*Por João Ker
O pensamento secular de que “futebol é coisa de macho” entrou em declínio com o passar dos anos e, hoje, apesar de este continuar a ser um esporte majoritariamente visto e discutido por homens, é também um âmbito onde as mulheres – assim como na política, na economia e em outras esferas de representatividade social – conseguiram abrir um espaço gradativamente maior. Claro que nem tudo é um mar de rosas, mas é só olhar as fotos abaixo registradas ontem, no Estádio Nacional de Brasília, durante a partida França e Nigéria, e é possível sentir que algo está mudando para melhor: afinal, há 35 anos as mulheres eram legalmente proibidas de praticar o esporte, quem dirá entrar em um estádio de minissaia ou short. Mas o que mudou de lá para cá e o que ainda parece estar estagnado?
Dizer que o “machismo no futebol” ficou no passado é querer tapar o sol com a peneira. Ele continua existindo e não só dentro do gramado como fora, do mesmo jeito que, infelizmente, o racismo velado também mostra as suas caras vez ou outra (basta lembrar da banana dada para Daniel Alves). Ainda assim, há uma perspectiva de que, gradativamente, tais linhas de pensamento se extinguirão. Depois de mais de meio século, o Brasil voltou a receber a Copa do Mundo e, verdade seja dita, mulheres e homens estão torcendo no mesmo nível e demonstrando a mesma paixão pela Seleção, tanto durante, quanto antes e depois dos jogos.
Mesmo com esse crescente número de mulheres que invadem estádios tanto na forma de torcedoras, como na forma de árbitras, jogadoras ou jornalistas, ainda há um pensamento latente que diz “mulher não entende muito de futebol” ou até casos em que ela é vista como um objeto sexual, algo que reflete ainda mais um sintoma geral da sociedade: “Eu mesma vou sempre acompanha de homens ao Maracanã, mas já vi uma mulher tirando foto na frente do Estádio e sendo xingada por um grupo de 20 rapazes”, comentou a publicitária Amanda Déa, 21 anos. Ela continua: “Normalmente, os caras acham que eu não entendo de futebol e ficam surpresos se eu começo a discutir sobre um impedimento e mostro que sei das regras”. A mineira Karla Caroline de Souza (22), cruzeirense de nascença e desde criança acostumada a ir em jogos no Mineirão, já sentiu o mesmo tipo de preconceito: “Não é algo descarado, mas os homens realmente ficam surpresos quando vêem que eu sou uma mulher e que entendo de futebol e sei do que estou falando”, comenta.
Para Lívia Muniz (21), jornalista esportiva que também é presença assídua no Maracanã, isso é algo que transcende o aspecto da torcedora e atinge até o profissional: “Você não vê um narrador, um repórter ou um comentarista apareceram na tela da TV porque são bonitos, mas a maioria das jornalistas que se destacam sim. A própria FIFA, quando gera as imagens dos jogos, caça as mulheres bonitas nas arquibancada e o jornalismo cria milhares de formas de reproduzi-las”, comenta. Camila Carvalho, que já trabalhou na assessoria de um dos mais importantes clubes cariocas, faz eco às preocupações de Lívia. “O machismo ainda é bastante presente, seja nas arquibancadas, dentro do mercado de trabalho esportivo e até mesmo em campo, no caso de Bandeirinhas mulheres, que, com alguma frequência, presenciam situações constrangedoras. Há momentos em que vai ser defendido que as mulheres não entendem nada de futebol, que só estão ali para “admirar” os jogadores, entre outros comentários de cunho machista. Em outras ocasiões, como em corredores de estádio ou em cantos de torcida, a mulher será tratada como objeto sexual. Isto, mais uma vez, deixa claro que o machismo no esporte é um reflexo direto da sociedade nos seus moldes gerais.”
Fundada em 1904, a própria FIFA hoje levanta uma bandeira de igualdade dos gêneros no futebol, gabando-se de lutar pela inclusão da mulher tanto no campo quanto na empresa, mesmo que isso tenha demorado mais de um século para acontecer, com a primeira mulher de seu Comitê Executivo, Lydia Nsekera, assumindo tal posto apenas em 2012. Um ano antes, Richard Keys e Andy Greys, respectivamente comentarista e narrador do canal britânico Sky Sports, foram demitidos após um áudio protagonizado pelos dois ter vazado na internet, onde ambos discutiam se a bandeirinha Sian Massey era confiável ou não no seu cargo de árbitra (eles chegaram à conclusão de que não, porque mulher não sabe nada de impedimento). Outra caso famoso é o da bandeirinha brasileira Ana Paula Oliveira, que posou para a Playboy em 2007 e desde então viu sua carreira no mundo esportivo despencar drasticamente.
