Dadá Coelho: ‘Sociedade condena mulher que não quer ter filho e tolera homens que mesmo tendo, optam não ser pais’


No filme “Papai é Pop”, a comediante, que conhece bem o tema, interpreta amiga da personagem de Paolla Oliveira, a quem dá conselhos quando ela se torna mãe, e o marido, vivido por Lázaro Ramos, não assume responsabilidades. “Na vida real, eu não sou mãe solteira, tive minha filha e o pai dela sumiu”, relembra. Dadá está ainda na série ‘Dois Tempos’, da Disney, ‘Galera FC, da HBO; no longa ‘Vovó Ninja’, com Gloria Pires e no stand up ‘Cuscuz na Mão’

* Por Carlos Lima Costa

Atriz, comediante, apresentadora e jornalista, Dadá Coelho integra o elenco do filme ‘Papai é Pop. Ela interpreta Joana, melhor amiga de Elisa (Paolla Oliveira), a quem dá conselhos após o nascimento da filha fruto da união com Tom, interpretado por Lázaro Ramos. No longa inspirado no livro de Marcos Piangers, com roteiro de Maíra Oliveira e direção de Caito Ortiz, Tom precisa chamar a paternidade ativa para si depois da chegada de sua filha. A ideia é trazer o homem para o protagonismo da história, propondo de forma leve, uma reflexão sobre o tipo de masculinidade que se deseja construir (e desconstruir). A artista considera importante jogar luz nesse tema por ser algo recorrente, sendo que ela própria já sentiu isso na pele. “Minha personagem faz um pouco o desenho desse macho, manda a real, tipo: #tragoverdades. O Tom não entende a paternidade inicialmente, então, sobrecarrega a Elisa com a neném, Laurinha, enquanto ele fica no futebol, vai tomar cerveja, joga videogame. Eu não sou mãe solteira, tive a Maria Antônia, e o pai dela sumiu. Ele era um amigo, a gente conversava e ficava no fim da festa, aí engravidei. Minha filha tem 22 anos, o pai dela nunca colaborou nem com R$ 300,00, então, a sociedade brasileira, às vezes, condena a mulher que escolhe não ter filho ou tem filho independente, mas, ao mesmo tempo, tolera homens que mesmo tendo filhos, escolhem não ser pais”, pontua, em longo desabafo.

Apaixonada pelo longa-metragem Papai É Pop, ela aponta um momento bonito do filme. “O erro é um caminho. Pai e mãe vão errar, porque educar é a coisa mais difícil que existe na vida. O legal do filme é que ele também mostra essa questão. O Tom começa todo errado, mas é tão bonita a redenção. Depois, ele entende e exerce a paternidade magistralmente, recupera o tempo perdido, porque não tem nenhum problema com o erro. O nosso filme traz esse tema com muito afeto, humor, delicadeza. A Paolla está muito bem e o Lázaro com aquela sua humanidade comovente, como eu digo”, frisa.

Dadá chegou a realizar uma pesquisa para escrever um texto sobre o filme americano A Filha Perdida (The Lost Daughter), escrito e dirigido por Maggie Gyllenhaal, que retrata desafios da maternidade, e ficou alarmada com dados que colheu. “No Brasil, 50% das mulheres trabalhadoras são demitidas quando voltam da licença maternidade; um quinto dos casais brasileiros se separa até o primeiro ano do nascimento do neném; 11 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Vejo uma infinidade de mulheres que criam sozinhas essas crianças abandonadas por um cuidador que normalmente é o homem da relação. Tenho um grupo no WhatsApp com minhas amigas, oito mulheres, pelo menos cinco estão nessa situação”, relata.

Dadá Coelho joga luz em homens que não assumem a responsabilidade paterna (Foto: Rodrigo Lopes)

Dadá não viveu exatamente uma catarse enquanto estava no set de filmagens de “Papai é pop”, mas foram muitos momentos de identificação. “Tenho relação quase siamesa com esse negócio de atuar. Tem hora que você não sabe mais nem o que é ficção e o que é realidade, porque está tudo ali e, na verdade, essa conversa entre a minha personagem e a da Paolla, eu tenho com as minhas amigas também na vida real, é uma loucura. Esse tema é recorrente. Eu até brinco que deviam inventar um app para o pai que pega a criança só para postar a foto do filho na rede social. É o pai food, o pai de selfie. Agora, por exemplo, meu marido, Paulo (Betti), é um cara superpresente, um paizão. Ah, se todos fossem iguais”, comenta.

