*Por Brunna Condini
No início do mês, Fabiana Karla dividiu com seus seguidores no Instagram, a indignação que sentiu por conta de um vídeo do Porta dos Fundos. Com nome de “Teste de Covid”, a esquete que já foi tirada do ar, ridicularizava um corpo gordo. A atriz e apresentadora avaliou que o vídeo andava na contramão das criações do coletivo e era agressivo, em tempos tão delicados. Após o episódio, Fábio Porchat foi a público desculpar-se em nome do grupo e fez lives para debater o assunto. O humorista disse que a intenção da produção não foi ser preconceituosa, mas que reconhece o erro. Mais do que não ter a intenção é urgente entendermos que a gordofobia é algo muito enraizado em nossa estrutura social e precisa ser combatida. Precisamos aprender muito ainda. Afinal, as lutas contra atitudes preconceituosas não devem ser seletivas e podemos sempre evoluir. Se dói em alguém, é sofrimento e nunca mi mi mi.
A convite do site, Fabiana Karla fala sobre o episódio e inaugura uma série de matérias que pretendem esclarecer e trazer luz para o tema. Porque nós, assim como ela, queremos saber: gordofobia, até quando?
Depois da repercussão do episódio, você chegou a conversar com o Porchat? “Não, nós não conversamos, e está tudo bem, pois não foi nada pessoal. Gosto do Fábio, tenho carinho e respeito por ele e acho que é recíproco. Achei a postura dele ao falar em nome do “Porta” nobre e humilde em entender a situação, abrindo um discurso necessário através das lives. Estamos em tempos de aprendizado mútuo. Fiquei muito feliz com o desfecho, porque era algo que precisava ser discutido no momento. Gordofobia não é piada. Eu gosto muito dele e acho o “Porta dos fundos” importante, traz um humor inteligente, necessário, mas aquele vídeo precisava ser revisto”.
Acha que falta empatia em relação aos episódios de gordofobia? “Acho que fala-se pouco a respeito, as pessoas precisam aprender mais, há de se educar desde cedo, abrir conversas em casa, nas escolas, em redes sociais, sobre respeito ao próximo, e levá-las a entender melhor que também existe gordofobia estrutural, assim como racismo estrutural e o machismo estrutural, este último, inclusive, que vitima mulheres espancadas por seus companheiros porque ficaram gordas depois da gestação e são chamadas de desleixadas”, analisa. E acrescenta: “Acredito que estamos caminhando para mudanças importantes. E isso é só o começo. Espero que um dia a gordofobia seja criminalizada”.
Corpo Livre
Fabiana afirma que nunca fez apologia à gordura e que é adepta de uma vida saudável, e também do Movimento Corpo Livre, que surgiu nos Estados Unidos como Body Positive e se fortalece por aqui. A ideia é ajudar mulheres a amarem e aceitarem seus corpos como são. “Acho que o Movimento Corpo Livre beneficia a todos! Reafirma a liberdade de nossos corpos independentemente de suas formas. Nunca fiz apologia à gordura, sempre levantei a bandeira do bem-estar, e isso é defender a liberdade de ser quem sou.Tenho convivido com pessoas que são militantes e estou entendendo cada vez mais o meu papel. Gostaria de citar a modelo Isabella Trad, a Bells, a apresentadora Bielo Pereira, Gabriel Pereira, que me chamaram muita à atenção frequentando minha casa com minha filha Laura e abrindo discussões valiosas e nos seus lugares de fala, me provocando e abrindo o meu olhar de alguma forma”, compartilha. “Foi aí que eu conheci a fundadora do @movimentocorpolivre, Alexandra Gurgel, e ela veio com toda essa lucidez e voz ativa nesse movimento contra a gordofobia. Durante um papo, confidenciei que me sentia um pouco covarde, e não ficava à vontade em falar a respeito de coisas que eram meu lugar de fala, e achava que isso me tornava omissa. Xanda generosamente, e com toda sororidade real, foi me mostrando ao longo da conversa que minha militância sempre foi sendo, e não falando, e que eu sempre estive na TV, na moda, nas redes sociais, como uma mulher gorda que inspirava outras, e mostrava que era possível estar na TV em uma posição de destaque sem ser colocada para baixo. E isso me confortou e me encorajou muito”.
O peso, isoladamente, não é um sinalizador de doenças, mesmo assim, ainda existe muito preconceito contra pessoas gordas, apesar de todo esforço de conscientização. O que é mais difícil, quando falamos de combater a intolerância ao corpo gordo? “A dificuldade maior é sempre dissociar a pessoa gorda da falta de saúde e do desleixo. É sempre ter que lidar com o estereótipo de que gordo come muito, em grande quantidade. Eu, por exemplo, se tiver com pouco tempo, e tiver que escolher, troco comer por dormir, pois meu ritmo é acelerado e não arrastado, como todo mundo imagina o de uma pessoa gorda. E não tenho preguiça de fazer exercícios. Faço no meu ritmo”.
