Letícia Birkheuer é do tipo que não tem medo. Desde muito nova se jogou no mundo atrás de seus sonhos – primeiro como jogadora de vôlei, depois como modelo, e, de 13 anos para cá, no universo da interpretação. E, por isso, ou apesar disso, ela não tem nenhum pudor em dizer que nunca se sentiu tão realizada e plena como nos dias de hoje. E isso dá para perceber em nosso papo leve e descontraído. A atriz, além de ser dona de uma beleza que atravessou as principais passarelas internacionais e estampou todas as revistas que importam mundo afora, tem um talento único, que permitiu que ela transitasse, depois de se descobrir atriz, por vários gêneros dramatúrgicos. Com muitos trabalhos no teatro, na TV e projetos no cinema, ela vive momento único na carreira. E foi sobre isso, e muito mais, que conversamos com Letícia durante o editorial exclusivo do site HT, fotografado no Rio Othon Palace por Pedro Garrido, inspirado na personagem Ana Flávia da peça Mercado Amoroso, que rodou o Brasil este ano. Os cliques tiveram a beleza assinada por Everson Rocha e styling de Alê Duprat.
Muita gente não sabe, mas antes de se tornar modelo e atriz, Letícia foi campeã de vôlei gaúcho. Ela praticava o esporte quando foi vista por um olheiro de moda nas quadras, que logo quis levá-la para as passarelas. “Ele me viu, falou comigo, com minha mãe e fez a ponte com a agência. Depois um fotógrafo fez uma foto minha e levou para São Paulo e aí todo mundo ficou perguntando quem eu era. Era um período que não existia tantas modelos e não era muito normal sair de casa para isso. Eu acabei indo para uma agência para ter a experiência e fiquei. Três meses depois, eu já estava no meu primeiro trabalho internacional”, relembra. Com 17 anos, ela conheceu o mundo todo na ponte-aérea Milão, Paris e Nova York. “Eu consegui chegar a um lugar que poucas mulheres conseguiram, sabe? Fui reconhecida como uma das 10 melhores modelos do mundo, mas demorei para ter esse espaço. Trabalhei muito”, conta Letícia, que desfilou para marcas como Chanel e Dior, só para citar duas.
A experiência de morar sozinha e ter que se virar desde cedo, ajudou no seu processo de amadurecimento e de como encarar situações diversas. “Eu dividia apartamento com meninas de todos os tipos, de outros países… A gente aprende muito vivendo longe dos pais e com outras culturas. É tudo muito enriquecedor”, diz. Mas Letícia sofreu uns perrengues com as pressões da moda e da ditadura da beleza que imperava no auge da sua careira nas passarelas. “Modelo tinha quer muito magra, né? Só que é uma magreza fora do comum para as pessoas normais. Se você não tivesse 90 cm de quadril, não ia conseguir fazer nenhum casting e nem visitar cliente. A gente fazia dia de medida na agência. Os funcionários passavam fita métrica no nosso quadril e, se não tivesse dentro do que eles consideravam ideal, você voltava para casa para emagrecer e só assim poder trabalhar”, conta.
Sempre desprendida desses estereótipos, a atriz não se considera vaidosa, e se sente satisfeita em não ter que lidar de forma tão intensa com isso. Porém, ressalta que o universo da televisão também não fica por fora quando o assunto é se encaixar em padrões. “A TV também nos exige, porque somos cobrados. Um dia uma pessoa me parou para fazer foto e perguntou: ‘Por que você está sem maquiagem?’. E eu estava na padaria! Até o próprio público nos cobra”, comenta.
Letícia estreou na TV na novela Belíssima de Silvio de Abreu, em 2005, mas, por mais difícil que seja de acreditar, ela nunca tinha cogitado ser atriz. Foi chamada para um teste enquanto estava modelando nas passarelas com 27 anos, e caiu de paraquedas na profissão. Hoje, ela não se enxerga mais sem viver disso. “No fim deu tudo certo, eu criei amor pela atuação, comecei a me dedicar muito, fazer cursos, inclusive internacionais, trabalhei com várias coachings. Me apaixonei mesmo. Era um mundo completamente desconhecido que eu estava amando mergulhar”, frisa.
