De volta à TV na próxima série da Globo, Aílton Graça conta de personagem corrupto, do longa sobre Mussum e da representatividade negra nos papéis de destaque: “Caminhando para um cenário mais favorável”


Em “Cidade Proibida”, que estreia no próximo dia 26, o ator interpreta o delegado Paranhos, um oficial que tem um jeito meio duvidoso de trabalhar. “Ele tem um código de ética que é bastante questionável. Como ele cresceu na rua, toda a sua moralidade passa pelo submundo”

Destaque dos noticiários contemporâneos, a corrupção não é uma mazela do comportamento de 2017. Em 1950, por exemplo, ela já dava o ar das graças em um Rio de Janeiro cheio de mistérios e crimes suspeitos. Pelo menos é isso o que conta a nova série da Globo, “Cidade Proibida”. Na trama, Aílton Graça interpreta o delegado Paranhos, um oficial que tem um jeito meio duvidoso de trabalhar. “Ele tem um código de ética que é bastante questionável. Como ele cresceu na rua, toda a sua moralidade passa pelo submundo. Por isso, ele não tem problema em socar e bater nas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, ele tem um frescor muito interessante em que ele não pode ver nenhum tipo de violência contra as mulheres”, apresentou.

Com estética Noir, “Cidade Proibida” irá contar sobre a vida do detetive particular Zózimo Barbosa (Vladimir Brichta). Porém, apesar de ser o protagonista, o investigador não terá o destaque absoluto. De acordo com Aílton, a história também se passa pelo olhar de outros três personagens importantes desta trama, incluindo o seu, o delegado Paranhos. “A série acontece a partir das experiências do Zózimo, que é o protagonista. Mas toda a narrativa também é construída pelo delegado, o Bonitão (José Loreto) e a Marli (Regiane Alves), que dividem esse protagonismo. Nos bastidores, inclusive, a gente tem chamado esses quatro personagens de quarteto fantástico, porque são eles que conduzem toda a série”, disse.

A série “Cidade Proibida” estreia na Globo no próximo dia 26, terça-feira, depois de “A Força do Querer” (Foto: Divulgação/Globo)

Sendo assim, além do clima de suspense e investigação, “Cidade Proibida” ainda estreia com múltiplas histórias costurando a narrativa. No caso do delegado Paranhos, personagem de Aílton Graça, a trama seguirá o lado mais duro de um homem corrupto que cresceu nas ruas e o mais delicado, de um oficial que também usa a sua armadura para combater qualquer tipo de violência contra as cariocas da época. “Nós estamos ambientados nos anos 1950 em um período que não existiam leis a favor das mulheres como hoje em dia. Era uma época completamente machista, mas que existia um delegado que combatia isso até de forma meio bruta”, destacou o ator que ainda acrescentou sobre a personalidade corrupta de seu personagem. “A gente vê que a corrupção estava ganhando força naquela época para hoje nós estarmos vivendo neste panorama. Agora, esse desvio de conduta já está tão institucionalizado que parece até parte da nossa rotina”, comentou.

Ou seja, apesar de ser uma história descolada dos tempos atuais e ter uma estética diferente, “Cidade Proibida” não fugirá de assuntos que vêm se destacando ultimamente. De acordo com Aílton Graça, embora este seja um produto de entretenimento, a série também cumprirá o seu papel social. “A série tem a preocupação de ser uma diversão, mas tudo o que é contado nas entrelinhas é positivo também. As informações que estão contidas entre as cenas são estímulos para as pessoas pensarem sobre determinados temas e cada uma ter uma interpretação diferente. Porém, se o espectador quiser assistir só pelo ponto de vista do lazer, também será um ótimo entretenimento”, explicou o ator que espera que a narrativa “aguce a sensibilidade” do público.

Se em seu novo trabalho na telinha o engajamento é opcional, em sua vida pessoal e profissional não é bem assim. Preocupado com o cenário brasileiro no qual estamos inseridos, Aílton Graça comentou os novos capítulos desta série da vida real que acompanhamos diariamente nos noticiários. “Está ocorrendo um desmonte e nós estamos tentando navegar contra uma corrente de pensamentos e posturas. De outra forma, em um prisma que não está sendo contado nas mídias, a gente quer o encontro de várias tribos que hoje militam e clamam por justiça e questões humanitária”, disse o ator que acredita na força da união de grupos segmentados que, até pouco tempo, eram tratados como minorias. “Unir essas células é possível e pode criar um novo paradigma para o mundo”, apontou.