A LEVEZA DE  FAZER GRAÇA COM AS PRÓPRIAS HISTÓRIAS

Uma mulher incrível que ri das próprias histórias quando se apresenta. Essa é Dadá Coelho. “As famílias vão mudando, você vai convivendo. Adoro esse tema. Outro dia, me peguei cuidando de uma criança desconhecida, que é tanta ex do Paulo, é tanto filho (ele é pai de Mariana e Juliana, com Eliane Giardini, e João, com Maria Ribeiro), separa, casa com outra, a outra tem um filho e os meninos vão chegando e aí o outro ex-marido de uma chega também com a outra mulher que tem outro filho, é uma loucura. Tanta gente que chega, que eu falei: ‘O que essa criança desconhecida está fazendo aqui na mesa?’ Agora, o filme é muito fofo, bonito. Não estou militando, mas é um assunto que precisa ser falado. Às vezes, vira tabu e as pessoas não falam da pessoa que fugiu. Isso é fruto do machismo e precisamos cortar esse mal na raiz”, enfatiza.

Colocar no humor as próprias questões pessoais sempre foi normal para ela. “Gosto muito de rir de mim mesma, até porque eu nasci em uma família de 13 filhos. Imagina, lá em casa é uma loucura. Minha mãe partiu, infelizmente, há dois anos, mas imagina 20 netos, 21 bisnetos, um tataraneto…Juntar tanta gente assim no Natal acho que só a TV Globo para fazer a vinheta no final do ano. Então, é um saldo afetivo. Não entendo como minha mãe conseguiu criar tanto filho. Se essa fosse uma pergunta do Enem, acho que eu zeraria essa questão. Nasci em um Big Brother aberto, um reality existencial, porque a briga pela moela, a asa da galinha, a coxa, era uma coisa. Assim, quando aborda sobre sua aldeia, você vai estar falando com o mundo”, aponta.

Dadá Coelho e o ator Paulo Betti, com quem se relaciona desde 2016 (Foto: Reprodução Instagram)

E prossegue falando sobre o marido, que dá vida a dois papéis na novela Além da Ilusão: o empresário Constantino e o vidente Valentino. “Eu brinco muito com o Paulo, faço meme com ele. O humor, a intimidade é mais profunda em uma relação. Não sou aquela pessoa que vai para a DR. Tenho preguiça. O tempo que você vai perder na DR, você pode estar fazendo amor (risos). Eu falo tudo com humor. Ele adora um negócio que eu digo para ele: ‘Paulo, somos conectados por algo muito forte, somos apaixonados pelo mesmo homem: você! Entendeu, você não vai falar para a pessoa: ‘Você é auto referente’. Você diz através do humor. Nós somos conectados com essa chave do humor”, explica.

Não sou aquela pessoa que vai para a DR. Tenho preguiça. O tempo que você vai perder na DR, você pode estar fazendo amor – Dadá Coelho, atriz

Paulo vai celebrar 70 anos dia 8 de setembro. “Ele não é muito de festa, é mais reservado. Eu que sou mais saliente. Como tenho essa história de dizer que o humor é a manifestação de intimidade mais legítima em uma relação, eu vou fazer alguma brincadeira, pegá-lo de surpresa. Em branco essa data não vai passar, com certeza. E ele está superbem, malha todo dia, está inteiraço, gostoso, trabalhando, está tudo certo”, conta.

A REALIDADE DURA DOS BRASILEIROS

Em seu humor, Dadá também fala sobre política, mas não por influência de Paulo que tem forte ligação de apoio ao PT e ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. “Eu sou jornalista de formação, então, sempre fui conectada. Assim, informação é poder. Não é à toa que toda ditadura começa com o quê? Com a censura. Antes de qualquer coisa, de ser roteirista, atriz, comediante, humorista, eu sou jornalista e vim do Piauí, não sou rica. Sou cidadã visceralmente política. Tem que ter consciência de classe. Fui outro dia em uma homenagem para o jornalista Dom Phillips (1964-2022) e o indigenista Bruno Pereira (1980-2022). O Brasil precisa voltar a comer, a gente precisa recuperar esse país de novo, talvez não seja nem recuperar, seja reconstruir um Brasil, porque acabaram com tudo, a Amazônia… São 33 milhões de pessoas passando fome, tem racismo, homofobia. A pandemia trouxe essas rachaduras. Brasileiro sempre foi machista e racista. Foram essas pessoas que elegeram Bolsonaro”, lamenta.