Quando a novela acabou, ela teve que decidir se voltava ao mundo da moda ou continuava no Brasil como atriz. Bem, a gente já sabe que caminho ela trilhou. “Hoje eu estou muito feliz com minha escolha. Não me arrependo. Saí muito nova da carreira de modelo por opção. As pessoas da moda não acreditavam na minha decisão, no auge da minha carreira, sabe? Mas que bom que eu iniciei a de atriz, que hoje está completando 13 anos”, conta, satisfeita. Depois de Belíssima, ela ainda fez outros papéis nas telinhas, como em Desejo Proibido, Cama de Gato, Império, e o mais recente, Malhação: Seu Lugar no Mundo, em 2015.
No momento, ela vive algo desafiador nos palcos de teatro: dar vida a um homem no espetáculo dramático Senhora dos Afogados, e se desprende de todas as amarras estéticas possíveis. Com seu personagem, Paulo, ela ganhou o Troféu Nelson Rodrigues como Melhor Atriz, em setembro. “Foi um trabalho que eu notei que as pessoas ficaram chocadas. Foi uma surpresa até para mim. Eu aceitei o desafio, sem ter a certeza que ia dar certo e embarquei nessa história toda. A gente está fazendo tudo no amor, na garra e raça. Conquistar um prêmio tão bacana no teatro interpretando um papel masculino é muito significativo”. O processo de preparações foi intenso. A atriz quase desistiu desse personagem, por achar que não daria conta do recado. “Eu ligava à noite para o Jorge Farjalla (diretor da peça) falando para me tirar, estava muito insegura, mas ele ficava me dando força dizendo: ‘Você é o Paulo. Você não está se vendo. Não está sentada na cadeira do teatro, mas eu estou’. Eu confiei nele, mas foi bem complicado”, completa. Se transmutar em alguém de outro gênero não é uma tarefa fácil, mas está sendo algo importante e transformador para a atriz. “Sair desse corpo de mulher e me tornar um homem por inteiro, me desconstruir, na voz, no corpo, na maneira de segurar a mão das pessoas, são vários detalhes. É como encarnar uma outra pessoa em mim”, afirma.
Letícia também roda o Brasil com a peça Mercado Amoroso, que foi a maior inspiração para o nosso editoral. Sua personagem, Ana Flávia, é uma mulher independente, moderna e antenada, que cria um aplicativo e chama suas amigas para conversar sobre relacionamentos e desilusões amorosas. Será que Letícia já usou esses métodos? “Para fazer o laboratório, eu comecei a utilizar. Até cheguei a conhecer uma pessoa, mas não foi para frente. Eu acho ótimo que você tenha essa possibilidade. Várias amigas que usam o aplicativo até começaram a namorar”, conta.
Solteira, Letícia diz que está com a vida muito corrida, mas não descarta conhecer novas pessoas. “Vou pedir um amor em 2019. Ano passado, eu pedi trabalho e trabalhei muito o ano inteiro. Minha vida sentimental está muito parada!”, revela, aos risos. Com a maturidade de uma mulher de 40 anos, ela afirma que não tem vontade de se envolver só para não ficar sozinha. “Eu acho que a gente vai ficando mais exigente com a idade. Não nos apaixonamos tão fácil. Não estamos mais em fase de experimentação. Com 20 e poucos anos, você não está nem aí. Agora, para eu levar alguém a público, segurar na mão, apresentar para família, tem que ser algo sério”, enfatiza.
