Dubladora e influencer, Lhays Macedo fala da polêmica dublagem e IA e revela como a trombofilia afetou 4 gravidezes


A polêmica sobre o uso de Inteligência Artificial intensificou-se após a Globoplay usar IA para dublar personagens franceses no documentário “Rio-Paris – A tragédia do voo 447”. Em meio a debates sobre o uso de IA para reduzir custos e acelerar processos, Lhays Macedo, a voz por trás de vários projetos importantes como as séries “Two And a half Man” e “Supernatural”, ou até mesmo o desenho “Pokémon”, com centenas de seguidores nas redes, ressalta que a IA na dublagem “não conecta as pessoas. A nível artístico, não existe concorrência válida”, critica ainda profissionais que chegam ao mercado sem preparação profunda. Na vida particular, ela está grávida de uma menina depois de quatro gravidezes interrompidas, pois perdeu, por meios naturais, quatro filhos. Ela descobriu que convivia com uma doença silenciosa, a trombofilia

*Por Vítor Antunes

Para ser dublador é necessário ser ator. É uma condição base para se trabalhar no ofício. Atualmente tem havido grandes debates sobre o uso deliberado da Inteligência Artificial não só para baratear os custos, mas para acelerar o processo, o que é algo que tem gerado grandes discussões. Além disso, causou uma grande grita entre os profissionais o fato de a Globoplay haver escolhido por uma inteligência artificial para dublar a voz de personagens franceses no documentário “Rio-Paris – A tragédia do voo 447“. Segundo a dubladora e influencer Lhays Macedo, esse é um movimento preocupante. “Ali foi feito um V.O. (voice over, uma locução por cima de uma voz) e dubladores também fazem V.O. Com o uso da inteligência artificial, dubladores, mixadores, técnicos deixaram de ser empregados e produtoras de estúdios deixaram de fazer esse serviço, que foi feito por uma mente robótica. Os trabalhos saíram das nossas mãos. Creio ser uma preocupação válida, porque vivemos disso, mas acho que nesse documentário usaram dessa forma mecânica e o robô não se propõe a entregar um trabalho de interpretação, e o que vemos é questionável. É uma máquina fazendo. Os fãs não acharam legal e repercutiu mal, mas podemos opinar pouco [por ser uma questão operacional]. É triste. Podemos falar, nos opor, e internamente é difícil lidar contra isso.

A voz por trás de vários projetos importantes como as séries “Two And a half Man” e “Supernatural”, ou até mesmo o desenho “Pokémon“, Lhays está grávida de uma menina depois de quatro gravidezes interrompidas, pois perdeu, por meios naturais, quatro filhos. Ela descobriu, após um tempo, de que convivia com uma doença silenciosa, a trombofilia.

A dubladora aponta outra questão que precisa ser melhor discutida: “Outras praças estão abrindo estúdios sem capacitação de bons profissionais para acompanhar estúdios do Rio e São Paulo, e é difícil comparar com os que já estão no mercado. O pior de tudo são praças internacionais que pegam produtos e dublam em português. Trata-se de algo impossível de assistir, como dublagens feitas em Miami, por exemplo. Pela nossa legislação e acordos coletivos, isso não é bem visto”.

Os dubladores têm voz, mas não tinham rosto – Lhays Macedo

No que tange à inteligência artificial, ela diz que “grandes corporações sempre buscam novas ferramentas para acelerar o processo, mas isso não pode ser feito às custas de um profissional que não autorizou que sua voz seja usada. Nossa crítica, enquanto profissionais, está aí. Avançamos nos contratos com distribuidores e não autorizamos nem para outras produções que usem nossa voz em bancos de voz. Isso envolve a proteção dos nossos dados, que são as nossas vozes”.

Lhays Macedo é atriz, dubladora e influencer (Foto: Divulgação)

O LUTO MATERNO E NOVOS HORIZONTES

Tema sempre difícil, o luto materno costuma ser evitado em se abordar, justamente por conta da profundidade do sentimento. Lhays teve quatro gravidezes interrompidas depois de saber que convivia com uma doença silenciosa, a trombofilia. Trata-se do aumento do risco de formação de coágulos de sangue, consequente aumento do risco de trombose e obstrução de vasos sanguíneos, que costuma dificultar a gravidez. Atualmente grávida, diagnosticada e sob cuidados médicos, ela fala abertamente sobre o tema. “Quero incentivar novas mães a descobrir a melhor forma de lidar com isso, inclusive com a trombofilia. Vivi um processo difícil, doloroso, mas as mães que passam por isso precisam ser amparadas por outras. Tenho percebido acolhimento e gratidão de mães que viveram o luto sozinhas. Quero sempre falar desse assunto. Foram quatro perdas antes dessa, e senti abafada e velada. Medicinalmente, achei equivocada a abordagem, médica, que [me puniu] por ter sabido estar grávida cedo demais. Parece ter havido uma insensibilidade na forma de lidar com o luto”.

