Dig Dutra fala sobre machismo no humor: “É duro constatar que neste universo fazem parte o descrédito e o assédio”


A atriz conhecida pela emblemática personagem Abadia no extinto ‘Zorra total’, que interpretou por anos, também é cria do humor no teatro, e fala sobre a ocupação dos espaços pelas mulheres no mundo da comédia, levantando o debate do machismo enraizado no gênero: “Muitas se acostumaram a sofrer com o machismo, mas isso não pode ocorrer. A gente conviveu com preconceitos na área durante muito tempo. Essa luta das mulheres é genuína. Falar disso é cada vez mais significativo, batalhar contra. Existe um lugar único para as mulheres no humor que elas conquistaram. Infelizmente por muitos anos convivemos com um tratamento em que esse machismo estava intrínseco no trabalho. Então, me uno a todas as outras atrizes, comediantes, precisamos dar voz a esse movimento de continuar ocupando os espaços”

*Por Brunna Condini

Dig Dutra ficou conhecida do grande público com a personagem Abadia, noiva de Patrick (Rodrigo Fagundes), no humorístico ‘Zorra total’, na Globo. E, embora tenha atuado em muitas novelas, inclusive com personagens dramáticos como a Rochelle em ‘A Força do Querer’, reprisada este ano, é na comédia que a curitibana tem sua raiz. Dos seus 45 anos de vida, 30 foram dedicados ao ofício de atuar e ela só lamenta que o meio do humor para as mulheres ainda seja tão cercado de machismo e assédio.

“Muitas se acostumaram a sofrer com o machismo, mas não pode acontecer. A gente conviveu com preconceitos na área durante muito tempo. Essa luta das mulheres é genuína. Falar disso é cada vez mais significativo, batalhar contra. Existe um lugar único para as mulheres no humor que elas conquistaram. Infelizmente por muitos anos convivemos com um tratamento em que esse machismo estava intrínseco no trabalho. Então, me uno a todas as outras atrizes, comediantes, precisamos dar voz a esse movimento de continuar ocupando os espaços”, observa Dig.

"Nos acostumamos a sofrer com o machismo, mas não podemos nos acostumar" (Foto: Rodrigo Lopes)

“Muitas se acostumaram a sofrer com o machismo, mas não pode acontecer” (Foto: Rodrigo Lopes)

“Os exemplos na prática são muitos. Desde em um trabalho chamarem os atores pelos seus nomes, e quando têm que se referir à uma mulher, chamarem por ‘moça’ ou ‘mocinha’, num tom de desqualificar. E, muitas vezes, por ser mulher, já vi existir um desprezo absoluto como se nada do que você pudesse falar ou sugerir tivesse alguma relevância ou fosse realmente bom. Isso é degradante de perceber e sentir”.

Muitas atrizes e humoristas vêm tirando o preconceito do ‘armário’ na comédia e dando ‘nome aos bois’ quando o assunto é assédio, moral ou sexual, como fez Dani Calabresa recentemente no episódio com Marcius Melhem. Dig afirma que nunca passou algo tão sério, mas afirma que viveu outras situações que agridem e que também não devem mais ter espaço. “Infelizmente é duro constatar que neste universo fazem parte o descrédito, a censura, o assédio. Muitos descredibilizam a sua capacidade de criação, fazendo questão de não valorizar o espaço do talento feminino”, lamenta.

"Infelizmente é duro constatar que neste universo fazem parte o descrédito, a censura, o assédio. Muitos descredibilizam o seu talento, a sua capacidade de criação" (Foto: Rodrigo Lopes)

“Infelizmente é duro constatar que neste universo fazem parte o descrédito, a censura, o assédio. Muitos descredibilizam o seu talento, a sua capacidade de criação” (Foto: Rodrigo Lopes)

E observa que o silêncio dos comediantes homens também validou o preconceito e pode ter dificultado a conquista de espaços femininos no humor: “Muitos gostam de te definir através de ideias preconceituosas, como o da mulher ‘bonita e burra’, por exemplo. Então, acredito que precisamos ainda falar muito do tema, debater, denunciar, porque quando é muito falado, o agressor é obrigado a se tocar, se responsabilizar. Isso não pode ser velado, temos que apontar para que não seja mais assim daqui para frente. E, quando isso parte de comediantes homens, como Fábio Porchat, por exemplo, que tem feito esse movimento de falar, é maravilhoso, porque eles têm que abraçar essa causa conosco. Mas não são todos, ainda falta”.