Com as questões do empoderamento feminino no mundo moderno, a atriz afirma que os avanços são perceptíveis em relação à confiança e ao amor próprio da mulher. Ela compara os tempos que era apenas uma adolescente em Passo Fundo, sua terra natal, com os dias de hoje: “Quando eu morava no interior, era gravíssimo beijar na boca cedo. Meu primeiro beijo foi aos 15 anos escondida. Minha mãe descobriu e queria saber tudo, se era sério ou não. Existia uma pressão como mulher que vinha das próprias mães, e não dava para julgar, porque elas foram criadas assim”. Para ela, a liberdade dessa mulher contemporânea também se reflete na hora da conquista. “A gente tem muito mais oportunidades de poder se relacionar livremente, de fazer escolhas e não ser um problema. Falar para um cara que você gosta dele, e não esperar que ele tome a atitude. Que bom que o mundo está se abrindo para a igualdade de gênero e que as pessoas possam fazer suas escolhas, serem felizes e serem aceitas dessa maneira. Meu filho, nesse aspecto vai viver um mundo muito melhor do que eu vivi”, frisa.
Apesar dos avanços, Letícia acredita que ser mulher ainda é uma batalha, algo que a deixa vulnerável, principalmente nesse meio artístico, em que o assédio, infelizmente, é comum. Entretanto, a atriz tenta não abaixar a cabeça diante dessas situações e seguir sendo essa mulher livre e forte que ela é. “Todas as mulheres sofrem, eu sempre tentei me defender. Nunca deixei que o homem conseguisse me manipular. Aprendi a me virar em todas as situações possíveis, talvez por ter saído de casa muito cedo. Bom, se estão contratando e falam: ‘Eu tenho cinco pessoas para escolher’, insinuando que vão escolher alguém se ela se envolver com ele, vou falar: “Paciência, vai com Deus!”. Todas as mulheres já foram assediadas de alguma maneira. Se uma mulher consegue se impor diante de uma situação dessas e sai ilesa é até uma conquista. A gente se sente vitoriosa depois, mas infelizmente nem todas conseguem”, conta.
Letícia é mãe de João Guilherme, de 7 anos, e não deixa de desabafar suas preocupações e os desafios da maternidade nessa sociedade machista e excludente. “Eu o ensino a respeitar o próximo, seja mulher, ou qualquer pessoa. Temos esse comportamento em casa, então ele já têm essa visão. João é uma criança super amável com todos. Fico muito feliz com isso”, conta. Outra grande preocupação dela é a violência no Rio de Janeiro. Apesar de sempre tentar não ficar refém desses medos, levando essa tranquilidade ao João, é algo que a aflige bastante. “Hoje, a gente não pode deixar os filhos brincarem na rua. Tem tiroteio, sequestro, as crianças estão mais trancadas. Para sair disso, eu faço muito esporte e proponho isso a ele para gente estar fora de casa também. Depois, eu sei que vão existir outras preocupações. Eu fico pensando em quando ele virar adolescente, vou ter que me preparar para ele sair à noite, chegar de madrugada. Mas os filhos precisam ter a liberdade de andar na rua, andar de bicicleta, viver”, expõe.
Com a peça Senhora dos Afogados, que estreia no Rio nesta sexta-feira (dia 5) no Teatro XP Investimentos, o longa-metragem Coração de Leão, previsto para ano que vem, Letícia tem um projeto que ainda não saiu do forno. Ela está escrevendo um roteiro para o cinema junto com dois profissionais do ramo e o seu grande sonho no momento é poder começar a rodar o filme. A atriz se sente feliz e satisfeita com tudo que colheu na sua trajetória, que passou por tantos meios. “Eu me sinto bem realizada. Sabe aquela sensação de dever cumprido? Claro que ainda tenho muitos sonhos no trabalho e na vida, mas não nas questões de ser mãe e se estabelecer financeiramente…Hoje eu estou em paz comigo mesma. O que vier vai ser muito legal, mas não tem ansiedade. É outra sensação. Não tenho preocupações com meu corpo excessivas, só com minha saúde, meu filho e as pessoas que me cercam”, conclui a atriz.
Equipe:
Fotógrafo: Pedro Garrido
Beleza: Everson Rocha
Styling: Alê Duprat
Assistente de beleza: Yago Maia
Assistente de fotografia: Bruno Seta
Agradecimentos:
Hoteis Othon
Rio Othon Palace
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