A atriz aproveita para dividir um pouco da sua rotina de bem-estar: “Tenho nutricionista, a Luna Azevedo, e uma educadora física, Cau Saad, que cuidam de mim há bastante tempo e garantem minha saúde. Também sou vaidosa, o que contraria a regra de que gordo é relaxado. Então, acho que cada pessoa é única, não dá para estereotipar. Existem pessoas gordas e preguiçosas? Sim! Do mesmo jeito que existem pessoas magras e preguiçosas, que se alimentam mal. É difícil ter que explicar isso toda hora na vida”.
A mãe de Beatriz, 22, Laura,21 e Samuel, 20, casada com Diogo Mello (ela oficializou a união no final do ano passado, em uma cerimônia discreta), tem investido em uma vida cada vez melhor, mais leve, consciente e plena. Aos 44 anos, a recifense conhecida por seu talento e bom humor, fica perplexa que o repúdio em relação ao bullying com pessoas gordas, ainda seja encarado como exagero por muita gente. E também chama atenção para quando o preconceito vem disfarçado de preocupação com a saúde. Neste caso, quais são as frases mais ouvidas travestidas de elogios ou preocupação? “ Tem muitas: “Nossa, mas ela tem um rosto lindo!” Ou: “Está mais magra! Está linda! Continue”. Mas para exemplificar melhor, acho que tem um episódio bem atual, em que uma médica falou ao vivo para uma advogada em um programa de TV: “Posso pedir uma coisa, você me ajuda? Posso te ajudar a emagrecer?” Acho que esse é um ótimo exemplo do que não se deve fazer com ninguém! Esses “feedbacks” são muito sem noção, principalmente quando a pessoa não pede”, exemplifica Fabiana, citando o programa Mulheres, da TV Gazeta, que, após o episódio, se desculpou e debateu o tema.
Ainda sobre a questão, a atriz continua: “O que não significa que eu não possa chegar delicadamente para alguém que amo, e percebendo que a obesidade, que é uma doença, pode estar deixando essa pessoa com sérios e visíveis problemas, não possa oferecer ajuda. Acho que qualquer pessoa que se preocupar com quem ama, pode oferecer ajuda, seja com questões corporais ou mentais. Oferecer ajuda para uma amiga que está tendo crise de ansiedade ou depressão é importante. Acho que tem que ter delicadeza, não pode ser constrangedor”.
Outros preconceitos já são passíveis de punição, por que isso não acontece com a gordofobia ainda? “Acho que só agora os outros movimentos entenderam que nós fazemos parte deles e que precisamos de apoio assim como apoiamos a todos. Nós gordos, ficamos sempre no “limbo”, ficamos sempre à parte, esquecidos por esses movimentos, e eles não percebem que todos os preconceitos esbarram primeiro na gordofobia. Baseada em minhas vivências e relatos de amigos próximos, se você for uma preta gorda, o preconceito será inicialmente pela sua aparência gorda, para depois chegarem nas outras camadas do preconceito. Se você for gay, do mesmo jeito. Acho que agora as pessoas começaram a entender que essa é uma pauta da luta também”.
O que mais dói neste tipo de preconceito? “Acho que a dor bate em cada pessoa de um jeito. Tem coisas que vão incomodar mais a uns do que a outros e vice-versa. Todo preconceito traz um julgo, e ser rotulado de algo negativo é doloroso. Acho que a injustiça dói demais, e isso é igual para qualquer tipo de preconceito. Dor é dor! Acho que do mesmo jeito que estamos buscando entender outros movimentos e estamos dispostos a aprender juntos, precisamos exercitar o básico que é o respeito e a empatia, e começar a beber da fonte de pessoas que dominam esse movimento como @alexandrismos @movimentocorpolivre e @biancabarroca . Aí tem bastante conteúdo para ampliar os horizontes de quem desejar aprender”.
Como se sente usando sua visibilidade para contribuir para um mundo menos gordofófico? “Me sinto dando um grito de alerta, que estava abafado. E esse grito não é só meu, fala por muitas pessoas que não tinham a mesma força e visibilidade que eu tenho. E a minha voz engloba vários movimentos, acho que tenho vários privilégios e entendo que preciso reparti-los com os outros que não têm a mesma oportunidade. Não tenho o interesse de me tornar a “polícia da gordofobia”, até porque não preciso ser reativa a tudo, mas quero continuar apoiando outros movimentos, mesmo os que não estão no meu lugar de fala, por empatia, como sempre fiz. E estarei a disposição para estimular o respeito, a discussão e apoiar pessoas gordas a terem mais acesso nos hospitais, em eventos e em companhias aéreas. Os acessos não podem ser negados!”.
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