E ele tenta fazer a parte dele. Negro e engajado, Aílton Graça disse que pertence ao movimento racial, mesmo que isso não represente uma associação oficial. “Eu tento navegar dessa maneira. Mesmo não fazendo parte de nenhum movimento negro, eu sou um negro em movimento. Isso já é um agir sobre essas questões”, disse o ator que acredita no poder do diálogo e na força das relações virtuais. “Vivemos tempos em que temos ferramentas que possibilitam um diálogo muito mais fácil, como a internet, os celulares e os Whatsapp da vida. Eu acho que as redes sociais permitiram uma troca de ideias mais rápida e isso possibilita que os grupos fiquem mais organizados. Mesmo que hoje a gente tenha infinitas células e setorizações, são milhares de pessoas envolvidas em discussões importantes. No momento em que a gente criar links entre todos esses grupos, vamos formar outro pensamento”, destacou.

Aílton Graça será o delegado Paranhos na série “Cidade Proibida” (Foto: Divulgação/Globo)

Antes mesmo desta facilidade das redes sociais e da união de pensamentos e comportamentos, Aílton Graça já era um agente transformador. “Eu sempre trabalhei com arte e, durante muito tempo da minha vida, eu fui arte-educador e trabalhei em instituições como a FEBEM (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor, que hoje é chamada de Fundação Casa) ”, contou o ator que por um tempo também foi professor de dança para crianças e, através do corpo, buscava ensinar as riquezas culturais do nosso país. “O meu trabalho era levar um pouco desse conhecimento para o nosso povo que, muitas vezes, apenas assimila a cultura vinda de fora. O Brasil não é só samba e nem só futebol. A gente tem um leque enorme dentro da musicalidade e diversas iniciativas na literatura, dança etc. Por isso, eu sempre tento ir para setores mais periféricos, onde esse tipo de informação é tão necessário”, explicou.

Entre tantas questões, Aílton Graça ainda alia seus posicionamentos sociais e carreira profissional na questão do negro como protagonista das novelas. Segundo o ator, hoje vivemos um momento de crescimento e agregação na telinha. “A gente já teve a felicidade de ter a Taís (Araújo) como Helena de Manoel Carlos, o Lázaro (Ramos) em trabalhos super interessantes e ‘Lado a Lado’, que foi uma novela que teve um sucesso enorme fora do Brasil”, lembrou Aílton que também está inserido neste contexto que ele chamou que “apropriação de mercado”. “Em breve, eu vou estrear um filme inspirado no livro do Hélio de la Peña que tem mais de 80% da estrutura da equipe sendo negra. Então, eu vejo que o mundo e as artes estão caminhando para um cenário mais favorável”, analisou.

Entre os trabalhos paralelos de Aílton Graça está um longa em que 80% da equipe é negra (Foto: Reprodução)

No entanto, na visão do ator, este espaço que vem sendo conquistado pelo negro não precisa se limitar apenas à tradicional novela. Na verdade, para Aílton, hoje nós vivemos um cenário de múltiplas oportunidades. “A televisão reúne milhões de questões e é um outdoor eletrônico. Em vários momentos, a TV propõe arte e uma narrativa vertical dentro da sua estrutura. Porém, ainda é um entretenimento que tem como objetivo final vender algum produto ou comportamento. Então, hoje, eu vejo que nós estamos começando a ousar em novos lugares para que haja um rompimento dos estereótipos”, apontou Aílton que, nesta transgressão, contou que quer trazer o passado para o presente. De acordo com o ator, um de seus projetos para o futuro é lançar um filme sobre a vida de Mussum. “Eu já fui por muito tempo arte-educador e não vejo o menor problema em voltar a ser. Mas, neste momento, eu quero pegar grandes personalidades que foram importantes para o nosso país, como Grande Otelo e Mussum, para contar para as novas gerações”, disse o ator Aílton Graça.