Velado ou escrachado, o machismo e o preconceito ainda existem no futebol, mesmo que as mulheres já não se sintam tão pressionadas e lutem hoje em dia com a cabeça erguida, muitas vezes respondendo no mesmo tom os comentários que escutam. “A mulher tem estado mais presente em eventos esportivos, e os discursos machistas acabam sendo inibidos de alguma forma. Além disso, quanto ao mercado de trabalho, a maior presença da mulher é um fenômeno geral, que acaba acontecendo, ainda que mais lentamente, também no segmento esportivo”, observa Camila Carvalho. A jornalista Rafaella Gil (23) também acha que esse quadro está se desenvolvendo e é para melhor: “Eu moro a uns 2km do Maracanã, então cresci indo ao estádio e, melhor ainda, ao estádio do meu time. Acho que os homens estão aceitando que as mulheres gostam de futebol e gostam de ir em campo. Mas acho também que eles continuam não levando muito a sério nossa opinião futebolística em geral. Para mim, é mais fácil esse machismo no futebol acontecer em uma mesa de bar, do que no estádio, onde vai mais a galera que acompanha mesmo o esporte e é fã”, defende.
É possível notar que, aos poucos, mulheres estão clamando espaço nos campos de futebol e a atitude para encarar o machismo de frente vem se tornando menos necessária. Glória Kalil, recentemente, aproveitou o fervo da Copa do Mundo para lançar mais um manual de etiqueta, dessa vez voltado para o comportamento nos gramados e intitulado “Torcedor Chic”. Dentre os vários conselhos sábios que a autora destila, um chama a atenção: “Se torcedores resolverem receber você e suas amigas aos berros de ‘Gostosas! Gostosas!’, não reaja. Nem para demonstrar indignação, nem para aceitar a gracinha. Faça cara de samambaia e siga em frente”. Pois fica evidente pelas palavras de Glória que nem os chics estão isentos de ataques e que, a melhor resposta, é “ser superior” e não dar atenção às mentes pequenas.
Esta semana falamos sobre a moda descontraída e criativa sem comprovação de renda e feita por todos e para todos. Fomos novamente ao Estádio Nacional de Brasília corroborar mais uma vez. Vale a pena você reler o texto:
Você é ligado em moda? É um expert em tendências, em semanas de moda, comportamento e lifestyle? Pode dar um tempo em todos os pré-conceitos. Em tempos de Copa do Mundo o vale-tudo no modo de se vestir para um jogo das seleções, seja a nossa ou as dos estrangeiros, é que está na passarela. Fomos até a capital federal do nosso país, uma das maiores rendas per capitas e onde o consumo de vestuário pega fogo para ver o comportamento das pessoas na porta do Estádio Nacional de Brasília antes da partida trágica entre Portugal e Gana. O que reina é a democracia fashion. Como bem disse certa vez a consultora de moda Cristina Franco, “está na hora de os brasileiros terem mais memória. E de alguns estilistas contemporâneos pararem de se comportar como se fossem o marco zero da moda nacional. Alguns são até interessantes, mas estão no cenário há pouco tempo para se apresentarem como baluartes. Não podemos nos esquecer do Grupo de Moda do Rio, do Grupo Mineiro de Moda – este aliás, o melhor representante do japonismo fora do Japão – e também das grandes empresas de SP. Cada um em seu lugar, como diriam os franceses. Acho que é cômodo para essa nova geração esquecer do passado”. A conclusão é uma só: em dia de jogo todos os padrões são quebrados e o mix de estilos é reinante.
Cristina Franco lembrou ainda que “O Brasil hoje está com bastante visibilidade. É a Copa do Mundo 2014, as Olimpíadas em 2016, previsões bastante otimistas para a economia, reservas de petróleo e de água, enfim, a moda também vai passar a ser cobrada daqui a pouco. O mundo vai querer ver nossa moda de forma mais efetiva. E, hoje em dia, os estilistas que têm a oportunidade de falar para o mundo em nome do Brasil, não têm consciência dessa responsabilidade de mostrar todo o potencial que temos, nossa cultura e nossas características”. A moda hoje não está mais restrita a uma determinada classe social ou ao eixo Rio-São Paulo. Ecoa para todos os públicos e pulsa nas mais diferentes regiões.
Não podemos nos esquecer que a classe C é o novo foco do mercado de moda. Entre 2010 e 2011 só a classe C mostrou crescimento. Frases como esta foram lidas ou ouvidas em qualquer veículo de comunicação. Isso se não contarmos novelas da Rede Globo que tiveram fortes núcleos retratando essa parcela da sociedade que, em 2001 passou de 34% para 54% da população brasileira de acordo com o estudo O Observador Brasil 2012. Não me esqueço que, em 2012, em plena semana de moda paulistana, cujo foco são as classes A e B, o estilista Alexandre Herchcovitch, um dos maiores nomes da moda brasileira, decretou: “Quem quiser sobreviver no mercado precisa criar para as classes C e D”. Mas, esta questão é apenas para ilustrar que em uma partida de futebol todos (eu disse todos) deixam de lado parâmetros pré-concebidos e a imaginação flui para montar o seu look com paixão pelo time do coração.
Fotos: Henrique Fonseca
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