Depois de protagonizar novela e série, Diogo Almeida é psicólogo e lança livro que desmistifica autismo em crianças


O ator, que vai estar na série “Missão Porto Seguro”, da Amazon Prime, é formado em psicologia e ator. Duarante meses esteve nas casas dos telespectadores dando vida a Orlando Gouvêa, o bondoso médico de “Amor Perfeito”, na trama das 18h. Agora, o multifacetado artista lança seu primeiro livro infanto juvenil a tratar sobre o transtorno do espectro autista. Para ele, é fundamental que se entenda e se fale sobre o assunto. Especialmente em razão de haver confusões e notícias falsas nas redes sociais. Também questiona o crescimento dos coaches em detrimento dos psicólogos. “Tem gente que faz curso de um mês e fala que é coach. Acho isso delicado. Não há quem vá fazer um curso de um mês e possa cuidar de um ser humano”. O ator também refuta que “Amor Perfeito” não tenha debatido a questão racial. “A gente falava de racismo, mas não era da maneira como estamos acostumados, com alguém sofrendo racismo. Muitos eram empoderados, e era esse lugar que a novela queria mostrar”

*por Vítor Antunes

O tema de abertura de “Amor Perfeito“, último sucesso recente das 18h, dizia que “O amor é um ato revolucionário“. Diogo Almeida não desmente, porém, afirma que o amor é sua religião. Ele, que é psicólogo de formação, lançou um livro que tem no autismo e no espectro autista o seu mote. “Com Afeto, Kayin – Uma Fábula Além do Espectro”, aborda de forma lúdica a forma com a qual uma criança se relaciona com a sua condição, a partir do momento em que faz amizade com uma lagarta que também é incomum: “A família de Kayin é angolana e quer conhecer o mundo e vários países, mas na primeira parada fica no Brasil. Tinha a ideia de ficar menos tempo e seguir para outros países, mas aqui procuram assistência médica e veem nele algo que os faz se preocupar. Eles ficam aqui no Brasil porque o menino inicia tratamento e descobrem que ele tem TEA. O livro fala de superação, amor e amores que atravessam a vida, em suas várias formas, e fazem diferença na nossa vida. Na história, Kayin desperta para o mundo, conectando-se com o trabalho que desenvolvo, que é a terapia do cotidiano. Que objetiva entrar no cotidiano da criança para que ela crie novas habilidades, autonomia e desenvolva um despertar para o mundo”. A ideia do autor é ultrapassar os limites geográficos e fazer com que o livro chegue em Angola, país natal do personagem.

Depois do fim de “Amor Perfeito“, Diogo voltou-se mais à psicologia, mas sem abandonar a veia artística. Fez um longa, ““Missão Porto Seguro”, que deve ser lançado neste semestre na Amazon Prime e que tem direção de Cris D’Amatto. Trata-se de um personagem contemporâneo, diferentemente de Orlando Gouvêa, o mocinho da novela das 18h. Ainda que esteja longe das tramas, pelo menos por enquanto, Diogo diz sentir falta dos estúdios: “Sinto saudades das novelas e do ritmo de filmagem. Depois da novela e da participação no “The Masked Singer“, no qual fui o Cuco, foquei no lançamento do livro”.

Diogo Almeida lança livro sobre o autismo e traz o debate à tona (Foto: Divulgação)

OUT

A palavra “autismo” é uma variação da palavra inglesa “out”, que traduzida literalmente quer dizer “fora”. O autismo se classifica, de maneira pontual, exatamente por isso. Por trazer traços atípicos, fora da normotipia, e com graus variáveis. Hoje há muito mais diagnósticos e conversas tema o autismo, o que faz com que as pessoas maldosas apontem que há um modismo ou uma hiperdiagnostificação, ou mesmo relacionando-o às vacinas:

Há quem diga que é um fator genético, mas também há pacientes que dizem não ter ninguém na família com diagnóstico. Porém, há famílias em que o pai tem traços autistas, mas não foi diagnosticado, de modo que em seu filho veio mais potencializado. Há muitos estudos em andamento, muito a descobrir sobre o transtorno do espectro autista. No passado, não se procurava, consideravam que ‘aquela tem questões e limitações’, mas não buscavam saber sobre isso. Hoje há uma busca multidisciplinar desde cedo. É importante que a criança seja acompanhada, se desenvolva – Diogo Almeida

Sobre a relação entre as vacinas e o autismo ele é tácito: “São coisas que não têm a ver. Há quem aponte também que há a existência do autismo quando, na gestação, a mãe ‘não transfere amor ao filho’. Imagine a culpa dessa mãe atípica! Isso também já foi desmentido, não existe. As mulheres, quando engravidam, têm atravessamentos e precisam ser cuidados, mas isso não é motivo para as crianças nascerem assim. Por isso, desenvolvi a terapia do cotidiano, que é um trabalho delicado que envolve a família. É preciso ter cuidado e respeito à singularidade dessas crianças. A remodelação tem que ser confortável para a família e ter respeito pelo espaço para se desenvolver”.

