Dizem que carnaval é a farra do corpo, mas, antes disso, é coisa de espírito, é festejo da alma. Por isso mesmo, HT, imbuída de seu caboclo Pierre Verger, deu uma passadinha no sambódromo, no Rio, nesta noite de domingo para averiguar a lavagem da avenida e, de quebra, averiguar in loco o time de aviões que compõe a frota da Unidos de Vila Isabel, que tinha ensaio técnico a seguir e que, por ter ganhado o carnaval do ano passado, é a escola que se apresenta após o ritual. O resultado, esfuziante, pode ser conferido no ensaio abaixo, sob as frenéticas lentes de Zeca Santos. É sempre bonito ver a evolução das personalidades do mundo do samba, prontas a expurgar qualquer possível mau agouro, vestidas de branco em sua maioria, quando, daqui a poucos dias, o asfalto se colore em todas as cores.
A cerimônia de benção e lavagem, de certa forma, tem origem na própria Praça Onze, reduto do samba e dos terreiros dos ex-escravos, que habitavam as imediações da Saúde e da Providência, tudo catalisado pela presença histórica de Tia Ciata. Por isso mesmo, a cada ano todas as escolas enviam suas delegações para a cerimônia, sobretudo as baianas, a velha guarda, mestres-salas e porta-bandeiras de agremiações de todos os tempos e até de blocos de rua como o tradicional Cacique de Ramos. Sim, nessa noite, até os índios fazem a sua fumacinha.
Fotos: Zeca Santos
Nesta noite, tudo precisa acontecer como manda o figurino, assim como durante os quatro dias de Momo. Lucinha Nobre, a porta-bandeira da Mocidade Independente de Padre Miguel e diretora de carnaval da Riotur, é só sorriso, apesar da responsa. Preto de raiz e com camisa vermelha, Arlindo Cruz praticamente evoca, sem saber, “O Escarlate e o negro”, obra-prima de Sthendal. E encontra tempo para confraternizar, com abraçaços (como diz Caetano) que vão de Quitéria Chagas, ex-Império Serrano como ele, a velhos conhecidos de mesa de bar. Todos amam Arlindo. Tatiana Padang, ex-rainha da bateria da Mocidade, conquista todos mais uma vez com seu sorriso-maravilha. Haroldo Costa enverga um branco e observa tudo de perto. A mãe de santo toma a benção da juíza da vara da infância que se aposenta. Crianças das alas mirins também participam do ritual, que conta com um único carro alegórico, trazendo um altar dedicado a São Sebastião, padroeiro da cidade. E, nessa mesma vibe de boas energias, um grupo de babalorixás entoa cânticos, fazendo fumacê com seus charutos, seguidos por um padre negro da Arquidiocese que faz uma oração. Lindo isso. Da alfazema ao incenso no turíbulo. E as preces são fortes porque, apesar do calor, nem rola uma chuvinha. Mas, mesmo sem cair uma gota sequer do céu, todo mundo sai de alma lavada. Carnaval é isso!
Fotos: Zeca Santos
Depois, na Vila Isabel, tudo é ouro. O carnavalesco Milton Cunha enrolou um pano no torso e brincou de Nero. Thaila Ayala e Quitéria Chagas incorporam a volúpia do brilho, mas economizam no volume dos tecidos. Ticiane Pinheiro prova que o quadradinho de oito é o passaporte para a nota dez. O coreógrafo e maquiador Zé Reinaldo exala charme ao lado da atriz Suzana Pires, os dois seduzindo com olhares vorazes . E, Arlindo, que compôs o samba da escola junto com Martinho da Vila, ainda dá abraço de urso em Sabrina Sato, estupenda rainha da bateria, que dá seu grito de guerra: “Vamos arrasar, moçada!”
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