Nem o frio, a chuva e o fato de um evento ser realizado no meio da semana poderiam ter impedido que o Circo Voador lotasse na noite desta quarta-feira (1º de julho). O motivo? A Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual – CEDS Rio armou um megashow com nove artistas para lançar sua campanha “CEDS – A sua voz na luta contra o preconceito”, que começa a circular hoje por jornais, revistas, ônibus e canais de TV, com várias celebridades, todas fartas – assim como boa parte da sociedade – dos crimes de ódio que vêm acontecendo pelo país.
“Essa é a nossa principal campanha do ano. Queremos que a sociedade se una mesmo contra o preconceito, que levante a voz quando constatar algum caso. Vamos ter cartazes circulando por 9.000 ônibus, em unidades de saúde, jornais e por toda a cidade”, conta Carlos Tufvesson, que há quatro anos está à frente da CEDS como coordenador. “O objetivo é que as pessoas parem de pensar ‘ah, mas esses militantes inventam os casos e os crimes’ e vejam que isso é uma realidade, infelizmente, e que ela deve ser combatida”, completa.
Tal campanha conta com as participações de Glória Pires, Paolla Oliveira, Alexandre Borges, Bruno Gagliasso, Thiago Martins, Mateus Solano, Stênio Garcia, Marcos Pasquim, Betty Lago e Antônio Pitanga. À sua maneira, cada um desses astros conhecidos do público levanta a voz contra todos os tipos de preconceito, seja ele de orientação sexual, raça, classe social, religião etc.
Campanha da CEDS contra a homofobia
O momento para tal campanha não poderia ser mais propício. Ainda no mês passado, duas pessoas no Rio de Janeiro sofreram por intolerância religiosa: uma menina de 11 anos, que foi atingida por pedras na cabeça ao sair de um ritual de candomblé; e, três dias depois, um médium do Centro Espírita Frei Luz foi torturado e brutalmente assassinado, na Taquara. Isso sem falar na campanha “Jovem Negro Vivo”, que atenta para o fato de que 77% dos jovens mortos no país são de origem afrodescendente, além dos inúmeros casos de homofobia que ocorrem sem registro ou queixa oficial na polícia. Logo, unir a classe artística em prol de causas sociais como essas parece não só apropriado, mas essencial.
“Poder usar a nossa voz para o bem é fundamental”, comenta Fernanda Lima, a mestre de cerimônias da noite. “Temos que combater qualquer tipo de intolerância. Essa campanha tem total importância na luta contra o preconceito, que já parece enraizado em partes da nossa sociedade. O triste é que quando pensamos que as coisas estão mudando e as mentes das pessoas estão se abrindo, vemos que não é bem assim… “, diz a modelo e apresentadora.
Fernanda, que sempre levantou a bandeira a favor da igualdade, ainda completa: “Hoje em dia está até difícil você se pronunciar sobre algum assunto sem sofrer uma contra-resposta inteligente, que, às vezes, o deixa até sem argumento. Por isso que não gosto de me envolver em política, porque também nunca sabemos o dia de amanhã”. Mas, na opinião de Fernanda Lima, algo injustificável é usar a religião como base de defesa para crimes de ódio. “Isso é pura falta de informação. A religião está sendo deturpada! Até porque, se você for ler a Bíblia, não é exatamente isso que está escrito…”, ressalta.
Uma das principais atrações do evento foi Preta Gil, defensora das causas sociais e uma das maiores musas LGBT do país. Durante o evento, a cantora ressaltou a amplitude universal da campanha e a importância de usar a voz para combater a intolerância: “Nós que estamos nos apresentando aqui não representamos apenas a classe artística, mas a sociedade. Qualquer ser humano que se solidariza com a questão está ajudando a levantar a voz contra esse preconceito que já parece enraizado em parte da sociedade, desde as nossas origens coloniais”, comentou.
Preta ainda falou sobre a importância da informação nos casos de homofobia: “É preciso respeitar quem pensa diferente da gente, mas também precisamos informar essas pessoas que não toleram a diferença. E, se a mente desse indivíduo não consegue se abrir, precisamos mostrar que o amor sempre vence no final. E o amor próprio também entra nisso. Eu me amo e me aceito do jeito que eu sou: negra, gorda, gay, bi ou o que seja”. A cantora ainda finalizou, dizendo: “Acredito que um dia teremos uma sociedade justa. Mas, agora, o momento é de luta e é exatamente isso que estamos fazendo aqui”.
