Alline Azevedo: “Crianças dizem que querem ser como as bailarinas da Anitta. Pura diversidade e representatividade”


Dançarina principal do balé da Poderosa, Alline fala do período de pandemia em que está na Alemanha dando aulas online e workshops. Ela comenta sobre a saudade dos shows com Anitta e toda a trupe e revela histórias da estrada. E também faz questão de exaltar o mês de novembro que traz o movimento da Consciência Negra para o destaque: “A luta para derrubar de vez o racismo vai continuar ainda por muito tempo e as conquistas já mostram alguns avanços. A Consciência Negra é uma delas! Uma das causas da militância é a questão da representatividade e eu senti na pele a importância disso. Aparecer na TV ou em cima do palco sendo negra com o cabelo natural assumido, transmite força para que as demais pessoas se libertem dos padrões que estão entranhados na sociedade”

*Por Brunna Condini

Ela costuma estar sempre PRE-PA-RA-DA. Alline Azevedo, dançarina principal do corpo de balé de Anitta, tem sentido muita saudade da rotina e da energia dos shows com a Poderosa. “Ainda não temos previsão de agenda de apresentações. Mas não vejo a hora de voltar para os palcos! Vamos torcer para essa vacina (para combater a Covid-19) sair logo para podermos voltar às nossas vidas e também nos divertir sem medo de ser feliz”, afirma.

Alline Azevedo e Anitta em momento do show: “não vejo a hora de voltar para os palcos! Vamos torcer para essa vacina sair logo para podermos voltar a nos divertir sem medo de ser feliz” (Divulgação)

Mas hoje, além de pensar na diversão e na volta das atividades, Alline faz questão de falar do movimento de Consciência Negra, que teve sua data nacional celebrada na última sexta-feira (20), mas segue promovendo ações e campanhas de conscientização até o final de novembro. “A luta para derrubar de vez o racismo vai continuar ainda por muito tempo e as conquistas já mostram alguns avanços. A Consciência Negra é uma delas! Uma das causas da militância é a questão da representatividade e eu senti na pele a importância disso. Aparecer na TV ou em cima do palco sendo negra com o cabelo natural assumido, transmite força para que as demais pessoas se libertem dos padrões que estão entranhados na sociedade. Quantas mensagens eu recebi de mulheres principalmente, dizendo assumirem o cabelo natural, crianças dizendo que queriam ser iguais às bailarinas da Anitta…olha a importância de se ter figuras negras em todos os lugares”, aponta.

Ela revela ainda, que sentiu recentemente o preconceito na pele mais uma vez. “Foi durante um voo internacional. Pedi um copo de água para a aeromoça e ela me ignorou, pedi novamente e mais uma vez fui ignorada. Pedi para a Melissa, outra bailarina de pele branca pedir a água, no mesmo instante a comissária trouxe para ela a água e o meu pedido foi esquecido”, conta. “Ser seguida em loja, ter um atendimento meia boca, já vi gente me tratando mal e ao saber para quem eu trabalhava mudar da água para o vinho. Isso acontece todos os dias. Essa é a importância de derrubar de vez essa sociedade racista. Eu espero que resulte em uma sociedade igualitária onde a cor da pele não seja uma barreira”.

