agora, eu não penso muito nessa questão de ser um ícone. Isso atrapalha o caminho de progredir, como também pode confundir o artista”, disse.
Apesar de seus 16 anos de carreira, ele ainda se surpreende ao olhar para trás. “Eu nunca imaginei chegar aonde eu estou. Na verdade, os meus sonhos eram muito menores. Eu me considero um cara muito sortudo, porque, às vezes, eu chego a não acreditar nas oportunidades que surgiram para mim e as coisas que foram acontecendo. Eu ainda fico meio deslumbrado de certas coisas terem acontecido comigo, sabe?”, comentou.
E acredite, leitor, são coisas inacreditáveis mesmo! Em 2012, Thiago e o corpo de balé do Royal foi assistido e aplaudido de pé por ninguém menos que a Rainha Elizabeth. Mesmo fazendo parte do protocolo inglês, a presença da realeza o deixou mais apreensivo para a apresentação. “Dançando no Royal a gente fica muito acostumado a lidar com esse tipo de situação. Mas claro que foi diferente dançar para a Rainha. A gente acaba se cobrando um pouquinho mais. Fica aquela obrigação de sair tudo bem, mas como isso está no calendário acaba sendo normal. Nos encontramos e ela foi uma querida. Me deu a mão e perguntou de onde eu era”, recordou o artista.
E falando em recordações, se hoje os homens já são aceitos no balé clássico, Thiago conta que, no início da
carreira de dançarino, nem sempre foi assim: “Na minha época de colégio, estudava em uma escola pública em uma turma com 40 alunos. Só eu dançava. É claro que existia a zoação”, disse ele, que se assustou ao perceber que ainda existem esse tipo de postura no Brasil. “Há muito tempo eu não pensava sobre o preconceito, porque eu vivo em uma cidade que isso já é questão antiga. Mas recentemente eu falei no programa da Fátima Bernardes (“Encontro”) que a gente venceu o preconceito e duas horas depois eu recebi uma mensagem no Facebook de uma pessoa me atacando por esse comentário. Fiquei um pouco preocupado”, relatou. “Mas falando da dança, isso é história antiga, sim. Há uns e outros que ainda estão parados no tempo e perdem tempo com isso, mas o preconceito em relação a dança é passado. Ninguém está mais interessado em qual é a sua opção sexual do bailarino. Quando as pessoas pagam para assistir, elas vão pela dança”, afirmou.
No entanto, por ter começado sua carreira na dança de rua, ele mesmo assumiu que no início julgava homens que dançavam balé. Hoje ele entende que no fundo tudo não passava de falta de informação de sua parte. “No princípio eu mesmo tive preconceito. O meu preconceito era por não ter acesso. Eu achava que dança era coisa de menina, se vestir de rosa e dar pulinhos, mas esse era o acesso que eu tinha. Raramente eu via coisas de balé. Não sabia o que era um teatro ou uma companhia de dança. E logo que eu entrei nesse mundo, lógico, que a minha mentalidade mudou. No final das contas isso não tinha nada a ver”, avaliou.
Mesmo morando em Londres há muitos anos, Thiago Soares está antenado com o movimento político que passamos no país. Segundo ele, as notícias que chegam lá fora mostram uma grave crise, mas ele acredita em um país melhor. “Com certeza, o mundo tem uma noção de que estamos passando por momentos difíceis. Eu acho que toda grande nação de potência já passou por diversas crises e isso faz parte do jogo. Uma vez você está em cima, outra está por baixo. Infelizmente está acontecendo com a gente. Eu fico muito chateado e preocupado, mas vivendo lá fora, eu sinto que o Brasil tem uma energia muito positiva e a gente tem muito talento e muita coisa na nossa terra. Potencialidades da nossa natureza e talento para sair de situações ruins. É um momento crítico, mas eu continuo me sentindo orgulhoso de dizer que sou brasileiro. Qual país não passou por uma crise?”, completou ele.
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