“Sou jornalista de formação, então, sempre fui conectada com política. Informação é poder. Não é à toa que toda ditadura começa com o quê? Com a censura”, ressalta Dadá (Foto: Edu Rodrigues)

E prossegue em suas críticas com o atual momento do país. “O fundo do poço é só uma etapa…O Brasil é uma esculhambação macabra, o cara que vai matar o outro, porque está fazendo aniversário (militante petista morto, em julho, por bolsonarista que invadiu sua festa cujo tema era o PT) e leva o filho, gente é de uma selvageria inominável. O cara estava com a filha dentro do carro, é muito grave. A gente está muito arruinado. Eu morro de compaixão, porque o Brasil do Darcy Ribeiro (1922-1977) fracassou realmente. Levei pra minha análise a história do Bruno e do Dom. Não basta só matar, tem que arrancar as vísceras. É tão perverso, cruel. Eu tenho dificuldade de produzir ficção. Zuenir Ventura diz isso, porque a realidade é inesgotável. O que aconteceu com esse país tão forte e cheio de possibilidades? É lamentável”, ressalta.

‘Humor’ é a palavra mais próxima de ‘amor’ que pode existir

Como qualquer personalidade que se posiciona, ela é vítima de haters, mas os ignora. “Eu acho que hater é amor. É aquela pessoa que te mandou muito coração, às vezes, você não respondeu. Eu tento atender todo mundo. Agora, não dou confiança para hater, eu bloqueio, senão vou ficar doida. Tenho tanta coisa para falar que não vou ficar nessa chave do ódio. Não vou legitimar, dar voz a quem está cheio de ódio. Quero estar conectada com amor, com a verdade, a beleza, com o bem. ‘Humor’ é a palavra mais próxima de ‘amor’ que pode existir. Se não puder levar alegria para alguém eu nem saio de casa, então, não vou trocar com essa galera”, reflete.

Não dou confiança para hater, eu bloqueio. Não vou legitimar, dar voz a quem está cheio de ódio. Quero estar conectada com amor, com a verdade, a beleza, com o bem – Dadá Coelho

CUSCUZ NA MÃO

Workaholic, ela está sempre envolvida em uma variedade de projetos. Tem o stand up Cuscuz na Mão, evento corporativo que geralmente acontece online, mas também é realizado de forma presencial. Enquanto prepara um cuscuz, faz graça com diversos temas e, ao final, sorteia uma cuscuzeira. “Foi o que me salvou na pandemia para pagar boleto, porque parou tudo. Mas estou fazendo um monte de coisas. Estou estreando agora uma série da Disney chamada Dois Tempos, dirigida por Vera Egito, que se passa em 1922 e 2022. Na história, a filha da minha personagem, vivida pela Sol Menezzes (irmã de Sheron Menezzes) retorna 100 anos e vai para 1922 e uma moça dessa época vai para o momento atual. Imagina a pessoa chegar aqui de paraquedas?”, indaga.

“Se não tivesse boleto para pagar eu faria o trabalho de graça. Não tenho preguiça para calçar o tênis e ir trabalhar. É um prazer e uma bênção você achar e assumir o seu lugar no mundo”, afirma Dadá (Foto: Divulgação)

Ela agora está indo para São Paulo gravar a segunda temporada. Tem ainda para estrear, o filme Vovó Ninja, com Gloria Pires, direção do Bruno Barreto. “Em um país como o nosso estar trabalhando, estar com o boleto em dia e manter a esperança viva é um ato revolucionário. Eu acredito no Brasil, a gente vai sair desse esgoto, desse subsolo da baixaria. Enquanto puder vou continuar usando a minha voz, lutando pela igualdade, contra o preconceito, contra essa ameaça do patriarcado, parar com essa história de que mulher é inferior, como a gente está toda hora lidando com o machismo. Temos que realmente derrubar a ameaça do patriarcado. A violência, o feminicídio vem desse machismo naturalizado”, afirma ela, que pode ser vista na série Galera FC, da HBO. “Faço a mãe de um jogador de futebol, que é a história desses meninos da comunidade que vão em busca do sonho de serem um Pelé”, diz ela, que ao longo da carreira trabalhou como repórter de rua no Big Brother Brasil 16 e foi jurada no programa Amor & Sexo, apresentado por Fernanda Lima.

Mas, Dadá sabe que a vida precisa de pausas. “É que a gente não se ouve. O corpo está cansado e você não para. Se não tivesse boleto para pagar eu faria o trabalho de graça. Não tenho preguiça para calçar o tênis e ir trabalhar. É um prazer e uma bênção você achar e assumir o seu lugar no mundo. Mas é cansativo, tive até uma pequena crise de ansiedade outro dia, lá em São Paulo, porque é assim: Você escreve, vai, faz, grava e volta. Então, às vezes, a gente precisa parar para se ouvir. Fiquei tão chocada quando o Breno Silveira (1964-2022) partiu em maio. Ele passou mal, o médico disse para tomar duas aspirinas e ir para o hospital. Ele tomou três, foi para o set e não resistiu (o diretor do filme Dois Filhos de Francisco teve um infarto fulminante)”, ressalta ela.