Se por um lado o cenário atual é de crise na economia – com a turma do business (e até os consumidores mais primários) reduzindo o consumo -, por outro as ideias para driblar esse momento de recessão vão indo mais à baila. Essa é uma das premissas da 25ª edição do Salão Internacional do Couro e Calçado (SICC), em Gramado (RS). O contraponto das gélidas temperaturas que vão de 5 a 11°C na cidade turística são as quentes movimentações financeiras constatadas durante a semana no salão – com 114 expositores mostrando o que há de melhor– e em primeira mão, bom citar. Quem deu o pontapé nas atividades do SICC, durante um talk show informal batizado de Papo Legal, foi o estilista Alexandre Herchcovitch. E, sem mais delongas, o paulista de 44 anos tratou de deixar claro que não gosta desse cenário de pessimismo. “Tudo bem, estamos passando por esse momento, mas acho que agora é hora de novas ideias. E quando eu falo de novas ideias, não é um sapato novo, um salto diferente. São novas ideias de negócio. Vamos abrir as empresas para parcerias, para se juntar com outras empresas, que aparentemente possam ser concorrentes da sua, mas que juntos possam fazer um novo produto. É um momento de nós todos sermos criativos para novos negócios. Muito mais do que para novos produtos, novos negócios”, deu a dica para representantes comerciais do setor calçadista e coureiro.
Business à parte, Alexandre, of course, deu uma aula fashion. E, questionado por HT, não titubeou ao falar da tendência agender da moda – onde o guarda-roupa deixa de ser gerido por um entendimento de gêneros. “Essa questão de ausência de gênero é um modismo. É algo que está sendo falado agora, mas é um assunto que não é a primeira vez que é abordado na moda. É uma tendência que vai passar. É muito mais simples hoje uma mulher comprar uma roupa masculina, porque é uma roupa maior; do que um homem comprar uma roupa feminina – eu acho que por questões físicas, o formato do corpo do homem e da mulher serem muito diferentes”, analisou, já caindo em nosso tête à tête novamente, quando quisemos saber sobre a democratização da moda. Até porque, no desfile de sua última coleção para uma fast fashion, a catwalk não foi necessariamente dominada por um séquito de modelos magras e longilíneas – além do preço das etiquetas ser mais baixo: um vestido de noiva saiu por menos de R$ 700. “A democratização da moda, que é algo muito falado hoje, já estava na minha cabeça há duas décadas porque eu sempre pensei que todo mundo deveria consumir um produto assinado por um designer e nem por isso esse produto deveria ser caro, inacessível. Então o meu trabalho foi de dar acesso do meu produto a mais pessoas”, disse.
E emendou: “O estilista é muito cobrado sobre o biotipo da modelo que é colocada na passarela. E nunca é discutido profundamente porque que os estilistas colocam na passarela modelos tamanho 36 e 38. Existe uma questão de logística e de produção. Quando você tem uma coleção pronta, você tem ela só em um tamanho. E normalmente as marcas fazem o tamanho 38. Não tem a grade inteira à disposição para se fazer o desfile. E por isso hoje o padrão, para uma modelo de passarela, é o tamanho 38. Para cada profissão tem uma exigência. Eu sou estilista, mas não preciso ser o tamanho 38. A minha profissão não exige isso de mim. Agora, para a profissão de modelo, uma das exigências, é que ela tenha esse padrão. Essa discussão é um pouco chata, porque sempre sou cobrado disso. Na coleção para a fast fashion, quando eu comecei a desenvolver, falei que gostaria que tivesse o tamanho feminino até o 50, porque eu queria que todo mundo pudesse consumir essa coleção que eu estava fazendo. E a gente estendeu isso até o desfile. Então, quando eu escolhi a modelo, não me interessava o tamanho que ela era, eu queria uma modelo interessante. A última coisa que eu ia ver era se ela era tamanho, 38, 40, 42. Então eu pude aplicar, uma vez na minha vida pelo menos, porque a loja já estava com uma coleção inteira de todos os tamanhos”.
