*Por Brunna Condini
“Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?”
Este trecho do poema ‘Retrato’, de Cecília Meirelles bem que poderia ser utilizado para ilustrar a impermanência de tudo na vida, inclusive dos traços, que se transformam com o tempo. Ou ainda, quando falamos de beleza e procedimentos estéticos, o trecho também poderia ser a introdução de um texto sobre uma sociedade que busca um ideal de juventude, de ‘perfeição’ e de ‘ajustes’ constantes no que diz respeito à própria imagem. Mas vale tudo na busca do ideal que se almeja?
Desde o ano passado, a harmonização facial tem estado em alta entre famosos e anônimos, que buscam através destes conjuntos de procedimentos estéticos deixar o rosto ‘mais harmonioso’. Entre os nomes conhecidos que se submeteram a ela estão Gretchen, Joelma, Alok, Kelly Key, e muitos outros. Uns satisfeitos com o resultado e outros nem tanto, como o cantor Lucas Lucco, que declarou publicamente ter se arrependido da harmonização que realizou em agosto passado, e que desde então, tenta reverter.
Desejando entender melhor o procedimento e o que move alguém a fazê-lo, o site escutou especialistas, gente que fez a harmonização e uma psicóloga para falar da ligação entre estética e autoestima. E começamos perguntando a Igor Manhães, médico dermatologista e integrante da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o que seria um rosto harmônico e equilibrado? “Existem padrões para beleza como simetria e proporções. Mas cada rosto comporta algumas intervenções que não são universais. Por exemplo: um rosto mais largo, angulado, com olhos grandes pode ter também uma boca carnuda, lábios volumosos. Mas não funciona em um rosto com olhos, nariz e proporções menores. O rosto feminino é favorecido por um formato mais triangular enquanto o masculino precisa de um terço inferior mais largo, aspecto mais quadrado”, explica.
O médico também esclarece sobre a realização do procedimento. “É simples. Seringas com o ácido hialurônico são injetadas com anestesia tópica e o próprio produto também contém anestésico. É feito de forma rápida, com poucas recomendações pós-procedimento”, diz, e alerta: “O maior risco é a injeção arterial do produto, que pode levar a necrose de uma parte do rosto”.
O dermatologista é a favor do preenchimento consciente, sem um padrão pré-estabelecido. Acredita que as pessoas perderam a mão para tentar rejuvenescer? “Acho que o descontrole surgiu justamente por uma pressão em se ter um rosto parecido com os que são divulgados em redes sociais sem uma avaliação individual. Realizar um procedimento estético não é sinônimo de estar envelhecendo. Você pode estar melhorando algo no seu rosto que vai te deixar mais bonito, não necessariamente mais jovem. Concertar um nariz, aumentar os lábios, angular a mandíbula não dão um aspecto mais juvenil. Pense em atrizes como Jennifer Lawrence ou Angelina Jolie. Ambas ultrapassaram os 30 anos e aparentam estar muito mais bonitas, mas não mais jovens”.
E para quem se arrepende da harmonização, é fácil voltar atrás? “É possível, não fácil. A enzima usada é chamada Hialuronidase, que dissolve o ácido hialurônico. Não é possível prever quantas sessões são necessárias dependendo de quanto produto foi usado inicialmente. A enzima tem um potencial muito grande de causar alergias graves. Por isso, pessoas com muitas alergias prévias não podem realizar o procedimento sem um suporte hospitalar, em caso de anafilaxia”.
Em nome da vaidade e da autoestima
Aos 40 anos, a DJ e influenciadora Taty Zatto escolheu o procedimento visando melhorar características que a incomodavam em seu rosto. “Fiz minha harmonização com a Dra. Natália Beatriz e já avisei de cara que gostaria de fazer aos poucos e tudo muito sutil”, revela. “Acho importante a gente corrigir o que está incomodando mas tudo com cautela. Eu, particularmente, não gosto do exagero, dos formatos todos iguais. Não queria ‘transformar’ meu rosto , mas sim ajustar coisas que já me incomodavam . Ainda estou finalizando minha harmonização, preferi fazer assim, bem devagar para ir percebendo os resultados e vendo de fato o que mais precisava mexer . Preenchi lábios, a mandíbula e maxilar. Agora quero corrigir as olheiras. Fazendo assim aos poucos me sinto mais segura”.
Ellen Cardoso, conhecida como Mulher Moranguinho e mulher do cantor Naldo Benny, conta que resolveu fazer o processo facial por conta das marcas naturais que vão chegando com o passar dos anos. “Comecei a fazer há um ano, já estava com 38 anos e quis começar a tratar os sinais da idade. A intenção não é mudar nada em mim, só reparar. Acho até que demorei para fazer, já que hoje começam a fazer esses procedimentos mais cedo, mas minha médica, doutora Isrraela Massena, diz que fiz no momento certo”, divide. “Fiquei muito satisfeita com o resultado. Minha intenção era algo discreto, suave, uma reparadinha no que era preciso. Como por exemplo, a marquinha do ‘bigode chinês’, que com o passar dos anos, vai ficando mais intensa, então demos uma preenchida leve. E botox também, que além de fazermos para as marcas de expressão, fazemos também para minha enxaqueca. Sofri muitos anos com essa dor e quando soube que o botox também tratava, tive outra vida”, diz Ellen, que tem ficado em casa durante a quarentena, aproveitando para se cuidar e dar atenção à filha Maria Vitória, de 5 anos.