Trajetória
Nascida em Brasília, a bailarina conta que começou a dançar como terapia. “Me mudei para o Rio de Janeiro com 2 anos. Nunca tivemos uma vida luxuosa, mas também nunca passamos necessidade. Mas quando meu pais se separaram, a nossa vida virou do avesso e para não surtar, comecei a dançar. Minha mãe de desdobrava em mil para poder me acompanhar nas aulas de dança, em uma escola em que eu tinha ganhado uma bolsa. Ela ficava comigo até as 22h:30, na Zona Sul do Rio esperando a última aula acabar, depois demorávamos mais de uma hora até chegar em casa, e no dia seguinte às 6h ela já estava de pé para trabalhar e repetir tudo de novo”, relembra. “Quando comecei na dança de salão, em 2007, aos 13 anos a maioria das pessoas que estavam lá eram bem mais velhas do que eu. Isso foi um choque de amadurecimento. Passei de aluna mediana à uma boa aluna, comecei a estudar inglês sozinha porque alguns dos meus amigos falam inglês e eu achava isso um máximo. Foi uma fase de grande importância na minha vida, aprendi muito. A dança me salvou de uma possível depressão, foi minha válvula de escape no meio de uma turbulência na minha vida, tudo isso graças à minha mãe. Se não fosse por ela se sacrificando e me incentivando eu não teria conseguido”.
E completa: “Aprendi a ser mais forte com a dança, a não desistir no primeiro obstáculo, a confiar nos meus instintos e não ter medo de me expressar, de ser eu mesma. Eu aprendi a me amar! E também a ter mais empatia pelo próximo, as minhas dificuldades e limitações não são as mesmas das outras pessoas”.
A dança traçando o destino
Na trupe de Anitta desde 2013, a artista admite que hoje seus planos são cada vez mais simples e estão diretamente relacionados a poder exercer seu ofício: “Eu não tenho um sonho idealizado. Tantas coisas que eu nem imaginava se tornaram realidade! Meu próximo sonho, que está prestes a se realizar, é rebolar bastante em cima do palco do Coachella!”, anuncia, sobre o festival que havia sido adiado para outubro deste ano, mas foi cancelado em 2020 por conta da pandemia do novo coronavírus. A princípio, o evento está sendo anunciado para abril de 2021 e Anitta é uma das atrações.

Mas como essa carioca que sempre amou mexer o corpo foi parar entre as dançarinas de uma das cantoras mais famosas do país? “Eu dava aula em uma escola na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e lá tive contato com muitas pessoas. Me juntei com outras professoras e participamos do quadro ‘Batalha no Salto’ no Programa TV Xuxa, o que foi uma vitrine. O ex-coreógrafo na época, me convidou para uma aula, uma espécie de audição. Estávamos lá fazendo a tal aula e a Anitta entrou pela porta e disse: “Porque essa menina não está dançando no meu Ballet?”. E sete anos depois, estou eu aqui contando essa história para vocês!”.

“Quando conheci Anitta, ela entrou pela porta durante uma aula que eu fazia e disse: “Porque essa menina não está dançando no meu Ballet?”. E sete anos depois, estou eu aqui contando essa história para vocês!” (Divulgação)

Ela já acumula 14 anos fazendo o que mais gosta e que confia ser uma missão de vida. Alline acredita que a dança estimula a autoestima e a segurança. “Descobri dançando, um potencial de coisas maravilhosas. Dança é aceitação. E ela sempre esteve presente na minha vida. Antes de procurar uma escola de dança, eu fazia apresentações na escola ou nas festas de aniversário. Qualquer lugar que tinha um palco e uma música rolando, eu apenas ia. Por isso, aos 13 anos minha mãe achou um anúncio no jornal da Escola de Dança Jaime Arôxa procurando por bolsistas, e lá fui eu me jogar na audição”, conta.

“Descobri dançando, um potencial de coisas maravilhosas. Dança é aceitação. E ela sempre esteve presente na minha vida” (Divulgação)

“Fui selecionada e passava horas aprendendo todos os estilos dentro da dança de salão, que é a minha maior paixão! Eu amo funk, mas um zouk ou um samba de gafieira bem dançado faz meu coração bater mais forte. Aos 18 anos fui dar aula na escola de dança e isto foi o acontecimento que me levou à Anitta. Porque foi aos 19, que participei do programa de TV e meu caminho esbarrou no dela”.

“Já vi situações onde a exaustão tomava conta da equipe, um batidão de shows que Nossa Senhora! E em momento nenhum Anitta fez corpo mole, isso só dá motivos da gente sempre querer dar o nosso melhor!”.(Divulgação)

Até começar a trabalhar com a Anitta dava para ganhar dinheiro, viver da dança? “Olha, viver de arte no Brasil é muito complicado. Ralava muito para tirar um dinheirinho e no final só dava para pagar minha faculdade e alguns extras. Não tinha grandes responsabilidades com aluguel, nem nada disso. Mas eu conheço uma galera que consegue viver bem, rala muito! Mas consegue”.

O que aprendeu com a Anitta que mudou ou vem mudando a sua vida? Ela é mesmo muito exigente? “Aprendi incontáveis coisas com ela! Mas muitas mesmo. Anitta tem uma inteligência e uma garra que são admiráveis e isso eu levo para a minha vida. Já vi situações onde a exaustão tomava conta da equipe, um batidão de shows que Nossa Senhora! E em momento nenhum ela fez corpo mole, isso só dá motivos da gente querer sempre dar o nosso melhor!”

