*Por João Ker
Quem passou nesta noite de segunda-feira (04/08) pela calçada do Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, teve uma surpresa: um mini-palco com um casal de dançarinos seminus rodeados por holofotes e um som estridente tocando em meio a um aglomerado de curiosos, repórteres e celebridades. O divertido trambolho ocupava a frente do Teatro Oi Casa Grande e sinalizava que todos estavam à espera da estreia da versão teatral de “220 Volts”, estrelada, escrita e co-dirigida por Paulo Gustavo.
Ao se aproximar um pouco mais, era possível notar que entre os dois bailarinos estava Tatá Werneck. A nova sensação humorística do MultiShow se espreme no palquinho enquanto dança de forma cômica, sendo posteriormente acompanhada por Narcisa Tamborindeguy e Fiorella Mattheis. Passando o fuzuê e entrando no teatro, produtos como camisas e almofadas estampadas com a marca “220 Volts” são disponibilizados na lojinha, numa levada Broadway, assim como máscaras das famosas personagens criadas pelo humorista de Niterói que conquistou o Brasil nesses três últimos anos. E, ao Encerrar o pocket show externo, chega a hora de o espetáculo nos palcos dar início, com um aquecimento proporcionado pelo DJ set de Jesus Luz.
Fotos: Alex Nunes
Mas, antes de Paulo Gustavo e suas várias perucas começarem a entreter o público, eis que surge no palco Marcus Marjella, que sem dúvida merece sua parcela de atenção ao destilar um mix de piadas repletas de alfinetadas à plateia e à imprensa presente. Os comentários sobraram até para o protagonista, que teve a sua vertente de interpretar personagens femininas “criticada” pelo amigo – e por ele próprio – durante o espetáculo. Apesar de não ser a estrela principal do palco, Marcus alcança ápices cômicos com eficiência e humor próprios, mostrando que tem potencial para ser bem mais do que um coadjuvante.
É hora do show. A primeira persona a aparecer é A Famosa e após um vídeo de introdução tão engraçado quanto as falas, onde ela comparece cercada por paparazzi e uma legião de fãs no backstage de algum megashow. A estrela surge e começa logo a fazer a coreografia de um medley com os maiores hits de Beyoncé. “Diva”, “Girls”, “Grown Woman”, “Baby Boy”, “In Da Club”, “Crazy In Love” e até a surpresa do “Ah, Lek Lek Lek” que apareceu no Rock In Rio são perfeitamente executadas, com direito a bailarinos, peruca e ventilador no cabelo. Afinal, agora que o orçamento é maior, nada impede que Paulo Gustavo se aproxime ainda mais de sua diva-mor. E é notável o tanto quanto ele é fã da esposa de Jay-Z: as referências são tão exatas que durante as performances ele ainda consegue fazer sutis alusões à épica apresentação da cantora no Super Bowl através de figurino (um pouco mais purpurinado, é claro) e imagens no backdrop que ajudam a manter o tom de humor do espetáculo com alguns movimentos propositalmente desengonçados. Não que isso seja uma grande surpresa, até porque Paulo já vem arrasando em coreografias beyoncéscas há anos no “220 Volts”.
Paulo Gustavo dançando “End Of Time” no “220 Volts”
Bem, um veredito oficial da própria Beyoncé por enquanto não existe, mas, se serve de consolo, o número agrada em cheio uma das maiores popstars brasileiras atuais e amiga pessoal de Paulo, Anitta. “Cada comediante tem seu próprio estilo, mas ele tem um sarcasmo exagerado que é muito característico. O que eu acho surpreendente é a sua versatilidade: ele atua, canta e dança MUITO!”, enfatiza a cantora, que também é fã de carteirinha – e copycat ocasional – de Bey. “Ele imita as coreografias todas direitinho!”, continua, embasbacada por não saber que o humorista tinha essa vertente dentro de si. E até Marília Pêra faz coro com a Poderosa e, com sua sabedoria de anos de showbizz, vaticina a pluralidade de Paulo Gustavo: “Ele é muito preparado e consegue ser incrível como diretor, intérprete e bailarino. Uma produção impecável!”.
