Criadora da personagem “Moça da Sara” nas redes após maus-tratos, Ana Chiyo fala sobre humor como escudo emocional

*por Luísa Giraldo

 Ao publicar um vídeo irônico após ter sido maltratada em uma loja, Ana Chiyo não esperava viralizar nas redes sociais. Em uma espécie de desabafo terapêutico, a criadora de conteúdo imitou uma vendedora soberba, apelidada posteriormente como “A Moça da Sara“, que pressupunha preconceituosamente a condição financeira dos clientes e destratava àqueles que lhe parecessem menos favorecidos. Com um sentimento de identificação, não demorou para que os fãs pedissem à Ana que voltasse a interpretar a lojista com frequência. Atualmente, a atriz e comediante de 36 anos acumula 40 milhões de curtidas no Tik Tok. Em uma conversa exclusiva para o site, a intérprete revelou ter traçado um caminho no humor para se blindar emocionalmente das crises depressivas e para levar a leveza à vida de pessoas que compartilham de questões emocionais semelhantes às dela.

 Apesar da personagem “Moça da Sara” reunir características condenáveis, como a soberba, o escárnio e a agressividade, manifestada de forma passiva, a comediante se coloca como uma pessoa doce e retraída. Diferentemente da figura que criou para a internet, Ana explica ter dificuldades para impor a raiva e suas frustrações, o que faz com que ela se incline cada vez mais ao humor para expressar os sentimentos. Em consonância, a creator ressalta que a ideia de se voltar para o nicho de criação de conteúdo digital foi formulada durante o isolamento social, motivada como uma forma de escapismo emocional.

Emocionada, a intérprete da “Moça da Sara” desabafa sobre as crises depressivas que sofreu ao longo da vida e do longo tempo que ficou sem rir. “Durante uma crise, o meu marido me mostrou uma série besta, mas com uma cena simples que me fez dar uma risada tão boa que senti estar viva de novo. Achei que eu havia morrido por dentro de tão depressiva. O trabalho com o humor ganhou um significado especial para mim”.

Na vida, a gente está sempre tão preocupado com tanta coisa e o humor pode nos salvar, sendo ele uma besteira ou algo infantil. Mesmo com algumas críticas, a gente está leve e solto quando está ali com ele. Muita gente acha que o meu trabalho é uma besteira, mas o humor me lembra de que eu estou viva – Ana Chiyo

Origem da personagem

Segundo Ana, foram incontáveis encontros com atendentes e lojistas que a destrataram até a fama nas plataformas digitais. A influenciadora acredita que o mal tratamento está relacionado ao seu estilo mais “desarrumado”. Aliada à impressão de ser ” pequena”, as vendedoras inferem que ela é muito jovem e que não tem dinheiro para pagar pelo que deseja comprar.

A influencer Ana Chiyo abre o coração sobre usar o humor como forma de se blindar emocionalmente (Foto: Divulgação)

Ela entende que essa experiência de “azar” foi transformada em uma oportunidade “de sorte” para sua carreira profissional. “Em um fatídico dia, em que eu fui à famosa loja, na Zara, o rapaz do caixa me atendeu mal, muito mal mesmo. Fiquei com muita raiva disso e, por não conseguir falar na hora quando alguém me maltrata, decidi gravar um vídeo para internet imitando o atendente. Eu já estava gravando alguns vídeos, mas nada que tivesse feito muito sucesso. Ele viralizou muito rápido e o público amou o conteúdo e quis ver mais e mais desta personagem”, relembra.

O trabalho com o humor ganhou um significado especial para mim. A gente está leve e solto quando está ali com o humor. Muita gente acha que o meu trabalho é uma besteira, mas o humor me lembra de que eu estou viva — Ana Chiyo

A atriz recorda que as trocas com o público enriqueceram os conteúdos sobre “A Moça da Sara”, assim como a ajudaram a moldar as características e a personalidade da personagem. Para a influenciadora, a chave para o sucesso do compartilhamento de conteúdo nas redes sociais é a troca do público, propiciada pela possibilidade de tantas trocas e feedbacks e instantâneos. Sendo assim, encontrar com os fãs e escutar as experiências desagradáveis vivenciadas por eles nas lojas tornou-se uma importante parte da rotina de Ana. A partir das confidências nos comentários e pessoalmente, os seguidores passaram a sugerir próximos comportamentos a serem reproduzidos pela personagem.

Ainda assim, a comediante explica que o público demorou a entender a real mensagem abordada por ela nos vídeos. Ao mesmo tempo em que eles bombavam nas plataformas digitais, Ana recebia milhares de críticas nos comentários. Aos poucos, os seguidores compreenderam que os vídeos criticavam apenas as “pessoas ruins” neste emprego e não o ofício em si como vendedor, o que tornou a experiência “bem mais divertida” para ela.

“As pessoas começaram a me encontrar na rua e a ficarem felizes. Elas querem me contar o caos do trabalho delas e pedem para que eu imite as colegas delas e alguns comportamentos com os clientes. Hoje em dia, quando eu vou até a Zara, eles até me cumprimentam e brincam que eu sou a gerente da loja. Me sinto a dona da Zara”, brinca ela.

A atriz Ana Chiyo confessa ter sempre sonhado em trilhar um caminho no campo da atuação (Foto: Divulgação)

Advinda do compartilhamento de conteúdo durante a Pandemia da Covid-19, Ana reflete que a fama como influenciadora é algo ainda “estranho”. “Às vezes, é algo um pouco estranho. Eu penso ‘será que mereço tudo isso?’ enquanto estou gravando vídeos em casa, já que cresci vendo as pessoas famosas na TV e nas novelas. Ainda é difícil de imaginar [que sou famosa], mas eu curto muito porque sempre sonhei em trabalhar com este tipo de coisa. É muito satistafório”, identifica.

