Exclusivo! HT bate papo com produtora de “The Walking Dead” sobre boom de zumbis e se o bonitão Daryl é gay ou não!


No Brasil, Gale Anne Hurd fala sobre a popularidade dos mortos-vivos no mundo atual, traça um paralelo sobre os medos da humanidade, conta sobre sua paixão pelo terror, os desafios de adaptar a série para a TV e ainda dá pista sobre a polêmica em torno da sexualidade do personagem mais popular do seriado

*Por João Ker e Alexandre Schnabl

Produtora executiva da série “The Walking Dead”, de grandes sucessos como “O Inferno de Dante”, “Hulk” e “Armageddon” e figura-chave, seja como roteirista ou executiva à frente da franquia “O Exterminador do Futuro”, Gale Anne Hurd tinha tudo para ser mais uma persona empoada da indústria do cinema. Entretanto, essa imagem se desfaz nos primeiros cinco minutos da entrevista exclusiva que ela dá para o HT no final desta quinta-feira (25/9), no Armazém 6 do Cais do Porto, local onde acontece a feira de negócios Rio Market, em paralelo aos lançamentos do Festival do Rio. Gale é gentil, bem-humorada e, com voz tranquila, diz para o repórter não se preocupar com lisuras e inicia o papo.

A profissional de 59 anos, responsável por grandes produções como O Incrível Hulk, tem experiência suficiente para separar o joio do trigo – ou melhor, o sucesso do veneno de bilheteria -, basta que, em 2008, em plena crise global e com os Estados Unidos passando por um colapso sem precedentes, o longa faturou mais de U$138 milhões apenas em seu país de origem. Contrariando aqueles paradigmas que apontam esse tipo de executiva de Hollywood como alguém nervoso e frenético, Gale surpreende pela calma e usa um vestido elegante, tem seu pixie cut perfeitamente penteado, é amável e paciente. E até confessa que, na noite anterior, não conseguiu esperar pelo atraso na exibição de “O Sal da Terra” durante a abertura do Festival. Mas, com aquele olhar astuto que reflete a importância do seu nome na indústria cinematográfica, ela conversa sobre zumbis, traça um paralelo sobre sua simbologia atual e disserta sobre a paixão pelo terror e a ficção científica, que tem desde quando era pequena e, depois, quando ingressou na New World Pictures como produtora assistente do lendário Roger Corman. Ela conta até mesmo o que faria caso enfrentasse um apocalipse zumbi real e ainda fala sobre os recentes rumores de que Daryl, o personagem-fetiche da série televisiva vivido por Norman Reedus, poderia se assumir como gay na próxima temporada, mesmo sendo um rústico machão no enredo. A entrevista completa você confere agora:

Gale Anne Hurd (Foto: Divulgação)

Gale Anne Hurd (Foto: Divulgação)

HT: Parece que tem havido um “boom” de zumbis na nossa cultura – especialmente nos EUA – após o atentado de 11/9, algo que começa, talvez, a partir do remake de “Madrugada dos Mortos” (“Dawn Of The Dead”, de Zack Snyder) em 2004. É algo que você havia reparado? O que você pensa a respeito?

GAH: Na verdade, não. Eu acho que zumbis nunca perderam a popularidade, eles existem desde “A Noite dos Mortos-Vivos” (“The Night Of The Living Dead”, George A. Romero, 1968). Eles até tornam-se mais populares quando o público começa a sentir um medo profundo, pois eles têm o poder de sintetizar esse sentimento que a humanidade tem pela perda do lugar seguro, da ordem social. Mas eles nunca sumiram completamente. Com “A Noite dos Mortos-Vivos”, havia a Guerra Fria, um pavor do comunismo e da guerra nuclear. Mas agora já é algo além disso, associado ao temor pela perda da segurança em um mundo onde se sentir em zona de conforto se torna cada dia mais raro.

HT: Mas antes, eles eram tema de filmes alternativos, que faziam sucesso junto a um público mais segmentado, e agora estão mais dominantes do que nunca no meio mainstream.

GAH: Talvez isso seja algo do gênero, em geral. Ficção científica, filmes sobre alienígenas, todos esses já foram considerados “B-movies”, não eram apenas os zumbis que recebiam essa alcunha. E eu acho que Hollywood conseguiu virar esse jogo em produções como “2001: Uma Odisseia no Espaço”de Stanley Kubrick (1968); “Guerra Nas Estrelas”, de George Lucas (1977); “Tubarão”, de Steven Spielberg (1975). O blockbuster, por excelência, se alimenta desses gêneros fantásticos e de acabamento visual estilizado, e foram essas produções do final dos anos 1960 e da década seguinte que fizeram com que o gênero se tornasse mais mainstream. 

