Divina Valéria, precursora do movimento LGBTQIA+, desabafa sobre pedir ajuda em vaquinha virtual para operação


Musa de Di Cavalcanti, integrante do premiado filme ‘Divinas Divas´, dirigido por Leandra Leal, ela continua contando com os amigos e fãs em uma vaquinha virtual para conseguir fazer uma operação. “Estou passando por esse momento nada fácil de saúde”, desabafa, em entrevista. Nesse meio tempo, Divina Valéria, atriz e cantora premiada, testou positivo para Covid. “Soube por acaso. Eu ia participar do The Voice+. Vieram aqui em casa fazer o teste, deu positivo e aí fui cortada do programa”, lamenta

Divina Valéria precisa se submeter a uma cirurgia na próstata (Foto: Arquivo Pessoal)

Divina Valéria precisa se submeter a uma cirurgia no trato urinário (Foto: Arquivo Pessoal)

* Por Carlos Lima Costa

Uma das pioneiras do movimento LGBTQIA+ no Brasil, musa retratada por Di Cavalcanti (1897-1976), que brilhou em variados espetáculos pela Europa nas décadas de 70 e 80, a atriz e cantora Divina Valéria continua contando com a ajuda de amigos e fãs para colaborarem com uma vaquinha virtual. Depois de testar positivo para Covid, ela precisou ficar reclusa em casa e já tinha o diagnóstico de um sério problema no trato urinário. Vinha sentindo fortes dores, usando uma sonda e necessita se submeter a uma operação avaliada em R$ 12 mil. “Estou passando por esse momento nada fácil de saúde. O problema começou há uns seis, sete meses. Eu vinha tomando remédio e controlando. Quando comecei a me sentir melhor, parei o remédio, mas tive uma nova crise”, comenta.

Vacinada com três doses contra a covid, ela se manteve assintomática. “Soube por acaso que testei positivo para Covid. Eu ia participar do The Voice+. Vieram aqui em casa fazer o teste e aí fui cortada do programa”, lamenta ela, que se emocionou com amigos e fãs que se prontificaram a ajudá-la via PIX 105.755.258-51 Valter Fernandez Gonzalez ou pela conta corrente do Banco Santander (Agência 3458, conta 01057133-4), em relação ao problema inicial. E, através do Instagram, mantém todos atualizados com o que vem enfrentando e agradece a “corrente de orações e pensamentos positivos”. Na mais recente postagem, no último dia 20, ela estava na triagem da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. “São mais de 60 anos dando alegrias, então, pedi ajuda aos amigos, porque é uma cirurgia cara. Na próxima segunda-feira, vou a um médico fazer exame”, conta ela.

Ao testar positivo para a covid-19, Divina teve participação cancelada no The Voice+ (Foto: Arquivo Pessoal)

Ao testar positivo para a covid-19, Divina teve participação cancelada no The Voice+ (Foto: Arquivo Pessoal)

Divina vinha se tratando pelo SUS, mas no meio da turbulência uma boa notícia. “Tem um médico que é um grande amigo que propôs me ajudar e cuidar de mim. Nada mais importante na vida do que os amigos”, vibra ela.

Como qualquer artista, nesse cenário de pandemia que afetou o mundo, ela também encontrou dificuldade para trabalhar. “Fui sobrevivendo com uma pensão mínima que eu tenho, alguma reserva e fiz alguns trabalhos pela internet. Assim, vou vivendo. Sempre aparece algo para fazer”, conta ela, que este ano vai filmar Cavalo Marinho, do cineasta Leo Tabosa, com quem trabalhou no longa-metragem Marie, que rendeu a ela Prêmio Especial do Júri, no Festival de Gramado, em 2019.

Divina Valéria surgiu no cenário artístico, em 1964, no espetáculo Les Girls, ao lado de nomes como Rogéria (1943-2017). Mas ressalta que apesar da ditadura militar instaurada no Brasil na época, elas não foram tão afetadas. “O problema é que não podia aparecer na TV, ser capa de revista. Nem de mulher podia se vestir depois do show. Tinha que mudar a roupa, mas os teatros lotavam. E vivi como queria, do jeito que queria”, recorda.

“Sempre pisei em cima do preconceito. Soube me impor, tive dignidade”, ressalta Divina Valéria, que nos anos 70 brilhou na Europa (Foto: Arquivo Pessoal)

“Sempre pisei em cima do preconceito. Soube me impor, tive dignidade”, ressalta Divina Valéria, que nos anos 70 brilhou na Europa (Foto: Arquivo Pessoal)

No início dos anos 70, foi para Paris, onde ficou radicada, e se apresentou por toda a Europa. “Lá não existia preconceito”, assegura. Mesmo no Brasil, Divina garante que preconceitos não a afetaram, principalmente por sua personalidade. “Sempre pisei em cima do preconceito. Soube me impor, tive dignidade”, frisa.

Na capital francesa, conheceu Di Cavalcanti e acabou sendo retratada por ele. “Foi um grande momento, nos tornamos amigos, nos reencontramos e ele me convidou para me retratar. Posei no ateliê dele no bairro do Catete. Mas nem gosto de falar disso, porque não fiquei com o quadro. Uma vez, em uma revista, vi esta tela em uma foto da casa do Marcelo de Carvalho e da Luciana Gimenez. Como se separaram, não sei com quem ficou o quadro”, observa. 

“Tem um médico que é um grande amigo que propôs me ajudar e cuidar de mim. Nada mais importante na vida do que os amigos”, vibra a artista (Foto: Arquivo Pessoal)

“Tem um médico que é um grande amigo que propôs me ajudar e cuidar de mim. Nada mais importante na vida do que os amigos”, vibra a artista (Foto: Arquivo Pessoal)

Mas frisa: “Deus me deu uma vida maravilhosa.” A trajetória foi contada, inclusive, na biografia Divina Valéria, escrita por Alberto Camarero e Alberto de Oliveira, conhecidos como Os Albertos, lançada em 2021, pela Editora Desacato. “Conta toda minha vida. Tem fotografias maravilhosas”, diz. A obra aborda também a vida afetiva. “Vivi muitos amores, mas poucos marcaram. Imagina, viajando pelo mundo nos anos 70, 80, tão maravilhosos. Vivi o que há de melhor, tive muita sorte, não sou frustrada, me deram brilhantes, pele”, ressalta. Divina foi lembrada também no documentário Divinas Divas, lançado em 2017, que marcou a estreia de Leandra Leal como diretora. Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujika de Holliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios formaram, na década de 1970, o grupo que testemunhou o auge de uma Cinelândia repleta de cinemas e teatros. O documentário acompanha o reencontro das artistas para a montagem de um espetáculo, trazendo para a cena as histórias e memórias de uma geração que revolucionou o comportamento sexual e desafiou a moral de uma época.

Divinas Divas ganhou o Prêmio Felix de Melhor documentário, o Prêmio do Público da Mostra Global do Festival South by Southwest, no Texas, Melhor Filme e Melhor Direção no 11º Fest Aruanda, em João Pessoa. “Consegui entregar o filme que eu poderia fazer. Talvez pudesse ser melhor, mas atingi o meu limite”, acredita Leandra Leal. Fora os títulos, o longa marcou presença no Festival Internacional de Documentários do Canadá, Mostra de Cinema de Tiradentes, da 40ª Mostra Internacional de Cinema e do Festival Mix Brasil, em São Paulo.