Na conquista de outros espaços para atores que têm na comédia sua praia, ela vê avanços. “Há anos era muito difícil um humorista ser chamado para fazer novela, era um preconceito declarado. Isso vem sendo quebrado, está mais flexível. Até porque é uma bobagem, existem atores muito bons na comédia que também são ótimos no drama. E querem mostrar sua versatilidade para o público, que também quer ver isso. Já foi muito dura essa história. Quando comecei a fazer comédia na televisão, eu pensei que tinha determinado o meu destino e que não poderia mudar isso nunca. E, graças a Deus, consegui depois ir para as novelas, mas precisei passar por um processo de ‘esquecerem’ da minha imagem, ficar um pouco afastada, cortar o cabelo para descaracterizar da personagem emblemática no ‘Zorra Total’, que tinha as tranças que rodava. Foi um processo difícil, mas consegui”.

Dig Dutra e Rodrigo Fagundes como Abadia e Patrick no extinto 'Zorra': personagem emblemático (Divulgação)

Dig Dutra e Rodrigo Fagundes como Abadia e Patrick no extinto ‘Zorra’: personagem emblemático (Divulgação)

Recentemente, a atriz pôde ser vista nas reprises do ‘Zorra Total’, no Viva, e das novelas ‘Malhação: Viva a Diferença’ (2017), ‘A Força do Querer’ (2017), na Globo, e ‘Floribella’ (2005), na Band. Mas a estrada é longa: são 27 peças, 15 filmes e mais de 90 comerciais de televisão. Sentiu falta nestes anos todos de ter mais oportunidades como comediante? “O público me conheceu na comédia, mas ao longo de 30 anos fiz muitos trabalhos. Claro que adoro comédia. Acho que o fato de eu escrever textos de humor, criar personagens, também sedimentou minha carreira na comédia e me dá o maior orgulho. É natural que o público se identifique comigo neste gênero, porque me conheceu com a Abadia que gerou muitos outras oportunidades depois. Mas não sinto saudade de fazer humor, porque nunca deixei de fazer no teatro. Talvez o público sinta mais falta, mas também acredito que gostou de ver que aquela menina que ‘rodava as tranças’ estava fazendo ‘A Força do Querer’, por exemplo, que aquela atriz faz outros gêneros. É complementar”.

Arte em todas as cores

Ela tem trabalhado nestes anos para alimentar das formas mais variadas sua vocação artística. Tanto que, pouco antes da pandemia, iniciou um processo de descoberta da versão artista plástica. A atriz aproveitou a necessidade de isolamento social no período de quarentena do coronavírus para pintar quadros, que tem vendido por até R$ 5 mil. “São trabalhos em aquarela, gosto do lápis de cor, do nanquim. São quadros abstratos. Um ou outro têm elementos realistas. Hoje devo ter uns oito comigo, porque tenho vendido”, conta Dig. “Pinto em acrílica sobre tela, mas tenho explorado várias técnicas, porque estou em um processo de autoconhecimento mesmo. E sei que a técnica vai acabar me escolhendo naturalmente. Tenho me desafiado. O bom da pintura é se soltar e deixar que fluam as ideias. Meu ofício principal como atriz e escritora de teatro sempre foi a criação e a imaginação. Então está tudo em  casa. Tenho me desafiado”.

"O bom da pintura é se soltar e deixar que as coisas aconteçam. Meu ofício principal como atriz e escritora de teatro sempre foi a criação, a imaginação. Então está tudo em  casa" (Divulgação)

“O bom da pintura é se soltar e deixar que as coisas aconteçam. Meu ofício principal como atriz e escritora de teatro sempre foi a criação, a imaginação. Então está tudo em  casa” (Divulgação)

Dig revela que apesar de seguir a carreira de atriz e ter projetos no teatro para breve, a carreira de artista visual também veio para ficar. “A arte é inerente à minha existência. Sempre reconheci essa artista em mim não só no teatro, mas através da dança, da pintura e do desenho. Mas com 15 anos decidi investir na carreira de atriz e fui em frente. O desenho acabou ficando lá em uma ‘gaveta’, guardadinho. Até um pouco esquecido. Usava meu talento de artes plásticas para enriquecer o meu ofício como atriz. Então, eu fazia figurinos, adereços, cenários”, recorda. “Em 2019 quis investir nesse talento. Fui fazer cursos e perceber em que patamar do desenho estava, se ainda tinha prazer. De lá para cá, lancei um livro de ilustrações, participei de uma vernissage e pude ver os meus quadros surgindo. Fui para Portugal fazer cursos. Trouxe as artes plásticas de volta pra minha vida e resolvi caminhar com as duas carreiras lado a lado”.

"Trouxe as artes plásticas de volta pra minha vida e resolvi caminhar com as duas carreiras lado a lado" (Divulgação)

“Trouxe as artes plásticas de volta pra minha vida e resolvi caminhar com as duas carreiras lado a lado” (Divulgação)