Zumbis: simbologia para um mundo devastado pelo consumo desenfreado? (foto: Divulgação)

Zumbis: simbologia para um mundo devastado pelo consumo desenfreado? (foto: Divulgação)

HT: Outro tema popular no terror são vampiros que, na verdade, são exatamente o oposto dos zumbis. Enquanto zumbis são maltrapilhos, tem aparência de excluídos das benesses da sociedade e dispõem de uma fome voraz por consumir tudo o que vêem pela frente, vampiros, na contramão, são criaturas cheias de glamour, dinheiro, beleza e juventude eterna. Estão no outro extremo e boa parte do seu charme se deve ao fato de que, no fundo, a humanidade inveja os vampiros. Você consegue ver, de fato, esse paralelo entre os mortos-vivos e aqueles que existem de fato mas que, por se encontrarem à margem da sociedade de consumo, são vistos como uma massa morta pelas grandes instituições e corporações planetárias? 

GAH: Bom, eu não vejo essa conexão.

Você acha que o mundo de “The Walking Dead”, em colapso pela falta de instituições reguladoras e dos recursos básicos – como água, comida e eletricidade -, se parece de alguma forma com essa realidade e para o qual talvez estejamos caminhando, já que as riquezas naturais vem se extinguindo através da sua má exploração e de aspectos como poluição da água, escassez de comida ou questões como 0 aquecimento global? 

GAH: Creio que é parte desse medo maior que as pessoas têm. Há um medo de que sim, nosso modo de vida irá acabar, toda essa abundância irá pelo espaço. E é como você disse: ele não é o bastante para todo mundo, apenas alguns poucos. Mas esses também são os poucos que conseguem pagar as TVs por assinatura para assistir ao programa (risos). Mas, sem dúvida, tudo isso irá acabar e não há nenhuma dúvida de que eu acho que todos têm esse medo. Tudo isso poderia ser causado por múltiplas coisas: um colapso financeiro em nível global, terremotos, furacões, tsunamis, qualquer coisa pode acontecer. E parece que isso anda ocorrendo ultimamente com mais frequência. Entretanto, eu não sei se essa impressão é de realmente a quantidade de cataclismas ter aumentado ou se apenas recebemos as notícias mais rápido que antigamente, como algo instantâneo, já que o acesso aos fatos pela mídia se multiplicou.

Gale Anne Hurd explica a paixão por terror (Foto: Divulgação)

Gale Anne Hurd explica a paixão por terror (Foto: Divulgação)

HT: Isso porque agora, graças à internet, nós temos notícias do mundo inteiro em tempo real. É isso a que você se refere? Ao fato de que a tragédia virou um grande espetáculo e que, também por isso, o filme de zumbi se tornou algo sensacional? 

GAH: Nós não tínhamos nada disso antes! Agora, nós somos uma comunidade global mais unida do que nunca por causa das mídias sociais. Qualquer um que estiver no Facebook, Instagram ou Twitter está se comunicando imediatamente com pessoas de todo o mundo. Então, se você segue alguém e algo está acontecendo, parece que é com uma pessoa que você conhece. Bem ao contrário do que seria antes, com algo do tipo: “Ah, lá do outro lado do planeta aconteceu isso e aquilo”.

Qual era a sua relação com filmes de terror – e o gênero de uma maneira geral – antes de “The Walking Dead”?

GAH: Começou quando eu era criança. Eu costumava ler histórias de terror e ficção científica desde quando eu era muito pequena: todos de Edgar Allan Poe e todo mundo de ficção científica, começando com as fantasias de Ray Bradbury – que  continham muitos comentários sociais – e também  de outros papas da sci-fi, como Philip K. Dick, Clifford Simak. Eu comecei quando tinha por volta de 10 ou 12 anos. E quadrinhos também, eu amava quadrinhos.

HT: E o que te atrai nesses gêneros?

GAH: Eu acho que é porque eles são mais interessantes. Quando jovem, eu não queria ler sobre pessoas como eu, com vidinhas entediantes. Eu queria ler sobre coisas maiores e mundos maiores, com mais emoção. E essa foi uma das principais razões pela qual eu me interessei pelo personagem do Hulk. Eu era muito pequena, as pessoas implicavam comigo e era ótimos pensar que você poderia ter um alter-ego, como o do Incrível Hulk, que pudesse bater nos valentões, sabe? (risos) Então, eu sempre amei isso e, naquela época, nós tínhamos as exibições de filmes a céu aberto com vários títulos de Roger Corman, que dirigia alguns longas baseando-se em Edgar Allan Poe. Eu costumava ver esses e vários outros de terror, como “A noite dos Mortos-Vivos” e “O Massacre da Serra Elétrica”.