Ela prossegue dizendo que ao perder o primeiro filho, falecido ainda nas primeiras semanas da gestação. “Foi um luto muito do coração, ainda por ser aquele bebê que não se vê muito. A partir da segunda gravidez, que foi mais longa, eu estava com seis semanas, estava evoluindo bem e me senti mais preocupada, inclusive com médicos. Depois, perdi de novo. Só no terceiro vi que tinha trombofilia e que minha mãe e eu tínhamos. Minha mãe perdeu bebês sem saber, achando tratar-se de gravidez psicológica e diagnosticada incorretamente”.

Lhays conta que a gestação seguinte, seria tida como tranquila em face do diagnóstico da trombofilia, mas isso não aconteceu. “Foi uma gravidez tubária. Senti muitas dores, achei que fosse de ovulação. Quando descobri, estava com hemorragia interna generalizada e de urgência retirei a trompa, e ela estava com endometriose. Fiquei com apenas uma trompa, que também estava comprometida. Nenhum médico acreditou que eu pudesse engravidar, e nenhum me incentivava a tentar naturalmente. Mas eu e meu marido, tínhamos certeza que ficaríamos grávidos, e três meses depois voltamos a tentar e engravidamos de forma natural. Foi algo inexplicável. Inclusive, todo médico que vê minha trompa diz que foi FIV (Fertilização in Vitro), e não foi. Até meu marido, que é médico, duvida”, disse sobre Yago Fernandes. Hoje, Lhays está gravida com 17 semanas – no quinto mês – e caminhando bem. E em breve estará vindo por aí a Maria Bela. E, naturalmente, esse conteúdo vai estar presente no YouTube. “Vai ser inevitável não falar de bebê e conteúdo novo e legal, muito diário de gravidez, e a cada trimestre vou lançar diário de obra de reforma de muita coisa”.

Lhays Macedo e Yago Fernandes. Ambos estão “grávidos” de Maria Bela (Foto: Divulgação)

DUBLAGEM

A dublagem hoje é a responsável por direcionar os esforços profissionais de Lhays. Ela conta estar “fazendo uma novela nova, que é mexicana, e eu a dublo desde o começo do ano. Também tem a finalização de “Chicago Fire“, que já dublo há muito tempo e está nos últimos episódios. Para a artista, vivemos hoje um paradoxo no que diz respeito às dublagens. Ao mesmo tempo em que há melhores equipamentos, há uma avidez no lançamento de novos profissionais e uma diminuição na qualidade do que é produzido. “Hoje temos equipamentos melhores, mas muitas empresas fazem dublagens e isso caiu a qualidade em comparação com antigamente. Ainda que ache bom existirem mais empresas de dublagens e mais produções para serem dubladas, há novos profissionais que estão chegando e cujo trabalho acompanham a velocidade e a qualidade esperada. Acho que antigamente o processo era mais lento – ainda que eu não tenha feito parte da fase de ouro da dublagem -, mas o processo mais lento possibilita a produção de profissionais a longo prazo. Hoje há uma necessidade de renovação de vozes, e há quem seja preparado às pressas”.

Olhando panoramicamente, acho difícil que, a curto e médio prazo, a inteligência artificial produza algo humano. Já vi exemplos, mas não é humano e isso não conecta as pessoas. A nível artístico, não existe concorrência válida – Lhays Macedo

Envolvida com a dublagem, Lhays não pensa em dedicar-se ao trabalho como atriz. “Nos trabalhos como atriz, eu participava mais do audiovisual antes de me consolidar na dublagem, tanto no teatro como nas participações. Depois que a dublagem tomou meu tempo, virou minha prioridade, e é uma escolha que gosto, prefiro e funciona na minha rotina. Mas, se surgirem oportunidades, embarco. Meu projeto é lançar um financiamento coletivo para fazer um musical chamado “Sons de Ferrugem e Ecos de Borboleta“. Tenho o projeto de ser teatro e depois virar longa-metragem com drama teen, que é bom de assistir e são músicas autorais feitas pela autora do livro. O pessoal pode ouvir no Spotify e que empresas possam se interessar pelo projeto”.

Por conhecer de perto as obras teledramatúrgicas, a dubladora estabelece diferenças entre as novelas turcas, brasileiras e mexicanas. “Cada país tem seus ritmos. A dramaturgia é peculiar de cada cultura. Nas sitcoms, é muito acelerado, as séries americanas têm velocidade, cortes ativos, e no extremo oposto, tem os doramas que são mais lentos, têm um tempo para a cena, trilhas, e uma câmera lenta. As turcas e mexicanas têm muitas viradas. A história tem muitas transformações”.

Lhays Macedo pretende montar um espetáculo teatral e transformá-lo em longa-metragem (Foto: Divulgação)