*Por João Ker
Até onde você iria em sua busca pela fama? Essa pergunta pode até parecer retórica em uma era onde a própria exposição é celebrada ao extremo, com o culto a pessoas que extrapolam os limites da autopreservação e postam selfies mais do que reveladoras em troca de um mero like no Instagram. Então, até onde você toparia ir para alcançar o dolce far niente na profissão? Para os personagens da peça “O Cachorro Riu Melhor” (direção geral de Cininha de Paula e adaptação de Artur Xexéo), em cartaz no Teatro dos Quatro até fins de junho, a resposta seria uma só: “Até onde eu conseguir”. Na comédia, Mateus (Júlio Rocha) é um ator que está prestes a decolar sua carreira, mas que precisa manter a sua homossexualidade reprimida, assim como o seu recém-formado caso de amor com o michê Alex (Rainer Cadete). E tal tarefa seria impossível de ser executada sem a brilhante e diabólica mente da agente Dione (Danielle Winits), que enxerga o romance dos dois como um simples quebra-molas na estrada em direção ao sucesso.
Nesta adaptação brasileira, o humor ácido e debochado de “The Little Dog Laughed” (de Douglas Carter Bane, o mesmo autor da versão original de “Xanadu”) permanece. E, apesar de a peça – que concorreu ao Tony Awards de ‘Melhor Peça’ e ganhou o prêmio na categoria ‘Melhor Atriz’ em 2007 – tratar originalmente da imoralidade no mercado cinematográfico norte-americano, os parâmetros de podridão ética se aplicam a um pouco de tudo, ainda mais quando a ação é transferida para o Brasil. Ridicularizando a própria indústria do entretenimento, o atraso intelectual do país, o tédio das telenovelas, a atual geração de jovens e o estado aparentemente decadente do próprio teatro, “O Cachorro Riu Melhor” é surpreendentemente uma comédia atual e atemporal, por tratar da falta de escrúpulos relacionada à busca pela fama.
Nas quase duas horas de peça, Danielle Winits brilha como ninguém (até mais do que o tórax constantemente exposto de Rainer Cadete). Nas suas mãos de unhas bem acabadas, Dione se torna uma personagem odiável, mas ao mesmo tempo compreensível, além de divertida. É ela quem dá o tom da comédia e os outros do elenco podem no máximo tentar seguí-lo. Entre gritos histéricos, improvisos, uma projeção quase sobrenatural da sua voz e um tempo cômico infalível do início ao fim de seus vários monólogos, Danielle consegue se destacar até nos momentos em que não deveria ser notada na montagem.
Apesar dos grandes momentos de vilania, Dione tem também seus piques práticos, o que a torna muito humana. A personagem, que faz de tudo para manter seu cliente dentro do armário, chega ao ponto de forjar um caso com ele para que não haja suspeita da mídia e do público quanto à sua heterossexualidade. Mas será que Daniele consegue ver alguma semelhança entre ela e a personagem? “Ah não, ela é muito manipuladora. Eu gosto de deixar as pessoas livres para fazerem o que elas quiserem”, comenta a atriz, depois de uma sessão exclusiva para convidados que lotou os assentos do Teatro dos Quatro, na Zona Sul do Rio.
Outro tema que permeia o texto é a conciliação entre carreira profissional e vida amorosa. Mateus reclama várias vezes durante a peça sobre a sua vontade de querer ser feliz e poder amar quem ele quiser, para a qual Dione responde: “Eu conheço o amor ao trabalho. Essa coisa de romance me dá até uma coceira”. Dani Winits, por outro lado, já pensa de forma bem diferente: “Eu acho que a gente precisa sempre conciliar o amor e o trabalho. Não é preciso ter que escolher entre um e outro. Nessas horas, a gente se torna a Mulher-Maravilha e faz tudo junto”, brinca a atriz que, provando conseguir de fato essa conciliação, teve a presença e o apoio do atual namorado durante o espetáculo.
Para a namorada do michê Alex, Helena (Sara Freitas), o sucesso e a fama chegam de maneira inesperada e abrupta, mas não pegam a sonhadora desprevenida, já que esse sempre foi seu objetivo de golpista inteligente. Já Winits acredita em uma estratégia completamente oposta na hora de construir uma carreira: “Acho que cada um tem que percorrer um caminho até conseguir alcançar seus objetivos. E não é um caminho curto, nem fácil. Mas eu também acho que se não for assim, as coisas se tornam muito efêmeras. É preciso que seja difícil, para que exista valorização”, comentou Danielle. E se você acha que a veterana dos palcos, das telonas e da tevê já se arrependeu de alguma coisa que tenha feito enquanto percorria esse longo caminho até o topo, está enganado. “Eu fui feliz com todas as minhas escolhas”, declara a atriz, dizendo o que muitos desejariam poder. Pode até ser que o cachorro tenha rido melhor, mas quem riu mais alto foi, sem dúvidas, Danielle Winits.
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