Regina Casé esteve no Cinépolis Lagoon na noite de ontem, terça-feira, 25, para a pré-estreia nacional de “Que horas ela volta?”, filme no qual vive a empregada doméstica Val, que sai do Nordeste para São Paulo com a intenção de trabalhar para proporcionar uma vida melhor à família. O filme tem roteiro e direção de Anna Muylaert e conta a história da pernambucana que passa a viver na capital paulista para ser babá de Fabinho, interpretado na adolescência por Michel Joelsas.
Morando com os patrões Bárbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli), a babá se vê em um conflito quando sua filha Jéssica (Camila Mardila), a quem deixou pequena em Pernambuco, decide prestar vestibular em São Paulo e se muda para viver com a mãe. Regina Casé declarou que a inspiração para viver Val veio de diversas brasileiras que lutam todos os dias no país. “Todo mundo me pergunta se eu me inspirei em uma pessoa para fazer a Val e eu digo que, no mínimo, eu me inspirei em um milhão de pessoas. Mas que eu tenha conhecido bem pelo menos umas 200”, brincou.
Regina, que é apresentadora de televisão e já fez programas como “Minha Periferia”, “Central da Periferia”, “Brasil Legal” e está no ar no “Esquenta”, onde tem contato com pessoas de todas as classes sociais, contou que as vivências à frente desses projetos a ajudaram a compor sua personagem. “Eu acho que eu passei a minha vida conhecendo e conversando com ‘Vals’ e fui guardando os gestos, a postura, a fala e o sotaque. Foram anos que eu pasei viajando pelo Nordeste, onde a personagem Val nasceu. E no ‘Esquenta’ tive ainda mais contato com o forró e o samba, que são ritmos que a Val dança, no baile onde ela se diverte. Eu não conheço a Val só como a empregada servindo na sala, eu a conheço de todos os pontos de vista: da onde ela veio, onde ela foi morar, onde ela se diverte. Eu acho que isso que deu a riqueza da personagem. Quando li o roteiro, eu fiquei feliz de poder dar vida a tantas mulheres que conheci durante 30 anos pelo Brasil afora”, analisou.
Regina falou também sobre a questão patrão-empregada, que norteia a discussão principal do filme, já que sua Val mora com os patrões e tem uma relação ótima com eles. “No filme, todo espectador vai se ver um pouco em cada personagem. Por exemplo, a minha relação como empregada começa cuidando do Fabinho, que é o menino que eu crio na história. Eu também fui filha de pais que trabalhavam e viajavam o tempo todo e praticamente morava no quarto de empregada. Então, a minha primeira relação com uma Val foi do ponto de vista do Fabinho”, explicou, afirmando que, ao longo da vida, pôde enxergar essa relação tão presente no cotidiano de vários ângulos e que o mais especial deles é a história de sua própria família, já que o seu avô era nordestino, chegou ao Rio de Janeiro sem dinheiro e conseguiu ter um programa próprio de rádio. “Ele é um caso raro de mobilidade social e, por pouco, não virou um porteiro ou zelador. Se ele tivesse sido, talvez a Val fosse a minha avó, a minha mãe tivesse sido babá e eu também fosse. A minha família toda veio de Pernambuco igualzinho a da Val, então também conheci de dentro uma família que poderia ser a da personagem”, contou.
A atriz mencionou que as semelhanças com sua personagem vão além. Ela, que tem quatro empregados em casa, revelou que quando foi mãe pela primeira vez, a babá de Benedita, Ana, tomava conta da filha dela e tinha um filho da mesma idade no Maranhão. “Isso me dava uma aflição enorme. Ela cuidava tão bem da minha filha. Em um ano nós conseguimos trazer o filho da Ana para o Rio e eu sou muito feliz de dizer que o Carlos Henrique estudou e viajou muito”, contou. O rapaz é cineasta e trabalha na produtora Pindorama Filmes, de Estevão Ciavatta, marido de Regina. “Não podemos esperar a sociedade mudar, nós temos que dar nosso jeito de consertar o que está perto e eu tenho essa experiência muito próxima, bonita e forte. É muito legal, porque é uma história como a do filme. Eu vejo a história do Carlos Henrique e tenho vontade de fazer o segundo filme para saber o futuro da Jéssica, filha de Val”, declarou.
Regina Casé levanta também a bandeira dos direitos trabalhistas, mas vai além. “Os direitos trabalhistas já estão começando a mudar, mas o que precisa realmente acontecer é que uma babá ou cozinheira trabalhe nisso porque escolheu essa profissão, não por que não tem nenhuma outra opção no mercado por falta de estudo”. A atriz e apresentadora acredita que a profissão não deve acabar no mundo, pelo contrário, deve haver salário digno e especialização. “Acho até que uma babá pode estudar pedagogia ou enfermagem e trabalhar nisso, porque a babá é quase uma pré-escola para uma criança”, opinou.
Ela contou que o longa foi essencial para que voltasse a atuar. “O filme foi o empurrão que faltava para eu tomar vergonha na cara e equilibrar melhor meu lado documentarista, criadora e apresentadora com o lado atriz. Eu acho uma maldade comigo mesma me privar de ser atriz, porque eu gosto tanto e faço direitinho. Não é só com o público ou para ganhar prêmio”. Falando em prêmio, perguntada sobre a recente especulação de que “Que horas ela volta?” concorreria ao Oscar, Regina se declarou muito feliz, mas apavorada. “Estou apavorada com o Oscar, mas não aconteceu nada ainda. É só uma vontade”. Por enquanto, Regina.
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