Gabriel Christo nunca tinha imaginado entrar para um circo. Há dez anos, o mineiro era ginasta da seleção brasileira e estava competindo no Canadá por uma vaga nas Olimpíadas. Além de sair do país com a notícia de que não havia se classificado, levou para casa um cartão com o e-mail de um caça talentos do Cirque Du Soleil. Na época, o foco do rapaz era a competição e nem ficou animado quando foi chamado para participar do maior circo do mundo. “No esporte, se você não classifica para as olimpíadas, a sua próxima chance é só daqui a quatro anos. Naquela época, a nossa equipe não tinha entrado, as condições estavam ruins e o salário baixo. O apoio ao esporte era muito pequeno. Quando coloquei tudo na balança acabei escolhendo o circo e foi, de longe, a melhor escolha da minha vida”, lembrou. O atleta, afinal, já havia cumprido o seu ciclo no esporte. Havia participado de campeonatos e levou até o título de campeão nacional. Atualmente, o brasileiro, com 30 anos, representa o Brasil no exterior há nove anos e meio e já participou de sete shows diferentes da companhia. Entre estes, o rapaz irá se apresentar a partir do dia 28 de dezembro, no Rio de Janeiro, com o espetáculo Amaluna.
Gabriel Christo veio de uma família de classe média de Belo Horizonte e começou a vida de atleta ainda muito jovem. “Apesar de eu não ter seguido nesta carreira, em específico, devo tudo ao esporte, pois sem ele nunca teria sido convidado para trabalhar aqui. O Cirque seleciona os talentos do esporte para trabalhar com eles”, agradeceu. Mesmo não tendo gostado da ideia à primeira vista, hoje o artista não consegue imaginar uma escolha melhor ao relembrar as dificuldades que a carreira de atleta tinha. “A vida do esporte é um pouco ingrata, no sentido de que é preciso treinar seis horas por dia e o atleta só tem cinco minutos para mostrar o seu potencial. Enquanto isso, no circo não existe esta pressão da competição. Podemos curtir mais o que estamos fazendo”, afirmou.
Os familiares apoiaram a decisão de cara por serem grandes fãs da companhia e saberem que aquela seria uma grande chance de viver um sonho. E o currículo invejável de apresentações do artista mostra que eles não estavam enganados. “Pude conhecer e trabalhar com pessoas que via em filmes ou na televisão. Tive o prazer de estar no elenco do Avatar desde o início, onde conheci o diretor James Cameron, em 2015. Falo, inclusive, o dialeto do longa. Participei de uma cerimônia do Oscar, de uma apresentação na Broadway e tantos outros momentos especiais”, lembrou.
O contrato que o Cirque Du Soleil estabelece com o artista é totalmente relativo, pode ser de seis meses ou um ano. A escolha depende de muitos fatores e quando o contrato acaba é possível renovar participando do mesmo espetáculo ou aplicar para algum outro. “Raramente fico em um mesmo show por mais de dois anos, porque gosto de explorar novas áreas do Cirque”, informou. A apresentação que ficou por mais tempo foi em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde a companhia possui uma residência permanente.
O grupo canadense dá a oportunidade aos artistas de conhecerem o mundo e vivem do que eles mais gostam, que é a arte. No entanto, junto com todos os bônus, existem alguns ônus inclusos que fazem com que muitos profissionais encarem esta vida somente como uma área de passagem. Entre estes problemas está a vulnerabilidade ao itinerário do Cirque Du Soleil. “A minha vida muda tanto o tempo todo que, às vezes, as coisas que te fazem falta são as que não temos. Quando estamos começando a nos acostumar com um lugar, já é preciso ir embora. Queria, neste caso, ter uma casa, um quarto, um armário, um lugar para tomar café todos os dias e poder visitar a família todos os dias. Ter uma namorada, por exemplo, também é difícil. Se não for uma pessoa que te acompanhe na turnê não tem como. Até agora, todos os meus namoros foram à distância. Amo esta vida, mas não para sempre”, lamentou. Em compensação, o Cirque sempre proporciona grandes eventos de confraternização, já que o grupo acaba se tornando uma família. Este ano, inclusive, haverá uma festa de natal no Rio de Janeiro para celebrar a data onde a mãe do rapaz irá comparecer.
A casa do rapaz é onde o circo está até o contrato acabar, sendo assim sente falta de se estabelecer em um local. Neste caso, o mineiro espera continuar na trupe por mais dois a cinco anos. “Penso em trabalhar como caça talentos do circo ou então morar em Los Angeles, vivendo como um produtor artístico. Não pretendo voltar para o Brasil, ainda”, garantiu. Gabriel Christo deseja, inicialmente, ficar por alguns anos nos Estados Unidos para transformar o Green card em um passaporte.
O Brasil, inicialmente, não está nos planos do rapaz. Por enquanto, o artista pretende visitar o país de origem apenas em situações extraordinárias como é o caso atual, no qual teve a oportunidade de se apresentar em solo nacional. Apesar de não pensar em voltar a morar aqui tão cedo, ele não nega as origens e até samba no palco para mostrar da onde vem. “O público aqui é diferente. Acho que é por causa do nosso sangue latino, somos mais calorosos. Além disso, temos a cultura do futebol que nos faz vibrar. Estar na sua casa é muito especial”, contou.
A passagem do espetáculo Amaluna por São Paulo foi mais que satisfatória. Foram cerca de dez shows por semana com 99% dos ingressos vendidos. “É interessante que o Cirque tenha apostado em vir ao Brasil sabendo da crise econômica que existe no país. A companhia correu o risco de não vender muitos ingressos. No entanto, me espantei com o resultado. Pelo menos em São Paulo não vi muita crise”, comentou. Gabriel esteve na última passagem da companhia pelo Brasil há quatro anos e relembrou que a resposta não havia sido tão boa.
Apesar do Cirque Du Soleil ser, claramente, valorizado pelos brasileiros, o rapaz lamenta que este não seja o caso nos espetáculos de companhias nacionais. “O circo é muito mais valorizado lá fora do que aqui dentro. Quando sai do Brasil, foi quando comecei a aprender o que seria uma companhia assim. Conheci grupos maravilhosos no exterior. O nome Cirque Du Soleil acaba tendo uma força grande aqui, mas o resto não é difundido, não existe apoio. Os artistas trabalham em condições precárias. Eu gostaria que a vinda desta trupe canadense estimulasse a população a notar os grupos nacionais”, incentivou.
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