Com show da cantora Iza, III Jantar Beneficente Sim à Igualdade Racial reuniu mais de 300 pessoas no Copacabana Palace para discutir a questão do negro no Brasil


Organizado pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), a terceira edição do evento contou com a presença de grandes nomes, como a jornalista Gloria Maria e a atriz Zezé Motta. Além disso, foi realizada a primeira entrega de prêmios a figuras públicas e organizações que contribuem para a causa negra.

O clima que dominava o Copacabana Palace na última quinta-feira, 17, era de luta e orgulho. Realizado na semana na qual a abolição da escravatura completa 130 anos, o III Jantar Beneficente Sim à Igualdade Racial reuniu mais de 300 pessoas, entre elas artistas, estudiosos e empreendedores, a fim de discutir a questão do negro no Brasil e arrecadar fundos para projetos que visam promover o fim da disparidade entre as raças. ‘’O primeiro jantar teve apenas 60 pessoas. E já era muito audacioso reunir players de diferentes setores para falar sobre igualdade racial. Esse com 300 pessoas mostra o quanto essa pauta merece ser tratada com compromisso. Estou falando de um caminho que já tem um rumo certo? Não. Estou falando em tentativas. Estou falando em chama-los para a conversa porque na medida que eles se dispõem aqui terão o compromisso de fazer as coisas na prática’’, disse a Diretora Executiva da Campanha, Luana Génot.

Luana Génot, ex-modelo e presidente da Campanha, emocionada durante o III Jantar Beneficente Sim à Igualdade Racial (Foto: Ari Kaye)

Organizado pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), o evento homenageou pela primeira vez homens e mulheres que compartilham da causa com o Prêmio Sim à Igualdade Racial. Para Luana, o reconhecimento do engajamento dessas pessoas é essencial na criação de novas oportunidades. ‘’À medida que a gente reconhece o trabalho de outras pessoas, a gente cria um novo caminho de proposta. É muito difícil termos chances, nós sabemos disso e os números não mentem, mas têm pessoas fazendo e conforme eu coloco luz sob quem está elaborando uma ideia a gente espera que esses nomes se multipliquem e acelerem a promoção da igualdade social’’, afirma.

Gloria Maria entrega prêmio de Liderança Negra para a empresária Rachel Maia. (Foto: AgNews)

O prêmio, que foi dividido em 12 categorias, celebrou o trabalho de nomes presentes desde o mundo do empreendedorismo até o do entretenimento. Os principais ganhadores da noite foram mulheres: a escritora e professora Conceição Evaristo, a jornalista Luciana Barreto, a empresária Rachel Maia e a cientista Joana D’arc Felix de Souza. Ganhadora na categoria Intelectualidade Negra, Conceição acredita que receber um prêmio como esse é reconhecer não só a luta dela como também da comunidade negra. ‘’É muito bom, eu acho que é um momento de reconhecimento, que, ao me reconhecer, também oferece visibilidade para outras mulheres negras. Eu faço muita questão de afirmar que eu nasci dentro do coletivo, foi o primeiro espaço de recepção de meus textos, foram meus pares, mulheres e homens, que começaram a disseminar a minha obra’’, disse. No entanto, apesar do aspecto positivo da homenagem, a escritora alerta para que não haja o esquecimento do fato de que o Brasil é um dos países que mais violenta mulheres negras, contabilizando, segundo o Atlas da Violência, Ipea, 63,5% de aumento de mortes apenas em 2015. ‘’Isso aqui é um parêntese. A nossa vida de mulher negra está lá fora no embate do dia a dia. A gente não pode se iludir ou se envaidecer muito porque eu acabo de receber esse prêmio aqui. Quando eu estiver lá fora, eu sou vulnerável como todas as mulheres negras são. Isso não me confere uma proteção e/ou um reconhecimento geral na sociedade brasileira’’, completa.

