Letícia Isnard é formada em ciências sociais e fez mestrado em sociologia com concentração em antropologia, mas está tendo a oportunidade de, como atriz, revisitar a história da Inconfidência Mineira. É que ela vive Simoa em “Liberdade, liberdade”, que estreou no último dia 11. Sua personagem vive com o marido Caldeira, interpretado por Jairo Mattos e, juntos, são donos da taverna de Vila Rica. Cristãos novos, se converteram ao catolicismo por conta da inquisição, mas continuam a praticar o judaísmo entre quatro paredes. “É interessante abordar o assunto, porque a gente não se dá conta desse poder da inquisição. Foi um movimento violentíssimo não só para os não-católicos, mas para homossexuais, minorias. As pessoas iam pra fogueira, uma violência absurda”, analisou ela, que, na trama, fará sotaque de portuguesa. “Em algum momento também vai ser revelado que eu sou irmã do Simão (Nikolas Antunes), que é um bandido da gangue do Mão na Luva (Marco Ricca), então ainda não entendi muito bem se esse sotaque é uma maneira de ela fingir que ela não é brasileira, que é portuguesa e católica, ou se realmente eles são irmãos e um nasceu aqui e outro lá, enfim. Realmente ainda não me contaram a verdade”, disse.
Sua Simoa acha-se boa demais para trabalhar de sol a sol na taverna do marido. “O sonho dela é comprar uma escrava, porque ela é preguiçosa, não quer trabalhar, mas o fato de querer ter uma escrava não a faz uma vilã. Era normal naquele período histórico, isso é muito louco. Viver essa história está me fazendo olhar com outros olhos como as pessoas que tem empregados assalariados os tratam não como escravos, mas como inferiores. Isso é bizarro. As vezes são atitudes que nem nos damos conta, como, por exemplo, colocar uma empregada para dormir em um quartinho sem ar-condicionado no Rio de Janeiro de 40 graus. É bom parar e rever os valores e padrões”, defendeu.
Assim como ela tem visto com seus próprios olhos, Letícia defende: todos os cidadãos deveriam visitar a cidade cenográfica da trama. “Entrar ali e ver os escravos sangrando, mutilados, é triste e chocante. Seria educativo as escolas fazerem passeios para proporcionar vivência de como era um dia naquele período, que foi ontem. A abolição de 1888 é muito recente. Tem coisas culturais que até hoje não mudamos. Palavras e expressões como ‘denegrir’, ‘a coisa tá preta’, que a gente nem percebe e são pejorativas em relação a cor da pele. Tem um preconceito que está dentro que, às vezes, nem nos damos conta que existe, porque ele é cultural, está nas práticas cotidianas, disseminado, disfarçado. Lidar com isso é chocante e impressionante”, afirmou. E ela vai além: “Existe um espaço enorme para se falar de história na televisão. É muito interessante preencher isso. Novela sempre tem questão de romance, disputas de amor, mas se tem um contexto histórico por trás, tudo ganha outra dimensão, não só para aproximar para as nossas vidas e adquirir camadas, mas também é a oportunidade de estar em contato com um momento muito forte do nosso país”, disse.
E Letícia sabe o que diz. Perguntada se ela acha que falta, hoje, um herói como foi Tiradentes, ela declarou: “Triste do povo que precisa de um herói”. E, se a trama desmitifica o heroísmo de Tiradentes e o coloca em um lugar de pessoa comum, que sai, visita o bordel e bebe cachaça, Letícia faz questão de ressaltar: o mártir não foi visto tão positivamente na época. “Se estudarmos historicamente, a figura de Tiradentes foi uma apropriação. Na época ele não foi visto como herói, ele não era abolicionista, pelo contrário. Os inconfidentes não eram abolicionistas, eram super escravocratas, tinham grana. O que eles queriam era se livrar dos impostos da coroa, de Portugal. São coisas que a gente, quando está no colégio, acaba colocando toda a farinha no mesmo saco, mas, olhando mais velha e com mais calma, é bom revisitar”. Sorte nossa, então.
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