Induzida pela percepção da mãe, a comediante confessa sentir que está voltando à adolescência quando está interpretando a “Moça da Sara”. Ana atribui os comentários sarcásticos e irônicos ao descontrole hormonal da fase. Ela explica que a dificuldade em se impor a motivou a expressar os sentimentos de uma forma mais velada, através de uma postura “passiva-agressiva” e bem-humorada.

Carreira como atriz

Ana detalha não ter a formação profissional como atriz, mas confessa ter sempre desejado seguir uma carreira no campo da atuação. Nascida na cidade de Araçatuba, no interior de São Paulo, a comediante acredita que as pressões da vida adulta a impediram de realizar o sonho. A creator se mudou para a capital paulista no ano passado para conciliar melhor as demandas de trabalho.

Ao sonhar, a comediante se imagina interpretando uma “vilã cômica” de novela, que mistura uma boa dose de humor, malícia e crueldade. Com a voz e personalidade da vendedora arrogante que criou para as redes, a atriz acredita que está preparada para dar vida a uma antagonista. Ela confessou ter participado de uma série de castings para personagens em projetos audiovisuais, mas, até agora, não teve a sorte de conseguir um papel.

“Certa vez, em uma série, escreveram uma personagem para mim. Era, na verdade, uma personagem para a ‘Moça da Sara’, que seria uma atendente de loja de fato. Ela seria uma vilã em um estilo comédia. Quase deu certo, mas o projeto infelizmente acabou não indo para frente”, diz, ao se emocionar pela oportunidade. 

Criadora de conteúdo com cerca de três milhões de seguidores nas redes, Ana Chiyo, diz trabalhar temas políticos em seus vídeos (Foto: Divulgação)

Ana demorou a perceber que poderia percorrer uma trajetória como atriz no âmbito do humor. A auto descoberta se deu pela criação da lojista e, por consequência, pela consciência que o humor a afastava dos episódios depressivos, tal como uma cura emocional.

Saturação de “A Moça da Sara”

Embora sinta gratidão pela oportunidade de dar vida a “Moça da Sara” diariamente, Ana admite estar engajada em outros tipos de projeto para as redes. A inflexibilidade dos seguidores na recepção de conteúdos variados que não contemplassem seus personagens caricatos incomodou a creator durante bastante tempo.

“Quando comecei a fazer outro tipo de conteúdo, muitos seguidores pediam para que eu voltasse a fazer apenas a ‘Moça da Sara’. Isso me incomodou em alguns momentos porque eu pensava que tinha que fazer outra coisa para as pessoas não enjoarem da personagem. Aos poucos, as pessoas foram aceitando os outros conteúdos e, hoje em dia, tenho liberdade de postar qualquer coisa. Às vezes, eu acabo bolando um negócio sem pé, nem cabeça e o pessoal aceita”, confessa.

Por outro lado, a influenciadora reconhece a importância de trabalhos que marcaram a carreira de atores e atrizes brasileiros a ponto de serem reconhecidos pelas performances dos papéis. Como exemplo de “atores e comediantes pendurados” por personagens, Ana citou Mateus Solano, com o icônico vilão da novela “Amor À Vida”, Félix Khoury.

Críticas sociais veladas

Inseridos de uma forma sutil e bem-humorada, os aspectos educativos e pedagógicos circundam cada um dos vídeos gravados por Ana Chiyo sob a pele da vendedora. Afinal, a criadora de conteúdo ilumina temas políticos com uma abordagem irônica de preconceitos enraizados na sociedade contemporânea a partir de comentários classicistas. Geralmente, os seguidores se engajam na zoação proposta pela comediante e também embarcam na “onda” do personagem nos comentários.

A atriz e comediante Ana Chiyo sonha em interpretar uma vilã de novela (Foto: Divulgação)

Proporcionalmente, a influencer entende que a inabilidade de se posicionar de maneira direta e combativa a levou a transpor as opiniões e pensamentos políticos pela via do humor. Todavia, ao adotar uma postura de satirização do comportamento esnobe de lojistas, a atriz reconhece ter dificuldades de não se deixar envolver pelos tópicos trabalhados nos conteúdos.

Por não ter coragem de abordar alguns assuntos diretamente, eu dou a volta de abordar o assunto de um jeito que converse com a minha personalidade. Mas também não consigo fazer um vídeo sem opinião. Sem a consciência desta carga [política], acredito que um vídeo fica meio banal. A minha alternativa é propor uma crítica para que as pessoas entendam o que está acontecendo e comportamentos como esse — Ana Chyio.

Desde que decidiu se profissionalizar, Ana afirma ter percebido uma mudança clara de atitude e de olhar do público para os seus conteúdos. Assim, muitos dos seguidores que a acompanhavam apenas para se divertir passaram a exercitar um olhar mais crítico nas relações entre consumidores e lojistas em marcas de sucesso. Até mesmo os internautas que riam de outros elementos de seus conteúdos começaram a se engajar de maneira crítica em um debate contra o elitismo classista.

“Recebi muitos feedbacks do tipo ‘ah, eu via você na internet e odiava’, ‘achava que você era uma pessoa chata, grossa, sem noção e insuportável’. Era o que eu mais recebia. Até que algumas pessoas começaram a dizer que entenderam finalmente o motivo dos meus conteúdos. Hoje, as pessoas me dizem que passam a gostar dos meus conteúdos após me seguirem”.