A violência contra as mulheres vai muito além da agressão física. No ambiente de trabalho, elas sofrem, principalmente as negras, com a disparidade salarial e com a falta de oportunidades de inserção no mercado. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 38,5% mulheres brancas ocupavam cargos de gerência em 2016. Já as negras, o número é menor ainda: somente 34,4%. No Brasil, a mulher negra ocupa apenas 0,4% de cargos executivos de alto escalão, como a presidência de uma empresa. O estudo também mostrou que, no geral, mulheres recebem 23% a menos do que um homem. Vencedora da categoria Liderança Negra, a ex-CEO da joalheria Pandora e conselheira do Consulado da Dinamarca, a empresária Rachel Maia enxerga as dificuldades enfrentadas pela negras de forma desafiadora. ‘’Os desafios foram maiores? Sim, é indiscutível, até mesmo porque são pouquíssimas mulheres presidentes. Globalmente, nós temos uma média de 5.2. No Brasil, infelizmente, eu sou a única. A gente tem que mudar esse cenário. Esse evento Sim à Igualdade é fundamental para mostrar que nós estamos aqui não de brincadeira mas através de qualificação. O conhecimento é poder. Quem se qualifica pode galgar pelas melhores posições sim’’, afirma.

Conceição Evaristo durante evento para mulheres da literatura realizado em São Paulo (Foto: Rafael Arbex/Estadão)

Assim como Rachel, as ganhadoras Conceição Evaristo e Joana D’arc também enxergam na educação um plataforma de transformação. Enquanto Conceição fortalece a voz dos negros na literatura brasileira e busca acrescentar mais uma conquista à história ao se candidatar para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, Joana faz o mesmo no exterior: uma com diploma em Letras e outra com pós-doutorado de Harvard em química. Para a escritora, o âmbito educacional é capaz de oferecer o novo e reconhecer identidades diversas. ‘’A educação pode ser extremamente conservadora e preconceituosa. Mas eu acho que ela é um dos caminhos. A educação é, sem sombra de duvidas, um dos espaços de discussão e de formação de identidade. O discursos literário entra nisso. Uma literatura que trabalhe com uma diversidade de vozes, diversidade de identidades, é uma literatura que precisa existir’’.

No entanto, para que o efeito educativo tenha impacto social, é preciso que o sistema de educação, principalmente nas escolas, modifique a metodologia. ‘’Quando eu comecei a trabalhar nas escolas, era a evasão escolar. Era aquele jovem desanimado, que achava que o máximo que eles iam conseguir era o nível técnico. É preciso diminuir o abismo entre o aluno e a universidade. Um fator importante é instigar esse espírito investigativo nesse aluno e também realizar projetos interessantes’’, explica a professora que transferiu o conhecimento da iniciação científica realizada nos Estados Unidos para as salas de aula da Escola Técnica Professor Carmelino Corrêa Júnior, em São Paulo. Segundo ela, o sistema americano facilita a integração do aluno com o âmbito da educação. ‘’No meu caso com química, você lá tem mais facilidade de acesso à laboratório, por exemplo. A questão de aquisição de equipamento a gente consegue lá em menos de três horas. Aqui, a gente depende da importação. A forma de ministrar as aulas também é bem diferente. Lá, você acaba despertando o interesse dos alunos’’, disse.

Homenagem realizada para Marielle Franco, vereadora do Rio que foi assassinada há dois meses. (Foto: AgNews)

Sem dúvidas, a força das mulheres negras esteve muito presente durante o evento. Um dos momentos mais emocionantes foi quando Luyara Franco, filha de Marielle Franco, – vereadora assassinada brutalmente há dois meses – discursou em homenagem à mãe e à luta que ela construiu durante a vida política. Com a foto de Marielle como pano de fundo, todas as mulheres negras ficaram de pé e ecoaram em alto e bom som: MARIELLE PRESENTE. Para a cientista Joana D’arc, que levou para casa o prêmio da categoria Inspiração, é importante que essa valorização do trabalho da vereadora seja mais forte do que a tentativa de silenciamento. ‘’Tem que valorizar o trabalho que ela fazia e não pode ficar impune o que aconteceu com Marielle. É preciso manter vivo tudo o que ela construiu sem ter medo, ou seja, tem que seguir em frente com o trabalho que ela realizava porque a voz dela não vai ficar calada. A morte dela tem que ser lembrada porque ela está presente. Nada disso vai ser em vão’’, declara.