Ritual do sucesso

Antes de uma coreografia ir parar em um show ou um clipe, qual é o processo? “A Arielle Macedo, que é a nossa coreógrafa, vai criando e testando com o ballet, mas antes de sair da sala de ensaio Anitta analisa e se achar que tem que mudar alguma coisa ou a coreografia inteira, ela altera. Como a agenda dela é muito cheia, não é sempre que está presente nos ensaios, mas antes de finalizarmos qualquer apresentação ou coreografia ela dedica o tempo apenas para isso”, revela.

“Em apresentações importantes onde o mundo está de olho em nós, como por exemplo Rock in Rio ou algumas premiações, o ballet costuma se reunir e rezamos juntos e fazemos nosso grito de guerra” (Reprodução)

 E antes de subir no palco existe algum ritual de vocês? “Em apresentações importantes onde o mundo está de olho em nós, como por exemplo Rock in Rio ou algumas premiações, o ballet costuma se reunir e rezamos juntos e fazemos nosso grito de guerra. Porém nos shows de estrada, não pode se chamar de ritual. As vezes ficamos dançando no camarim ao som do DJ ou banda que estiver tocando antes ou cada uma com seu fone se alongando, depende do nível de animação ou cansaço”.

Na sua opinião, qual foi o show mais emocionante que vocês fizeram? “Difícil escolher uma data só, então farei meu TOP3. Teve um em 2013, em uma casa de shows no Rio de Janeiro que deu lotação máxima da casa, foi um dos primeiros shows grandes que fiz, não tem como esquecer a sensação de estar ali. Fui de uma sala com oito alunos para um público de aproximadamente 10 mil pessoas! E com certeza o Rock in Rio Lisboa em 2018. Imagina uma apresentação de funk em um festival internacional com o público vibrando e cantando as músicas, foi de arrepiar. E por último, mas não menos importante, a reprise do show do Rock in Rio 2019 no Parque de Madureira, no Rio. Onde os fãs que não tem condições de comprar um ingresso para o festival, podem assistir gratuitamente. A energia desse show foi indescritível, eu me emocionei horrores. Foi inesquecível!”.

Sobre os bastidores desta ‘estrada’, Alline também compartilha. “Eu quero escrever um livro pois é tanta história, mas tanta história que deixariam vocês entretidos na leitura por um ano!(risos). Uma que é lembrada por nós até hoje, foi a nossa ida à Borba, que é um município no interior do estado do Amazonas. A viagem em si foi uma aventura. Nós tínhamos que pegar um voo fretado até lá, exatamente na hora de um temporal com neblina. Depois, na hora do show, estava um calor absurdo e por conta das luzes do palco, os insetos tomaram o lugar. Por conta do suor eles grudavam na gente, olha foi desesperador! Mas aí chegamos no ápice da história. o show rolando e todas olhamos para o horizonte e avistamos algum inseto, que não identificamos de primeira, mas era enorme comparado aos outros, e veio voando com muita convicção em direção ao palco. Foi quando entramos em pânico, nós nos olhávamos pensando “em que direção isso está indo?”. Ele vindo e a gente naquele desespero, tendo que acertar a coreografia, espantar os insetos que já estavam ali grudando na gente e sorrir, para não deixar o desespero transparecer. Foi um sufoco”, lembra.

Dançando no exterior

Desde o início da pandemia, ela está na Alemanha com o namorado. “Dou os meus pulos em aulas online aqui, uns workshops ali. Essa mini tour de workshops pela Europa foram de grande ajuda, não só financeiramente mas também para continuar em movimento”, diz. “Esse período trouxe vários pontos negativos, isolamento social, a incerteza do que vai ser o dia de amanhã, uma onda de tristezas e perdas, por isso quando dou minhas aulas é para ser um momento para tirar do corpo toda a tensão, o estresse, a preocupação. Aqui na Europa o funk está sendo meu carro-chefe, não tem quem fique parado com a batida. Então, aquele momento é para se divertir, aprender movimentos novos, trabalhar a consciência corporal, queimar calorias, para deixar o corpo falar”.

“Esse período trouxe vários pontos negativos, a incerteza do que vai ser o dia de amanhã, uma onda de tristezas e perdas, por isso nas minhas aulas é para ser um momento para tirar do corpo toda a tensão, o estresse, a preocupação” (Reprodução)