Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello falam sobre o delicioso baú de referências em “Crazy For You”


Em bate-papo exclusivo com o HT, o casal de estrelas conta preciosidades sobre o fabuloso musical em cartaz no Rio: “É como uma Sessão da Tarde!”

* Com André Vagon

A primeira impressão que se tem quando se assiste a “Crazy For You” – o musical estrelado por Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello no Teatro Bradesco – é a de que cada detalhe soa imensamente familiar, com a sensação de se já ter visto aquilo tudo em algum lugar do passado. Mas, antes que alguém se apresse em pensar que isso é um ponto a pesar, não, nada disso. Definitivamente essa talvez seja a melhor qualidade do espetáculo, entre todos os seus méritos (que não são poucos), e a percepção de que cada detalhe remete a apetitosas memórias é equivalente a uma garfada de macarronada da mamma em um almoço de confraternização dominical. Ao longo das duas horas e meia de espetáculo, várias gags, situações, coreografias, cenários e atuações lembram deliciosamente algumas cenas que perduram no imaginário, a maioria imortalizada pela Metro Goldwyn-Mayer, o estúdio que definiu os parâmetros de excelência desse gênero no cinema.

"Crazy For You": espetáculo com sabor de nostalgia (Foto: Divulgação)

“Crazy For You”: espetáculo com sabor de nostalgia (Foto: Divulgação)

Este musical, concebido a partir de uma colagem de músicas de George e Ira Gershwin – um dos pilares da música americana no Século XX –, é um primor, transitando entre o Velho Oeste e o mundo do show bizz na Nova York dos anos 1930. E o roteiro simples, ao invés de desmerecer o resultado, só colabora para que o sorriso no canto da boca se mantenha durante toda a encenação. “A peça tem essa coisa meio ‘silly’ mesmo, bobinha. É como se estivéssemos diante da tevê, conferindo um daqueles filmes antiguinhos que sempre revemos cada vez que passa”, ressalta Jarbas, ele mesmo trazendo para o palco uma composição em que se espelha em dois ídolos da sétima arte: Jerry Lewis, com seu jeito abobalhado, e Gene Kelly, do qual extrai não apenas o estilo acrobático de dançar, mas a postura nefelibática de quem está em um mundo só seu, de preferência alguns quilômetros acima das nuvens. “Vejo semelhanças entre esse lado sonhador do meu personagem, o Bobby Child, e aquele emblemático trecho de ‘Cantando na Chuva’ (Singin’ in the Rain, de Stanley Donen e Gene Kelly, 1952, MGM), em que Kelly orbita um planetinha só dele”, confessa o ator e bailarino.

Cláudia e Jarbas à frente de grande elenco: "Crazy For You" equivale a um delicioso almoço de mãe numa tarde dominical, resgatando memórias (Foto: Divulgação)

Cláudia e Jarbas à frente de grande elenco: “Crazy For You” equivale a um delicioso almoço de mãe numa tarde dominical, resgatando memórias (Foto: Divulgação)

Claudia, por sua vez, também reconhece que a peça tem esse quê de american kilt. Para criar sua Polly Baker, ela evoca características da mocinha caipira de “Ardida Como Pimenta” (Calamity Jane, de David Butler, 1953, MGM), cuja história se passa em plena corrida do ouro, com antológicos embates entre os personagens de Doris Day e Howard Keel. “Procuro imprimir uma leitura fofa à minha versão da protagonista, mais bruta no original, já que é a única mulher que sobrou neste vilarejo decadente e empoeirado, que insiste em ficar de pé mesmo após o esgotamento do garimpo”, afirma a estrela. Mas seria impossível também não se lembrar de Betty Hutton em “Bonita e Valente” (Annie Get Your Gun, de George Sidney e Busby Berkeley, 1950, MGM), o roteiro com músicas de Irving Berlin que foi levado à telona apenas quatro anos depois de estrear na Broadway, com Ethel Merman à frente do elenco. Assim, o caminho de figurino encontrado por Fabio Namatame para dar vida a Polly vai mais pelo figurino de Annie Oakley nessa última obra do que o visual tipo “Daniel Boone” de Day na primeira, reforçando esse patchwork de referências. Aliás, o figurino como um todo é sensacional, e seria injusto não mencioná-lo, assim como a feérica cenografia de Duda Arruk e o light design de Wagner Freire, todos impecáveis.

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Mas, a constatação de que “Crazy For You” abusa de arquétipos não para por aí: as cenas iniciais e finais, passadas em uma Nova York art déco também trazem à tona o escapismo típico das produções realizadas durante a Grande Depressão, com um misto de alegria e glamour estilizados, perfeitos para dar vazão à demanda das massas. E, óbvio, existe na peça a mesma pitada daquela sofisticação encontrada em filmes que revelam o backstage do teatro rebolado, como “Les Girls” (idem, de Gene Kelly, 1957, MGM) e “Victor ou Victoria” (Victor/Victoria, de Blake Edwards, 1982, MGM), com presença de situações parecidas. Nessa pegada, até Bela Zangler, o produtor teatral encarnado com maestria por Marcos Tumura, também é uma colagem de variantes codificadas por Hollywood a partir do estereótipo do empresário com ascendência europeia, desde quando Florenz Ziegfeld, o nome por trás das Ziegfeld Follies, seduzia platéias com seus espetáculos exuberantes. O André Cassell (John Rhys-Davies), de “Victor ou Victoria”, e o Max Bialystock (Zero Mostel), de “Primavera para Hitler” (The Producers, de Mel Brooks, Embassy Pictures e outros, 1967), são exemplos disso.