Gloria Maria durante premiação do Prêmio Sim à Igualdade Racial. (Foto: Ari Kaye)

O III Jantar Beneficente Sim à Igualdade Racial, foi comandado pela embaixadora da campanha Gloria Maria, por Regina Casé e Luis Miranda. Mãe de duas meninas, Maria, 9, e Laura, 8, Gloria cumpre a tarefa de prepará-las para o mundo por meio da cultura, oportunidade da qual não pôde ter acesso quando mais jovem.  “É inevitável que elas vão sofrer preconceito. Eu não fui preparada para sofrer o preconceito e sofri porque minha família não tinha cultura para isso. Hoje preparo as minhas filhas para enfrentarem o preconceito. Elas estudam, pesquisam, viajam, sabem que tem o mundo branco e o mundo preto’’, conta. Conhecida por produzir grandes coberturas, Gloria Maria exibiu por 20 anos um black power nas transmissões para a Globo. O corte, visto como força de resistência da comunidade negra, foi substituído por um cabelo liso. No entanto, para ela, a luta contra o racismo vai muito além da estética. ‘’Cada um usa o que quer. Quem sou eu para dizer o que alguém deve usar? E eu não admito que as pessoas me digam o que eu devo usar. Você combater o racismo, dizer sim à igualdade não é uma questão de estética, é uma questão de alma”, afirma.

Regina Casé apresentando o Prêmio Sim à Igualdade Racial. (Foto: Ari Kaye)

Assim como a jornalista da Globo, Casé tem um filho negro, Roque – adotado em 2013 pela família. Durante o evento, a apresentadora compartilhou com os convidados a situação na qual o filho viveu na escola por ser o único negro. ‘’As pessoas só tocavam no cabelo dele e saíam correndo’’, disse. Ela ainda completou dizendo que no início achava que era uma demonstração de afeto, mas que, ao perceber que o filho retornou chorando, viu que era mais um caso de racismo.

Outra apresentadora que marcou presença no evento foi Fátima Bernardes. Indicada ao prêmio na categoria Raça em Pauta, a jornalista fez questão de agradecer em nome do programa Encontro a indicação. Fátima, que acredita que o primeiro passo para lutar contra o racismo é admitir a sua existência, acredita que programas como o Encontro devem ser usados como plataforma de representatividade. “A nossa ideia com as pautas é dar visibilidade, é dar voz, porque não sou eu quem pode falar sobre os problemas do racismo. Quem deve falar são as pessoas que sofrem com ele”, declara.

A atriz Zezé Motta, que estava indicada na categoria Inspiração, brinca com os fotógrafos no tapete vermelho. (Foto: Ari Kaye)

Uma coisa o evento deixou claro: ainda há muito caminho pela frente e que a luta não será fácil. Afinal, o Brasil foi um dos últimos países da América Latina a abolir a escravidão. ‘’ “Como pode um país tão miscigenado ser racista? Por isso, tem horas que dá um desânimo. É muita luta”, disse Zezé Motta, que estava indicada na categoria Inspiração. A eterna Xica da Silva ainda completou dizendo que são iniciativas como o III Jantar Beneficente Sim à Igualdade Racial que dão esperança para todos que participam da causa. ‘“Quando o seu trabalho nessa batalha pela igualdade, contra o racismo, é reconhecido isso dá até um novo fôlego para continuar”, afirma. O evento ainda contou com apresentação da cantora Titica e Iza, que cantou clássicos como ‘’Olhos Coloridos’’, de Sandra de Sá, e o novo single Ginga, parceria com Rincon Sapiência. Que noite!