Chovia forte na Praia de Copacabana durante a tarde deste domingo (29), mas nem São Pedro conseguiu diminuir o ritmo e a empolgação do público que, de biquíni, capa de chuva, sunga ou sombrinha, aguardava ansioso pela entrada de Emicida no palco do Natura Musical. O rapper foi o terceiro artista a participar do evento e um dos maiores atrativos da programação, sendo recebido por aplausos ensurdecedores de uma legião de fãs que o aguardava, com os corpos colados na grade. E bastou ele começar as rimas de “Boa esperança”, primeira música de divulgação do seu mais recente disco, “Entre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa”, para a multidão pular junto.
Ao longo do show, Emicida provou novamente a força incrível de seu rap, assim como o havia feito durante sua recente apresentação no Circo Voador, com presença de palco, indo de um canto ao outro, animando até os VIPs como Fabiula Nascimento, Marco Pigossi e Luís Miranda, que, assim como a galera da areia, não se importaram com a tempestade. “O bom da chuva é que ela espanta os curiosos, e aí só fica quem está realmente interessado em ver o artista que admira”, brinca o rapper em seu camarim, minutos após o show, em entrevista exclusiva ao HT.
No palco, Emicida já havia confidenciado ao público: “Vocês são as melhores pessoas com quem eu poderia tomar um banho de chuva”, disse, recebendo como resposta um urro uníssono que afirmava a recíproca. Outro grande momento em que foi ovacionado ao longo do show foi ao abordar o fuzilamento de cinco jovens pela polícia na Zona Norte, durante a noite anterior. “Não desista, Rio de Janeiro! Não se acostume ao cotidiano violento!”, disse, oferecendo a música como uma homenagem às vítimas.
“Quando Adoniran Barbosa descreveu São Paulo, ele estava entregando para o futuro um relato que não estava nos livros. Era a diáspora africana. A arte tem esse papel de não deixar que a história desapareça. É como uma tradição passada de pai para filho, e a música é algo forte, que cria uma conexão com o ubuntu. Acredito que o meu som se conecte com as pessoas dessa forma”, explica, falando sobre a filosofia africana que valoriza o relacionamento e consciência de coletividade, na qual prevalece o pensamento de que se um semelhante é oprimido, todos também o são. Diga-se de passagem, um cuidado e respeito pelo próximo que falta bastante nos tempos atuais.
Mas Emicida tem sido assim desde o início de sua carreira: sem medo de colocar o dedo na ferida das mazelas sociais e do racismo, ao mesmo tempo em que sabe balancear suas músicas com temas românticos, religiosos ou festivos. Ele explica essa importância da troca de informações entre público e cantor: “Temos uma chance única na história de estabelecermos uma comunicação com direito a resposta, graças à internet. Isso não existia antes, e eu me sinto muito privilegiado de participar de uma geração tão alerta a isso”.
Claro, tal abordagem é constante em “Entre crianças…”, mas ele faz questão de frisar que esse não é o único propósito do álbum. “Sinto que as pessoas acham isso porque eu lancei primeiro ‘Boa esperança’ e foi algo muito impactante para o Brasil. Mas o disco fala de força, de beleza e de muitas outras coisas”, afirma. O LP, por sinal, passou por total reformulação após uma viagem do rapper à África. “Lá eu tive uma noção muito mais profunda de inteligência emocional, de uma estrutura que não é contemplada pela academia da mesma forma que um diploma. Aprendi a ouvir e receber os outros de coração aberto. Não posso me impor ou me colocar de frente para alguém, preciso ser uma porta aberta para qualquer diálogo”, explica.
Emicida também não deixa de comentar a importância do Natura Musical e seu papel como difusor da cultura nacional. “Sempre achei esse projeto bacana, porque ele contempla todo o país. Não podemos cair no risco de acreditar que a região Sudeste é o norte do Brasil e da nossa produção cultural. A indústria é preguiçosa nesse sentido, porque quer sempre dar mais do mesmo. E a arte é a ciência do compartilhamento. Precisamos fazer justiça a essa pluralidade do nosso país”, diz, citando a diversidade do line-up do dia.
A conversa vai chegando ao fim e, para concluir, perguntamos ao rapper o que ele acha do cenário atual do hip hop e de seu próprio impacto nessa cena (ele foi nomeado um dos 30 jovens mais influentes do Brasil, pela Forbes). “O engraçado é que o hip hop não nasceu como forma de protesto, mas sim como música de festa. Depois de décadas, quando percebeu o impacto que tinha, que ele passou por essa transformação. Hoje, do Oiapoque ao Chuí, todo mundo ouve o gênero. O meu papel como artista é dar continuidade a isso, explorá-lo de uma nova maneira”, comenta Emicida. E, pelo que foi visto durante o Natura Musical, ele está no caminho certo.
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