Toni Garrido, um dos primeiros a se apresentar no Circo Voador, que transbordou de pessoas e energia positiva durante toda a noite, fez eco às palavras de Preta: “Algumas coisas são conquistadas com o tempo. Nessa luta, nós já conseguimos algumas melhoras, mas ainda precisamos alcançar outros objetivos. Muitas pessoas LGBT estão sendo mortas – da mesma maneira que os jovens negros têm sido assassinados nesse país”.
Quem também lembra a importante luta dos negros é Teresa Cristina, que além de se apresentar no palco do evento, ainda ressalta o preconceito exacerbado que transgêneros sofrem constantemente. “É um momento muito emblemático no nosso país, porque parece haver uma virada de mesa. O racista e o homofóbico não têm mais medo nem vergonha de mostrar seu preconceito verbal ou até fisicamente. E as pessoas estão se sentindo acuadas para fazer a denúncia, principalmente as travestis, que são vítimas de ódio diariamente”. A solução? “Não podemos nos calar. Quanto mais reprimirem, mais temos que nos reafirmar. Você tem todo o direito de ter sua orientação sexual respeitada”.
Respeito é a palavra-chave do combate à intolerância, seja ela em qual meio for, como ressalta Roberta Sá: “É muito simples: você precisa respeitar a diferença do outro, seja uma mulher, bissexual, gay, negro, artista ou o que for. Ninguém tem nada a ver com aquilo que o outro é. Algo que eu acho muito bacana dessa campanha é a frase ‘você não precisa ser gay para lutar contra a homofobia’. Acredito que as mentes que pensam de maneira igual precisam se juntar para apoiar causas como essa e é isso que estamos fazendo aqui hoje”, disse.
O efeito positivo dessa reunião da classe artística, tanto no evento quanto na campanha que será televisionada, também é visto como importante por Simone Mazzer. A diva que está lançando seu primeiro disco em turnê nacional, além de se apresentar regularmente no “Cabaré On Ice”, disse: “É o mínimo que nós podemos fazer. E eu acho que quando o público admira algum artista e o vê tomando essa posição, ele acaba se envolvendo mais com isso e procurando saber sobre o que o ídolo está dizendo”.
A noite seguiu assim: grandes artistas e vozes do Brasil defendendo o direito ao respeito e à dignidade tanto em cima quanto fora dos palcos. Além dos citados acima, Emanuelle Araújo, Pretinho da Serrinha, Mart’nália (com camisa escrita “Eu curto macumba” e cueca com as cores do arco-íris) e Zélia Duncan também se apresentaram, levando a plateia do Circo Voador a aplaudir discursos de inclusão, tudo em clima de celebração e luta.
No final, uma ideia tida na véspera por Carlos Tufvesson trouxe lágrimas aos olhos de quem estava presente. Emanuelle, Toni, Roberta, Mart’nália, Zélia, Simone e Teresa subiram juntos ao palco para homenagear Cazuza (na próxima semana serão lembrados os 25 anos de sua morte). Sob a lona que era sua segunda casa e reduto de sua irreverência artística, os artistas cantaram “Pro dia nascer feliz”, ajudados pelo coro do público.
“A vontade é que essa noite nunca acabe. A vibe aqui está acima da campanha, são pessoas unidas em busca de um futuro melhor”, comentou Tufvesson após a apresentação, também visivelmente emocionado. Sobre a homenagem a Cazuza, ele diz que convidou Lucinha Araújo para comparecer ao evento, mas a mãe do artista preferiu não ir, dada a carga emocional do tributo. “Eu não acredito em coincidências. Esse show acontecer aqui, na casa dele, uma semana antes de completar 25 anos da sua morte é muito simbólico. E essa energia positiva é quase palpável”, disse, frisando que todas as atrações da noite estavam ali como voluntárias. Ao final, Carlos aponta para o público e diz: “O país deve perdão a essas pessoas”. É, como disse Preta Gil, um dia teremos uma sociedade mais justa. Mas, por enquanto, o momento é de celebrar sem jamais se esquecer da luta que ainda vem pela frente.
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