Ainda no balaio de temas polêmicos, Alexandre não deixou claro o porquê de ter saído de sua marca homônima, que fundou há 23 anos – hoje pertencente a InBrands. Depois de celebrar, em 2014, o aniversário de 20 anos de sua carreira e de lançar o livro “1:1” – que conta sua trajetória de duas décadas na moda, o estilista comunicou seu desligamento da marca, após passar todos esses anos à frente dela. “É bem recente minha saída. Estou trabalhando na À La Garçonne, que é uma marca bem pequena e que fala muito de sustentabilidade, que é um assunto bem pertinente e que a gente não pode esquecer. E também estou fazendo vários outros projetos menores, como consultoria para marcas e tudo mais. Hoje também tenho um programa na TV, na Fox Life, que está consumindo um pouco do meu tempo, que é o ‘Corre e Costura’. Acabou a primeira temporada agora e a gente vai começar a gravar a segunda. Mas, na verdade, eu continuo fazendo aquilo que eu sempre gostei que é trabalhar direto com público, fazer produtos acessíveis, pensar um pouco nessa cadeia produtiva”, contou. A seguir, mais Herchcovitch para você.
Inspiração
“Quando eu começo a desenhar uma coleção, o primeiro desenho que eu faço é do sapato – muito antes de fazer o desenho das roupas. Isso deixa ele (o calçado) como a cereja do bolo. O calçado e os outros acessórios têm um papel fundamental no desenvolvimento de uma coleção e também no desempenho de vendas de uma loja”.
Tendências
“O problema é que a gente não tem bola de cristal, é muito difícil. A única coisa que podemos entender é que o que está sendo consumido no momento por muitas pessoas é o que vai vender no momento. Sem tirar o olho lá do futuro e sem perceber novas mudanças e novas tendências que podem aparecer em qualquer setor. É muito difícil prever, no Brasil ainda mais, porque você tem que fazer uma coleção que tenha a bota para atender o frio, mas tem a sandália para atender o calor. Porque a gente tem inverno em uma porcentagem muito pequena de cidades e estados do Brasil, e o resto todo é clima de verão quase o ano inteiro, mas você tem que atender a todo mundo”.
E-commerce X Lojas físicas
“Eu acho que as duas maneiras de consumo vão coexistir. Não acredito que a compra pela internet vá substituir a experiência que você tem dentro de uma loja. Há algumas facilidades de você comprar online, mas tem uma parte do processo de compra que você perde. Tem muitas pessoas que não compram pela internet, tem outras que só compram pela internet. A gente caminha para o consumo misto: não vai ficar nem só na loja física e nem só no computador”.
Mercado
“Hoje você não tem uma tendência específica para a moda, tem que procurar quem vai consumir o seu produto. Até porque tem consumidor para qualquer tipo de produto no mundo. É só você saber para quem está fazendo. É muito difícil apontar uma tendência. A gente teria que apontar umas 20 ou 30 porque não existe uma coisa só – ou duas, ou três – que vão acontecer. Nesse momento que as tendências não duram só uma coleção – elas duram alguns anos – é muito bom quando a gente fala do conforto na moda. É tudo tão apertado, as mangas são tão pequenininhas, os saltos são tão grandes. Quando você tem uma época onde está se falando de roupas confortáveis, largas, esportivas, é uma hora que se pode aproveitar e ter uma coleção confortável. Ou seja: a pessoa vai colocar um sapato no pé, vai sair andando e vai falar: ‘Ah, não tô sentindo nada’. Isso é um bom gancho para a venda, quanto para a roupa, quanto para o calçado”.
Redes socais
“Hoje você pode ler a opinião de várias pessoas sobre um produto. Antigamente você tinha a opinião de uma jornalista de moda, que escrevia em um jornal. Depois os jornais começaram a ter site e ,com uma periodicidade maior, você lia o que as jornalistas de moda falavam sobre os produtos. Mas hoje você pode ter a opinião de qualquer pessoa. Ela não precisa ser uma jornalista de moda, nem uma grande entendedora de produtos, mas ela é uma consumidora que passa sua experiência para outras pessoas”.
Acesso à informação
“Estamos realmente passando por um momento de mudanças, mas só porque o consumidor tem mais acesso à informação. Há um tempo atrás, quando não se tinha um acesso fácil, era mais complicado, você tomava uma decisão muito mais rápida sem pensar muito. Hoje as pessoas querem saber de onde vieram os produtos, quem fabricou, se teve trabalho escravo, se a empresa é sustentável, se ela polui os rios, se ela devolve água contaminada para a natureza. Então são assuntos que não dão mais para fechar os olhos. Agora chegou a vez do consumidor exigir essas questões. É tudo ainda muito embrionário dentro das casas, mas muitas pessoas falam a respeito – de produtos orgânicos, consumo consciente, de onde veio isso que a gente está usando e para onde vai tudo isso. Não existe mais se esconder e não existe mais também não entender e tentar explicá-lo”.
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