A atriz e modelo fitness Deborah Albuquerque, 30 anos, conta que fez o procedimento algumas vezes, até ficar satisfeita. “Antes de fazer com o doutor Igor Alves, eu tinha realizado com outros profissionais da área. Alguns que fizeram um bom trabalho e outros que me modificaram um pouco, e eu gosto do meu rosto como ele é”, afirma. “O que acontece é o seguinte, sou mãe, durmo mal, já luto contra as rugas, envelhecimento, por isso quis fazer. Tenho um rosto bem simétrico, então quando fiz as primeiras vezes, acabei ficando com um lado diferente do outro. Mas quando encontrei o Igor, que é meu harmonizador hoje, ele me deixou com o ‘arco do cupido’(contorno boca), que era um sonho que eu tinha, tirou as minhas olheiras, acertou o meu botox de uma forma que não afeta minha experessão, minha carreira como atriz. Acho que o erro pode ser esse em uma harmonização, o de você colocar o gel onde não é necessário. O Igor consertou o que não tinham feito bem, e fez isso também com a Gretchen, que tinha procedimentos demais. Acho que ele deixou ela mais light. Ele é ótimo nisso”.
Na própria pele
Isrraela Massena, especialista na técnica de harmonização facial, e médica de nomes como Valéria Valenssa, Ellen Cardoso (Moranguinho), Fábio Ramalho, Lua Blanco e Lidi Lisboa, entre outros que não autorizam ter seus nomes revelados, conta que já teve problemas com sua autoestima e autoimagem no passado. “Durante muitos anos convivi com a falta de autoestima. Eu não gostava do meu sorriso, dos meus lábios, da minha bochecha, tive muita acne na adolescência e depois que elas foram embora minha pele ficou horrível com as cicatrizes. Eu não gostava do que via no espelho”, lembra. “Quando a gente não gosta do que vê, é inevitável não se sentir bem, mas aos poucos fui passando pelas mudanças que me faziam um bem danado. Hoje eu gosto demais de mim. Recuperei minha autoestima e isso me torna confiante em performar infinitamente melhor em todas as áreas da minha vida. Para alguns o autocuidado pode até parecer algo superficial, mas só quem passa por todos os incômodos estéticos e possui uma autoestima baixa sabe o quanto pequenas mudanças podem gerar uma transformação de vida. É por isso que hoje encorajo mulheres e homens a priorizarem o autocuidado. É por isso que levo tão a sério o meu trabalho. Não é só estética, vai muito além”.
O que acha desta tendência de ‘padronização’ de rostos que temos percebido? “Há uma padronização de beleza imposta pelas mídias. Mas é necessário ter bom senso em relação a cada pessoa e cada procedimento, pois cada um possui características únicas. Por esse motivo, o ideal é o planejamento facial individual onde podemos indicar de forma assertiva o que de fato seria importante para deixar a face do paciente mais harmônica”.
Como você se vê no espelho?
“Hoje são inúmeras as possibilidades de se submeter a procedimentos estéticos que prometem desde uma leve levantada no nariz até uma pele livre de imperfeições independente da sua idade. Mas qual seria o limite? Onde estaria a linha de chegada (se é que ela existe) na corrida cada vez mais frenética na busca pela imagem ideal a ser refletida?”, quem propõe a análise, é a psicóloga clínica Julia Maia, que a convite do site, discorre sobre o tema.
Qual é a relação entre esses procedimentos e a saúde da autoestima? “Sem dúvida a medicina estética pode ser uma grande aliada na solução de problemas ligados à nossa imagem. Quando escolhemos melhorar algum ponto em nós que nos incomoda ou que avaliamos ser um ponto de intervenção que nos ajudará a preservar nossa autoestima, podemos usar da tecnologia e de bons profissionais para realizar os nossos desejos de beleza. Afinal, quem não gosta de ser sentir bem diante do espelho?”.
“A grande questão que vem surgindo, me parece ser justamente a linha que separa o nosso desejo de nos tornarmos nossa melhor versão, da busca incessante por atualizações estéticas padronizadas. Como se, de alguma forma, assim como os eletrônicos, também sofrêssemos de ‘obsolescência programada’. Que encontra nas ‘atualizações estéticas’, um padrão a ser sempre seguindo para não ficarmos para trás na busca pela imagem ideal”.
A psicóloga alerta: “Quando ocorre um excesso na necessidade de se identificar com padrões de beleza e isso se torna uma necessidade que deixa para trás nossa história e nossa individualidade, acabamos por nos tornar ‘uma grande massa plástica a ser moldada e transformada’ na eterna busca por aprovação, gerando uma fonte de angústia sem fim para nós mesmos”. E orienta: “Perceber o que motiva nossas angústias diante do espelho, pode ser um movimento que indica a hora de começar a olhar para você com um pouco mais de compreensão. Sinais como sentimento de inadequação e repulsa ao corpo ou a algum aspecto ligado à sua imagem, bem como mudanças bruscas de comportamento ou humor nessas situações, podem indicar que seja a hora de buscar um profissional qualificado para ajudar a entender esses sentimentos. Nesse caso, a psicoterapia pode ser indicada como uma ferramenta no caminho do desenvolvimento da percepção de que há beleza em ser quem se é”.
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