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Na verdade, até a origem de “Crazy For You”, que estreou na Broadway em 1992 com texto de Ken Ludwin e, no ano seguinte, foi indicada a nove categorias no Tony, (tendo abiscoitado três delas, inclusive o de ‘Melhor Musical’), remonta à outra peça, se baseando em “Girl Crazy”, de 1930, que foi levada às telas três vezes. A mais famosa, de 1943 e homônima, foi encabeçada por Judy Garland e Mickey Rooney em um período em que a jovem dupla ditava as regras na MGM, quase levando o coreógrafo Busby Berkeley – que co-dirigiu a película com Norman Taurog –, à loucura, já que ele, apesar do gênio tempestuoso, era obrigado a engolir os dois astros em função da bilheteria de seus filmes.

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Mas, apesar do roteiro esquemático e dos arquétipos pululando no palco, não é uma peça fácil de por de pé. Além de todos os recursos técnicos necessários para levantar a produção e dos ensaios exaustivos, Cláudia ressalta a importância da preparação vocal, que lhe consumiu uma boa dose de esforço: “Sou naturalmente contralto, e o personagem é soprano. Tive de ensaiar muito com Marconi Araújo (o diretor musical e vocal) e treinar, treinar, treinar. Trabalhar a extensão da voz consumiu um grande tempo, mas fico feliz com o resultado”. Nesta primeira adaptação brasileira para um musical de sapateado da Broadway, um time de bambas se encarrega de abrilhantar a realização, que conta com a direção geral precisa de José Possi Neto e a competente versão para o português de Miguel Falabella. Além disso, a coreógrafa Susan Stroman, responsável pela coreografia original, enviou ao país Angeliquello – profissional com extensa folha de bons serviços prestados ao teatro – para dirigir os números musicais. Foram três meses de ensaio, dos quais Claudia se orgulha: “Não é fácil cantar, dançar e interpretar ao mesmo tempo. É preciso ser ator o tempo todo e incorporar o personagem do começo ao fim”. Essa observação tem tudo a ver. Tanto ela quanto Jarbas conseguem a dificílima proeza de conjugar as três coisas, já que o caminho mais comum seria esquecer os trejeitos de Polly e Bobby nas cenas coreografadas.

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O elenco de bailarinos-atores, aliás, nem sempre consegue manter esse pique, abrindo algumas vezes mão da máscara de Zé Buscapé na hora de saracotear pelo palco. Mas tudo bem. O resultado do conjunto é tão deslumbrante que esse mero detalhe passa despercebido do público, que se encanta com o show, mesmo que nem sempre tenha familiaridade com o repertório dos irmãos Gershwin. “É delicioso constatar que a plateia mais velha se surpreende na hora em que, durante várias passagens, surge uma ou outra canção daquelas que marcaram sua vida. Mas é natural que, na renovação de público, nem sempre os expectadores conheçam as músicas”, diz Claudia, completada por Jarbas: “Esse reconhecimento não importa. É tudo uma deliciosa Sessão da Tarde. Lembro quando era criança e assistia a um filme nesse horário vespertino da tevê. Eu podia até não conhecer a história daquela produção, nem os atores, mas me via seduzido, assim como o público fica na cadeira quando vê o espetáculo”. Claudia arremata: “Essa é a magia”.

O espetáculo fica em cartaz no Teatro Bradesco até dia 1 de junho e reestreia no Vivo Rio, do dia 6 a 29 de junho.

"Crazy For You" o time afinado de bailarinos e sapateadores faz a alegria da plateia (Foto: Divulgação)

“Crazy For You” o time afinado de bailarinos e sapateadores faz a alegria da plateia (Foto: Divulgação)

* André Vagon é coreógrafo pós-graduado em psico-motricidade, diretor de cena em eventos corporativos e desfiles, estudioso e professor de dança, tendo atuado por mais 20 anos como bailarino profissional. Crítico de dança do site, para ele a vida é puro movimento

Serviço

Crazy For You

Teatro Bradesco

Av. das Américas, 3.900/Lj 160- Shopping Village Mall – Barra – Rio

Tel: (21) 3431-0100

De 16 de maio a 01 de junho

Horários: sexta, às 21h30; sábados, 21hs e domingo, 18hs

Classificação: livre

Duração: 2h30min, incluindo intervalo de 15 minutos

Ingressos a partir de R$50,00

Pontos de venda

Bilheteria Teatro Bradesco: de terça a domingo: 13h às 19h

Site: www.ingressorapido.com.br (a compra pode ser feita até duas horas antes do evento)

Call Center: 4003-1212 (de segunda a sábado, das 9h às 22h, e domingo, das 12h às 18h)