Em uma das primeiras apresentações de Cesar Camargo Mariano em rádios, ele ganhou a alcunha de “o menino prodígio que toca jazz”. Aos 71 anos, e, desses, quase 60 de experiência na área musical, o apelido mudou. Pelas bandas de Trancoso, no litoral Sul da Bahia, ele é o “Dono da Bossa”. Coisa dos presidentes do festival Música em Trancoso, que teve sua quinta edição realizada no Teatro L’Occitane. Mas também pudera: pianista e arranjador de renome, Cesar Camargo já ganhou uma infinidade de troféus nos prêmios APCA, Sharp, TIM, Playboy e CLIO Awards. Envolvido desde o primeiro ano do Música em Trancoso (ele já convidou Mônica Salmaso, Leny Andrade, Ivan Lins, Joe Locke, Paulinho da Viola e por aí vai), ele foi o responsável, em 2016, pelas noites “Bossa Nova” e “Jam Session”. Em conversa exclusiva com HT no hotspot baiano, ele destacou que o festival está desenvolvendo “o lado social e empregatício” da região e analisou a cena musical brasuca (“o cenário não é animador. Continua sendo animador intérpretes de 25 anos atrás. Os que surgiram, daí para cá, não são bons, que me perdoem”) e o advento do streaming (“tem que achar o caminho certo de fazer isso, porque tem um lado prejudicial. A começar pela remuneração e o controle da audiência”). A seguir.
“Acho que através da música você pode educar”
“É de total e absoluta importância o que ocorre no festival Música em Trancoso. E é da mesma importância acontecerem mais festivais como esse, especialmente no resto Brasil, porque no mundo já existe. Não é só a cultura musical que se expande – o que já é uma grande coisa. Estamos desenvolvendo também o lado social, empregatício, já que tem uma grande quantidade de gente envolvida e que faz questão de participar. E isso acontece desde restaurantes, passando por taxistas, até colégios. Automaticamente, então, a economia desenvolve junto. Mas o meu foco é a cultura e, nela, acho que através da música você pode educar”.
“O axé é um gênero pop, mas não é evoluído”
“Rock sinfônico (que dominou a última noite de festival) existe em vários lugares. Toda hora se faz isso. A identificação do público com o rock, nesse caso, e com a música popular brasileira, é muito grande. E isso é ajuda a ouvir e a entende melhor a música erudita (até porque a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais também deu um show). Facilita as coisas. Em termos de formação musical e de som, o rock ou um conjunto de bossa nova vai entre quatro e seis pessoas. E aí você tem uma massa de instrumentos e orquestrações feita especialmente para peças conhecidas. Isso é muito rico. Eu, como arranjador – minha especialidade -, vejo isso como muito importante. O povo, em geral, não sabe discernir o que é um arranjo, uma orquestração ou o que está acontecendo por trás de um cantor ou de um intérprete, por exemplo. Mas…ele sente! Quanto mais você injeta isso, você capricha, acaba traduzindo tudo e leva uma informação nova, rica, evoluída para as pessoas. Embora fique uma coisa subliminar, ainda assim é saudável. A ideia não é bem popularizar, é juntar as coisas e valorizar o instrumental. O axé é um gênero pop, mas não é evoluído. Existe o jazz pop, por exemplo, que por sua vez já é uma coisa evoluída. Aí o cara olha e fala: ‘Oh…Aquarela do Brasil! Oh…Lapinha. Puxa, que som diferente. Olha a música dos Beatles com som diferente’. Acho que isso é importante”.
“(Na internet), tem tudo, de tudo, de todos, ao mesmo tempo. Me incomoda. Fica tudo dentro do mesmo saco. Você não consegue discernir”
Sobre novos talentos: “Sinto muito, mas é difícil. Muita gente pensa que, por eu morar lá fora (Cesar reside em Nova York, nos Estados Unidos), eu não sei o que passa aqui. Mas eu acompanho, sim, muito bem. O cenário não é animador. Continua sendo animador intérpretes de 25 anos atrás. Os que surgiram, daí para cá, não são bons, que me perdoem. O motivo para isso? A massificação e a forçação de barra para o popular de baixo nível. Todas as estações de rádio, por exemplo, são niveladas por baixo. Não tem uma estação especializada em axé ou em música erudita. Estão cortando tudo por baixo e colocando dentro do mesmo saco. E é muito preocupante. Para mim, prejudica os novos músicos que estão aparecendo. Quando eu digo que sinto muito, é por eles. A culpa não é deles. Eles estão sem espaço, oportunidade de desenvolver. Se eles esbarram com um produtor de música que, por estar linkado com uma estação de rádio ou de televisão, vão ser direcionados para aquilo. Não adianta criar coisas maravilhosas, porque ele vai ouvir: ‘Vamos por aqui, cara. Se você fizer assim, vende mais. Se não for assim, não teremos espaço na internet’. Porque hoje, não tem mais loja de disco, nem gravadora. O que tem é a internet. O que é ruim por dois motivos: a gente perde os produtores e perde também a produção, espaço para produzir discos. Até 15 anos atrás, eu vivia dentro do estúdio gravando, tocando. Mas eu ouço serviços de streaming. Eu até sou a favor, mais do que nunca. Mas tem que achar o caminho certo de fazer isso, porque tem um lado prejudicial. A começar pela remuneração e o controle da audiência. Será que são ‘x’ vezes executadas? São pessoas certas ouvindo? Porque tem tudo, de tudo, de todos, ao mesmo tempo. Me incomoda. Fica tudo dentro do mesmo saco. Você não consegue discernir”.
*O jornalista viajou a convite do festival Música em Trancoso
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