Cartaz da 5ª temporada de Walking Dead": da esquerda para a direita, Rick Grimes, Carl, Moichone, Daryl Dixon , Glenn e Maggie (foto: Divulgação)

Cartaz da 5ª temporada de “Walking Dead”: da esquerda para a direita, Rick Grimes, Carl, Michonne, Daryl Dixon , Glenn e Maggie (foto: Divulgação)

HT: Você já sentiu medo quando viu algum texto ou produção sua tomando vida? Alguma cena de “The Walking Dead”?

GAH: Como eu sempre acompanho as filmagens e vejo tudo acontecendo, não. Mas, ao mesmo tempo, o que ainda me afeta é uma cena poderosa entre os atores. E isso ainda me faz chorar. Mesmo que eu esteja no set, aquilo sempre me atinge. Acabo tendo mais a tendência de chorar do que de me assustar. Mas, também, eu tenho feito terror/sci-fi desde 1984 quando roteirizei O Exterminador do Futuro”, então… Ainda assim, em outros filmes com os quais eu não tenho nada a ver na produção, eu me assusto. Eu me assusto com qualquer coisa! Eu sou tão ruim que tomei susto quando fui ver “As Tartarugas Ninja – 3D”! (risos) Para um filme infantil, é bem assustador!

HT: Quais são os desafios de adaptar a história de “The Walking Dead” dos quadrinhos para a TV?  

GAH: Eu acho que, inicialmente, foi lidar com algo bidimensional. Mas, depois, foi só descobrir o tom certo para dar vida à história e escalar os atores certos. Porque nós queríamos levar isso a sério e não fazer algo bobo, sabe? Contratar o diretor certo e Greg Nicotero (responsável pelos efeitos especiais e a maquiagem), para termos certeza de que a maquiagem não parecesse boba. E nós também decidimos filmar em filme, o que não é mais popular. Nós filmamos em Super 16 e isso faz com que o resultado pareça mais real e o todo se destaque de outras coisas feitas na televisão.

HT: Você tem um personagem preferido?

GAH: Isso muda todo ano. Eu tendo a me relacionar mais com as personagens femininas, e eu realmente amo a Carol (Melissa McBride) e a Michonne (Danai Gurira).

HT: Agora, eu sei que devem te perguntar isso sempre, mas o que você faria caso estivesse em um apocalipse zumbi de verdade, como o do mundo da série?

GAH: O que eu faria? Eu não sei por quanto tempo eu iria sobreviver. Entretanto, eu sou uma ótima atiradora e é algo natural. Na verdade, eu tenho um alvo em forma de zumbi e, da última vez em que fui atirar, ele ficou com vários furos na cabeça. Então, enquanto ele estiver parado lá, haverá vários zumbis mortos. Mas eu acho que faria o mesmo que muitas mulheres, que é simplesmente ficar atrás do Daryl Dixon. Você sabe, ficar atrás dele em uma moto é sempre o lugar mais seguro para se estar.

Gale Anne Hurd e os desafios da série The Walking Dead (Foto: Divulgação)

Gale Anne Hurd e os desafios da série The Walking Dead (Foto: Divulgação)

HT: Por sinal, estão rolando alguns boatos de que Daryl possa sair do armário na próxima temporada. Isso é verdade?

GAH: Olha, o que Robert Kirkman [criador dos HQ’s, roteirista e produtor executivo da série] queria comentar, quando disse aquilo, é que você não pode julgar um livro pela capa. Na série, você não pode assumir que qualquer um seja qualquer coisa ali e, por isso mesmo, preferência sexual não tem nada a ver com ter que agir de certa forma. Caras durões podem ser gays, sim, porque não? Vamos ver o que acontece.

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HT: Até nos quadrinhos atuais são vistos super-heróis gays, como é o caso do novo Lanterna Verde…

GAH: Sim, logo, não é possível presumir nada. Mas eu acho mesmo que isso é uma mensagem importante para se dizer, qualquer que seja a sua preferência sexual. E dá para, independente da maneira de agir e sentir, ser sempre você mesmo. Portanto, está tudo bem se Daryl for gay, assim como se ele não for. Veremos…

O ator Norman Reedus como Daryl Dixon: o personagem mais popular da série não existia nos quadrinhos e tem legião de fãs mundo afora (foto: Divulgação)

O ator Norman Reedus como Daryl Dixon: o personagem mais popular da série não existia nos quadrinhos e tem legião de fãs mundo afora (foto: Divulgação)