*Por Júnior de Paula
Maria João, uma das mais talentosas atrizes portuguesas, está de volta ao Brasil depois de um hiato de dez anos. Famosa por aqui graças à sua participação em novelas como “O Clone” e “Sabor da Paixão”, sua última aparição na telinha da Globo foi em 2004, em uma das temporadas do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Agora, a convite de seu conterrâneo Rui Vilhena, autor de “Boogie Oogie”, ela está de volta à rotina brasileira que aprendeu a amar e, confessa, já estava morrendo de saudades.
Enquanto esteve distante de nós, a atriz também se dedicou à televisão portuguesa, ao cinema e até à música, com direito a lançamento de CD campeão de vendas em Portugal. O longa-metragem “Variações de Casanova” é outro exemplo de um dos trabalhos que a enchem de orgulho, no qual ela aparece ao lado de John Malkovich. A produção fez bonito no festival de Cinema de San Sebastian, na Espanha, e tem lançamento previsto para dezembro. Mas chega de blá, blá, blá e vamos ler o que Maria João conversou com gente num papinho bem saboroso.
HT: Por que Portugal consome tanto a arte e TV brasileira e a gente é tão pouco aberto ao que vem de lá? Consegue pensar em um motivo para este distanciamento?
MJ: Não consigo e, muitas vezes, penso sobre essa mesma questão. Foi inclusive uma das razões que, há mais de dez anos, me levou a aceitar participar na novela “Sabor da Paixão”. Era uma novela que tinha o seu início todo gravado em Portugal e cuja trama envolvia e dava a conhecer uma parte da realidade portuguesa. Acredito que a tendência será que cada vez mais esse distanciamento diminua, pelo menos eu gostaria que assim fosse. Fico muito orgulhosa quando vou ao ArtRio e vejo peças da Joana Vasconcelos, quando vejo pessoas lendo Fernando Pessoa ou quando assisto o desbravar de terreno feito nos últimos tempos pela fadista Carminho, atuando ao lado de Chico Buarque, Milton Nascimento e Nana Caymmi. Mas há ainda muito para partilhar no cinema e teatro portugueses . Será muito bom ver esse intercâmbio cultural e ter cada vez mais duas direções e não apenas uma.
HT: Existe diferença nas características dos atores em diferentes países?
MJ: Não, não acredito que existam diferenças de características devido à diferença geográfica. Em Portugal existem atores de um talento enorme igualável a qualquer outro ator de qualquer outra parte do mundo. O mercado português é que é um mercado muito menor.
HT: Existe uma necessidade de adaptação na sua interpretação para produtos do Brasil e de Portugal, além do sotaque?
MJ: Existe sim, mas prende-se unicamente com a questão do sotaque e devo dizer que não é fácil. No Brasil, mesmo fazendo um papel de portuguesa, é fundamental que adapte a minha forma de falar, que utilize um português mais “abrasileirado”. Tenho muitas vezes que utilizar a estrutura gramatical e expressões mais utilizadas no Brasil. Ou seja, tenho que arranjar um compromisso entre o português do Brasil e o português de Portugal para que grande parte do público entenda o que digo.
HT: Portugal passou por uma grande crise recente. De que forma isso afetou o setor cultural do país?
MJ: De uma forma muito intensa e preocupante. Quando um país atravessa uma crise, um dos primeiros setores a sofrer cortes orçamentais é exatamente a cultura. Na televisão não foi tão marcante, mas no cinema e no teatro passamos por uma situação muito complicada. Alguns teatros se viram obrigados a parar produções que já tinham em curso, outros a reduzir a programação e alguns até mesmo a fechar as portas. Mas por outro lado é também nas situações de crise que somos obrigados a ser criativos e a não desistir. Muita coisa interessante acaba por surgir nestes momento menos bons.
HT: O que a faz aceitar fazer uma novela no Brasil? Quais os principais desafios?
MJ: Eu trabalhei cinco anos no Brasil e vivi experiências fantásticas. Depois disso e nestes últimos dez anos, tenho investido muito na diversidade da minha carreira. Alem de vários projetos na televisão portuguesa e no cinema português, fiz várias produções internacionais e fui abrindo portas em diferentes mercados. E o Brasil, além da forte ligação emocional que tenho com o país, é sem duvida um mercado que quero manter e explorar mais. Não apenas na televisão, mas também no teatro e no cinema. Neste caso específico de “Boogie Oogie”, o fato de ser uma novela de Rui Vilhena, que é uma autor com quem já trabalhei várias vezes e de quem sou grande admiradora, foi sem dúvida uma das razões que precipitou um regresso ao Brasil.
HT: Você chegou ao top 1 com um CD lançado em Portugal. A música pode voltar a fazer parte da sua carreira, ou foi um trabalho específico?
MJ: O lançamento do CD estava diretamente relacionado com uma personagem que fiz no ano passado em Portugal. Foi uma personagem com um enorme sucesso em vários países pela legião de fãs que a seguiam, não apenas nos canais portugueses vistos pelas comunidades portuguesas mas também através da internet e das redes sociais. O sucesso da personagem levou a que ela lançasse um CD, que acabou por estar por várias semana em primeiro lugar do top nacional. Essa foi a forma como a música fez parte da minha vida e foi uma experiência fantástica, mas foi algo unicamente ligado a esse projeto.
HT: A dramaturgia portuguesa vem ganhando mais consistência nos últimos anos, certo? Como tem sido participar desse processo e que profissionais têm chamado a sua atenção por lá?
MJ: É fantástico ver a dramaturgia portuguesa a evoluir dessa forma. Hoje em dia e há já muitos anos, as produções portuguesas são os produtos mais consumidos pelo público. Temos excelentes profissionais nas mais diversas áreas e é muito bom ver o trabalho de muitos deles ser reconhecido até a nível internacional. No cinema, vários profissionais e filmes são reconhecidos além fronteiras. O meu filme “Mistérios de Lisboa”, inteiramente rodado em Portugal, foi galardoado nos mais importantes festivais de cinema do mundo. Na televisão, já várias produções levaram o Emmy para Portugal e novamente este ano uma novela portuguesa está nomeada. É muito bom fazer parte desses projetos , evoluir com eles e sentir que faço também parte desse crescimento.
HT: Acompanhou as eleições brasileiras? Como “estrangeira”, que análise você faz do que tem visto. É muito diferente de Portugal ou política é igual em todo lugar do mundo?
MJ: Vejo um país e um povo que procura uma mudança. Tenho sentido que muitos não votam por convicção, mas sim para não dar o voto a quem tem a certeza que não querem ver no governo.
HT: O que mais gosta de fazer no Rio quando tem um tempinho livre?
MJ: Gosto de caminhar na lagoa Rodrigo de Freitas, de tomar o café da manhã no Parque Lage , de ir ao teatro e assistir a concertos.
* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura
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