*Por Brunna Condini
Aos 35 anos, Erika Januza é uma referência de talento e empoderamento de sua geração. Construindo sua carreira como atriz desde 2012 quando protagonizou a minissérie ‘Suburbia’, ela lembra que nem sempre o caminho foi fácil e que, além de tudo, teve que lidar com o racismo estrutural existente em nosso país.
Por essas e por ser uma mulher atuante para quebrar as barreiras impostas pelo preconceito, convidamos Erika para escrever um texto para nossa série ‘Como ser antirracista?’. O mês de novembro marcado pelo movimento de Consciência Negra é necessário e fundamental, mas também é importante lembrar que as ações para esclarecimento, ocupação e representatividade devem existir o ano todo.
Quando a pandemia chegou, a atriz gravava ‘Amor de Mãe’ como a batalhadora tenista Marina, que para seguir seu sonho se dividia entre o trabalho em um bar e as quadras. A novela foi interrompida em março para evitar a contaminação da Covid-19 e acabou de completar um ano da sua estreia. Erika terminou de gravar sua participação recentemente, mas a novela só volta ao ar em 2021.
Como foi se despedir da trama sem poder viver a experiência da novela na completude por conta da pandemia? “Foi uma experiência que eu jamais imaginei viver. Esse ano de 2020 mexeu com tudo o que tínhamos de seguro, de planejado e de previsível. É tudo muito novo e ainda em processo de descoberta. Foi um susto parar de repente. É ruim interromper um projeto pela metade. Mas foi uma sensação muito boa voltar ao trabalho, mesmo com todos os cuidados que ainda precisamos tomar”, diz ela que também estará na segunda temporada da série ‘Arcanjo Renegado’.
Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista
Ela faz das suas redes e entrevistas um espaço para ampliar a voz na luta por igualdade de direitos, contra a discriminação. E sonha com o dia em que exista menos opressão por conta do tom da pele e mais respeito. Erika também responde aqui à algumas questões sobre racismo, que vão introduzir o texto que escreveu especialmente para o site HT.
Por que não basta não ser racista e devemos buscar ser antirracistas? “Porque os atos antirracistas são o caminho mais eficiente para ajudar a mudar esse preconceito tão enraizado nas pessoas. As atitudes antirracistas jogam luz para as necessidades de mudança e apontam caminhos para alcançarmos uma sociedade menos desigual”, argumenta.
E como ser antirracista no dia a dia, por exemplo? “É um processo de aprendizagem, de escutar quem tem algo a nos ensinar. De respeitar quem está do lado que sofre a opressão. Não podemos minimizar a dor do outro. Não podemos deixar de evoluir, deixar de manter um esforço diário para nos tornamos pessoas melhores, bons exemplos para as gerações que virão depois de nós”.
Os últimos episódios de racismo e violência no país, como a morte de João Alberto Freitas no supermercado – na véspera da morte de Zumbi dos Palmares e do feriado que marca o dia da Consciência Negra (20 de novembro) – diz o que sobre o país que vivemos? “Diz que estamos muito distantes de uma realidade mais justa e com menos conflitos interraciais. Que ainda precisamos conversar, debater e protestar. Porque essa ainda é uma realidade do nosso país. O racismo existe. Ele é cruel e implacável. E faz muitas vítimas”.
Qual foi a sua primeira lembrança de uma situação de preconceito? “Foi na escola, o que é triste demais. Além da cor da minha pele, foi também pelo meu tipo de cabelo. Aprendi bem cedo as tais diferenças. Passei por situações muito dolorosas, que ainda seguem dentro de mim. Mas hoje aprendi com elas. Não as carrego com amargura ou revolta, no entanto é algo que não se esquece e é triste pensar que esta é a realidade de tantas crianças. Daí a importância de cuidar da base da educação de todas as crianças”.
Você já sofreu racismo no ambiente de trabalho? “Sim. Há racismo em todos os lugares. No começo, eu me recolhia. Mas depois passei a combatê-lo com uma conversa, expondo meu ponto de vista. Entendo que o meu papel é disseminar a informação e jamais me calar. Até porque racismo é crime”.
Com a palavra, Erika Januza:
“Demorei muito para entender a importância da minha voz na luta contra o racismo. Não se iludam: não existe uma associação automática à esta causa simplesmente pelo fato de eu ser uma mulher negra. Não! Anos de opressão deixam marcas profundas, estruturais.
Passei anos e anos, depois de sair da minha bolha de amor familiar e dar de cara com o preconceito por ter a pele preta, achando que eu ‘devia uma favor ao mundo’. Estudar em uma boa escola, ter um bom trabalho, conquistas materiais, realizar sonhos… nada disso parecia ser um direito meu. Por mais que eu entendesse que aquilo estava errado, o meu sentimento discordava. Eu sentia sempre que estava em dívida com alguém, com alguma coisa.
É muito libertador quando a gente realiza que somos dignos de obter conquistas, de comemorá-las. É um delicioso caminho sem volta. Mas é um trajeto árduo, com pedras, buracos… e dor. Já estive em lugares, em incontáveis vezes, sob olhares de pessoas que estavam a um triz de verbalizar: “você não tem direito de estar aqui, pois você é negra”.
Mas eu posso. Toda mulher negra pode estar onde ela quiser. A gente sabe que isso não funciona na prática, mas ter essa certeza dentro da gente já é um valioso primeiro passo. Isso nem deveria mais ser discutido em pleno 2020. Mas ainda se faz necessário. E se fará necessário enquanto houver um negro que seja, achando que não tem o direito de ir onde quiser, fazer o que quiser, falar o que quiser.
Sim, precisamos de leis que nos protejam e instrumentos que nos garantam um pouco mais de igualdade diante das oportunidades. A nossa linha de largada já é a primeira desvantagem quando corremos em busca de educação, saúde, segurança, empregos.
É cansativo. É dolorido. É cruel. A luta contra o racismo não é bonita. Ela é dura. Ela faz a gente esmorecer. Mas desistir não pode ou deve fazer parte das opções”.
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