*Por Domênica Soares
Fundadores da “Era Uma Vez o Mundo”, negócio de impacto social, que nasceu em 2017, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Jaciana e Leandro Melquiades pensaram em um projeto que tem como objetivo principal suprir a falta de produtos voltados para as crianças negras. Depois de criarem a primeira loja só de bonecas negras do Brasil, os dois desenvolveram o Espaço de Brincadeiras Artesanais Afrocentradas (EBBA) com a intenção de proporcionar um universo mais lúdico desconectando um pouco as crianças das tecnologias eletrônicas e promovendo uma sinergia com o afeto, a troca, a colaboração e o brincar em família. Segundo Jaciana Melquiades, que é historiadora, o EBBA é o braço educativo da “Era Uma Vez o Mundo”. “A ideia surgiu especialmente porque, enquanto educadores, sentíamos a necessidade de trazer conteúdos das culturas africanas e afro-brasileiras para o ambiente escolar. Com as atividades do Espaço de Brincadeiras, exercitamos com as crianças seus saberes sensíveis, de forma lúdica, utilizando como ferramenta as brincadeiras afro-referenciadas”, conta.
Além disso, Jaciana explica que essas atividades possibilitam que as escolas envolvidas tenham contato mais aprofundado com alguns conhecimentos culturais e filosóficos africanos. Tudo isso, de certa forma, amplifica o olhar das instituições para todos os aspectos potentes e positivos da negritude. Além disso ainda existe a proposta principal, que é desenvolver o ‘brincar artesanal’ e promover a interação direta com o outro, contribuindo para um melhor desempenho das crianças com o movimento do corpo através das atividades físicas. De acordo com a historiadora, o retorno do público mediante essas ideias tem sido excelente. “Ensinar pelo brincar desenvolve e reforça memórias afetivas. A meta é dobrar nosso alcance de escolas em seis meses, e atender até 20 escolas por mês até o final do ano de 2020”, diz.
Mas não é só essa iniciativa que faz parte da vivência de Jaciana. Sábado, dia 17, ela irá participar de uma roda de conversa intitulada “Ser mulher preta no Brasil” na companhia de Cris Viana e Thaís Ferreira, no Centro de Teatro do Oprimido, na Lapa. O encontro vai abordar inúmeras temáticas relacionadas à representatividade. Seguindo essa ideia, a empreendedora conta que ser mulher preta traz vários desafios: “O primeiro de todos é conseguir o entendimento de que ser mulher preta já nos coloca muitos obstáculos tanto na vida pessoal quanto profissional. Obviamente estamos falando do racismo e do machismo que operam em todas as instâncias das nossas vidas. Conseguir manter a sanidade, uma agenda de autocuidado, conseguir sair dos lugares sociais que esperam que a gente esteja são hoje as metas da minha vida”.
Sobre os desafios que enfrenta diariamente, ela relata que quando diz que é empresária “as pessoas não conseguem disfarçar o espanto”. Segundo Jaciana, isso é bem curioso, porque é perceptível que, de uma forma geral, as pessoas esperam que ela diga qualquer outra coisa, desde que seja uma função operacional. “Pensar estratégias de crescimento, buscar investimentos e conseguir respeitabilidade sendo mulher negra e empresária é precisar dialogar basicamente com pessoas muito diferentes de mim e que, na maioria das vezes, precisam começar a entender o propósito da minha marca, e mesmo a forma diferente como eu preciso gerir meu negócio. O desafio maior é conseguir conectar universos completamente diferentes para conseguir fazer com excelência o meu trabalho”, frisa. A empresária que sente o preconceito velado todos os dias afirma que foi revoltante quando começou a se dar conta das situações racistas, porque parecia que sempre estaria limitada pela opinião e procedimento dos outros, necessitando sempre de adaptação. E, depois de muito tempo, foi entender que a mudança precisava vir das pessoas de fora, não dela. “Hoje, eu não deixo essas situações me abaterem. Sempre dou um jeito de fazer a pessoa pensar nos motivos que levaram ela a ter determinada atitude”, completa.
Para ela, uma roda de conversa como essa que irá participar tem extrema importância, porque as mulheres negras foram silenciadas por muito tempo pela sociedade. Além disso, ela afirma que espaços de escuta e fala como esse são fundamentais para que possam elaborar pensamentos sobre a existência e se fortalecerem, mesmo vendo que outras mulheres negras como elas têm o mesmo desafio diário e que, ainda assim, não desistem. Ela adianta sobre o que o público pode esperar em relação a roda de conversa: “Eu, Cris Vianna e Thaís Ferreira temos uma trajetória de vida muito diferente: uma empresária, uma atriz e uma mulher preta que se lançou em um movimento político em prol da manutenção saudável da infância. A troca será riquíssima tanto por conta das nossas individualidades, mas principalmente por conseguirmos juntas falar de experiências que, creio eu, sejam muito similares”.
Em relação a evolução da sociedade brasileira, Jaciana comenta que o país ainda precisa crescer muito, principalmente em educação. Para ela, o Brasil precisa de políticas educacionais afirmativas que promovam espaços de debate desse tema e que os brasileiros precisam de compromisso em todas as esferas, com uma educação de qualidade e que promova a diversidade como valor. Ainda divide que suas maiores inspirações são as mulheres com as quais dialoga diariamente e não desistem de realizar o que acreditam: sua mãe e avó. Cita também seu filho, Matias, de 8 anos, e diz que aprende demais com o olhar que ele tem do mundo. Apesar de o educar todos os dias, é ele que oferece uma nova forma de ver uma mesma situação. O maior sonho de Jaciana é poder de fato impactar positivamente a educação com seu trabalho. “Chegar nas escolas, dialogar com professores, compartilhar ferramentas de trabalho e conseguir transformar aos poucos o mundo em um lugar melhor para mim e para os outros que vieram depois de mim e para os que ainda virão”, conclui.
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