Fotos: Divulgação
Depois de chiliques e comentários antipáticos espalhados aos quatro ventos, A Famosa vai embora e é hora de aparecer A Feia. Anunciada por um vídeo que apresenta os diversos padrões de beleza desde o início dos tempos, ao som de “Vogue” da Madonna, ela chega e se compara aos ícones atuais, tais como Angelina Jolie, Gisele Bundchen e Cara Delevingne. Abuso. A personagem é boa e rende ótimas risadas do público, quase se comparando à próxima esquete, uma das mais famosas do repertório de Paulo Gustavo: a Senhora dos Absurdos. Com uma breve introdução escrachada de Marjella, ela chega cheia de pompas e destila todo o seu veneno crítico contra o quê ou quem aparecer pela frente.
Fotos: Divulgação
É aí que mora um dos talentos mais singulares de Paulo Gustavo como roteirista. Claro, a maioria de suas personagens têm aquele tom satírico e histérico que as define, mas basta prestar um pouco mais de atenção às piadas e você percebe uma crítica social latente em todas elas, disfarçadas pela melhor forma de cooptação conhecida: o humor. Além da obviedade da homofobia, ele passa por assuntos vigentes e atuais, como a Greve de Professores, a truculência da Polícia Militar, o aumento do preço da passagem, a imbecilidade de alguns programas televisivos e até o preconceito que existe entre diferentes “tribos” de homossexuais. É que pensa Fiorella Mattheis, sua colega no programa “Vai Que Cola”: “Paulo tem um mau-humor escrachado que critica e entretém; é um bate e assopra muito dele”.
Voltando ao show, a Senhora dos Absurdos sai depois de fazer grande rebu no palco e dá vez à apresentadora “Maria Alice”, que se não é tão genial, tem seus momentos como uma versão mais avoada ainda de Ana Maria Braga, sem Louro José. Nessa mesma linha, irrompe cena adentro a Vagaba. Apesar de ambas não mostrarem o suprassumo do texto de Paulo Gustavo, elas servem para mostrar a versatilidade do rapaz como ator, que consegue abaixar o tom e mostrar facetas completamente diferentes umas das outras.
A última personagem feminina a aparecer é a suburbana Ivonete, que em sua versão teatral não é afrodescendente, mas ainda ama uma boa cervejinha nos fins-de-semana enquanto faz churrasco na laje. Fechando com chave de ouro, ela sobe ao palco com mais um figurino deslumbrante feito por Fause Haten, dessa vez vestida como madrinha de bateria. Depois de uma breve xoxada de André Marques – que recebeu gongadas sobre a sua dramática perda de peso -, o show encerra com o comediante mostrando sua faceta de cantor e entoando “O Que É, O Que É” de Gonzaguinha.
Fotos: Divulgação
“A grandiosidade da produção só soma ao trabalho dele”, comenta a amiga Samantha Schmütz ao final do espetáculo. E realmente, se Paulo Gustavo já conseguia fazer grande sucesso com pequenas produções e cenários minimalistas, a cenografia de Abel Gomes engrandece o conjunto da obra, sem engolir o ator no palco, mesmo em meio aos enormes telões de LED que simulam da Praia do Leblon a uma discoteca. Sim, o moço sempre consegue se destacar e mostrar ao que veio. “Só ele faz isso que ele fez. É por esse tipo de peça-show que o Paulo é o melhor showman no Brasil”, elogia Ingrid Guimarães. Talvez a declaração seja um pouco exagerada, mas ela justifica. “Ele tem um carisma surpreendente e sacaneia tudo, até ele mesmo. Sem falar que ele faz mulher melhor que a gente!”, continua. Com a peça “220 Volts”, Paulo Gustavo se prova um astro dos palcos que, no panorama humorístico nacional, tem tanta habilidade e credibilidade como a sua ídola Beyoncé.
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