Os pais esperam e idealizam um filho, mas quando ele nasce atípico, não tem como entregar isso. É uma nova maneira de brincar, de acessar e os pais têm que descobrir essas chaves para acessar esse filho e levá-lo para outro mundo. Aquele ser que você idealizou não é da forma que foi pensado, é difícil para os pais aceitarem. É um assunto delicado. Há inclusive famílias que são negacionistas, pais que acreditam que dali a alguns anos a criança vai se desenvolver. É preciso acompanhamento e estímulo, não podemos considerá-las incapazes. Elas precisam de despertar, e de fato, são muito especiais – Diogo Almeida

Para Diogo, a fase atual é, também, de retomada nesse segmento da psicologia. “Eu estava, antes da novela, envolvido na questão terapêutica. Eu não tinha como, já que gravava demais. Agora, com a terapia do cotidiano e o livro, faço rodas de conversa com mães e faço encontros. Recentemente fiz no Sul, em decorrência das enchentes. Organizei rodas de conversa e atendimento individualizado no abrigo “Colo de Mãe” para as vítimas das inundações”, conta.

Como concilia duas profissões, Diogo Almeida ressalta a época em que teve que paralisar os atendimentos para fazer a novela da Globo. E viveu experiências singulares com seus pacientes. “Com relação às crianças com TEA (Transtorno de Espectro Autista), havia algumas que ficavam atentas à minha voz. Elas a identificavam, mas talvez não tivessem a compreensão de ser a mesma pessoa. Com relação aos adultos, havia os que tiravam fotos da TV e me mandavam e os que me procuravam mais por conta da trama. Mas sempre ficava na dúvida se eles estavam procurando por mim, Diogo, ou pelo Orlando, meu personagem. No pós-novela, eu não voltei a atender como antes. Escolhi alguns pacientes que já acompanhava e com os quais fazia sentido continuar, que são as mães atípicas. Elas precisam ser ouvidas, já que há altos índices de pais que abandonam o lar ao identificar filhos autistas”.

Outra batalha a qual o psicólogo entra – e que também ganha destaque na cena contemporânea são os coaches – profissional técnico que lança mão de alguns fundamentos da psicologia para atender pacientes, mas que não é psicólogo.

Tem gente que faz curso de um mês e fala que é coach. Acho isso delicado. É preciso respeitar a singularidade de cada um. Não há quem vá fazer um curso de um mês e possa cuidar de um ser humano. Os psicólogos estudam cinco anos, fazem especialização, muitas disciplinas, muita experiência na prática, estágio e segmentos, e o que vem depois a gente segue estudando. Obviamente não se pode generalizar. Há profissionais de respeito e referência, respeitosos e responsáveis, que se preocupam com a singularidade de cada um. Mas quando se trata de quem faz um cursinho ou promove cursos, isso é muito perigoso. O psicólogo se aprofunda, investiga. A gente não segue uma receita para todo paciente, tentamos entender a singularidade de cada um e como pode evoluir” – Diogo Almeida

Diogo Almeida traz o autismo ao debate (Foto: Divulgação)

GRIÔ, GRIÔ

“Kayin”, o livro de Diogo, chegará em Angola sem ser adaptado para o português local. O projeto será apresentado lá, tal como foi editado aqui no Brasil. “Estou muito feliz com essa abertura em Angola e em ter contato com as pessoas de lá. Quero, lá na África, ter um espaço para contar histórias e fazer exposições de arte de crianças autistas. Escolhi lançar o livro em Angola por que em iorubá, o nome significa “o filho muito aguardado”, fazendo muito sentido que seja lá” o lugar em que irei apresentar esta história”.

Algumas das críticas que foram direcionadas à novela diziam respeito ao fato de não ter discussão racial na trama de uma forma mais contundente. “Na novela, a gente realizava. Os personagens não estavam como conquistar com aquele lugar. Eles já conseguiram realizar. Mostrava empoderamento tanto deles quanto delas. A gente falava de racismo, mas não era da maneira como estamos acostumados, com alguém sofrendo racismo. Muitos eram empoderados, e era esse lugar que a novela queria mostrar. Ela foi feita também sobre os médicos pretos na década de 1930 e 1940. Claro que existiam esses profissionais, tanto em Minas como na Bahia. Essas histórias não eram contadas na teledramaturgia. A novela resolveu mostrar essas histórias sem a perspectiva do passado ou reiterar o que já é feito. A primeira vez que se falou de racismo de maneira mais contundente foi na minha cena, e aí, sim, ela era grafada. Dessa forma, “Amor Perfeito” buscou de mostrar o protagonismo de cada um, dentro do seu próprio protagonismo. Isso é muito bonito de se ver”.

Diogo Almeida e Camila Queiroz em “Amor Perfeito” (Foto: Divulgação/Globo)

Diogo diz que o que emociona são suas profissões: “Uma é a arte, que nos toca, e a outra, a psicologia também. Em ambas, a gente trabalha com atravessamentos e sentimentos. Tudo o que fala do humano, sobre desenvolvimento, despertar do mundo e o amor pelas pessoas. Essa é a minha religião. Poder trocar e plantar sementes por aí, isso me emociona. Procuro seguir de maneira genuína, me respeitando, mas atento aos detalhes e às escutas. Eu prezo isso. Deus mora nos detalhes. Isso me emociona, me toca. O que me entristece é a falta de empatia e reciprocidade”.

Diz-se que os griôs, em África, são aqueles que “tem por vocação preservar e transmitir as histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo”. Há os que são músicos e os contadores de histórias. Diogo é um griô que, além e fazer isso tudo, zela pela vida e pela emoção. E talvez esta seja a sua maior virtude.