Carolina Kasting: “Parei de me relacionar com pessoas tóxicas, não tenho mais tempo para isso”


Mostrando seu amadurecimento como artista plástica em exposição no Centro Cultural dos Correios, Carolina fala da imersão no seu processo criativo e do objetivo de ressignificar o corpo feminino em suas obras. Ela destaca e mostra o que chama de ‘vulvas da Carolina’ –  – “porque uma mulher só tem uma vulva e eu tenho várias (risos)” -, que são vasos em cerâmica de diferentes tamanhos e dimensões. Aos 46 anos, encara o amadurecimento com serenidade, mas tem certeza: “Não me relaciono mais com quem não vale à pena. Pra quê? Não tenho mais tempo pra isso”

*Por Brunna Condini

Carolina Kasting falou com a gente por videoconferência direto do seu ateliê, que fica na Casa Voa, coletivo de arte contemporânea localizado na Gávea. É lá que a atriz transforma em arte toda paixão que sente em existir e celebra sua incursão no mundo das artes plásticas e performáticas. No ar, recentemente, na novela ‘Salve se Quem Puder’, no horário das sete, na Globo, ela conta que durante a pandemia se voltou para o trabalho como artista multimídia, e expõe um recorte deste momento na mostra ‘Quando a sutileza é mais forte‘, no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro.

No trabalho, Carolina mais uma vez coloca como centro da sua arte o corpo da mulher. “É importante ressignificar esse corpo muitas vezes vítima de violência. De formas mais simbólicas, abstratas, concretas, de formas mais claras. Alguns trabalhos meus incluem a nudez. De uma maneira sublimada, como se aquele corpo tivesse quase etéreo. Como se não fosse um corpo carnal, sanguíneo. Eu mesma poso, produzo o material que performo e fotografo. Também tenho trabalhos com uma fala feminista mais clara. Toda a minha arte é feminista, não feminina. Porque o feminino vem de um conceito do patriarcado, onde se estabelece que a mulher ocupa um lugar onde deve ser feminina, dócil, frágil, sem desejos próprios, tantas vezes objetificada. Minha arte é feminista porque coloca a mulher em um lugar de representatividade. Esse lugar de dizer: sou uma artista mulher e a sujeita da minha arte, que não é panfletária, mas é feminista. Toda mulher que tem consciência do que significa ser uma mulher em um sistema patriarcal, é feminista”.

Carolina Kasting em seu atelier: "Minha arte é feminista porque coloca a mulher em um lugar de representatividade" (Divulgação)

Carolina Kasting em seu ateliê: “Minha arte é feminista porque coloca a mulher em um lugar de representatividade” (Divulgação)

A artista está em um momento maduro e suas criações refletem isso. E para o público, que está acostumado a vê-la só na TV, ela refaz seu caminho na arte visual. “Sou uma artista multidisciplinar. Tenho formação em dança, teatro e fotografia. Cheguei a um momento da minha trajetória como atriz que comecei a entender que as minhas potencialidades eram múltiplas. Hoje, eu pinto, fotografo, trabalho com arte têxtil, que está muito em alta. Nesta exposição no Centro Cultural dos Correios também vou apresentar uma instalação, em que faço um maxi tricô. Foi algo que resgatei da infância, quando eu ficava ao lado da minha avó tricotando. E é incrível essa capacidade de fazer uma performance com o próprio tecido que criei, com o áudio do poema que escrevi”, detalha a artista.

Ela conta que começou um trabalho em fotografia ainda na época analógica. “Em 2004, comecei a fazer exposições coletivas. Em 2017, uma mostra individual na Fábrica Bhering, que foi um marco pra mim. Posso dizer que a minha atriz encontrou a minha artista plástica no meio do caminho e elas seguem juntas desde então. Estou muito feliz, porque é importante essa construção de identidade para sabermos que lugar ocupamos na sociedade, o que desejamos falar, passar para as pessoas. A minha entrada na Casa Voa foi justamente na pandemia, em um momento que todos nos voltamos para dentro. Onde olhamos para nossa vida e nos questionamos sobre o que realmente desejamos, o que faz sentido”.

"Cheguei a um momento da minha trajetória como atriz que comecei a entender que as minhas potencialidades só potencializavam umas às outras. Hoje eu pinto, fotografo, trabalho com arte têxtil que está muito em alta agora" (Divulgação)

“Cheguei a um momento da minha trajetória como atriz que comecei a entender que as minhas potencialidades só potencializavam umas às outras. Hoje eu pinto, fotografo, trabalho com arte têxtil que está muito em alta agora” (Divulgação)

E completa: “Fui ao encontro da minha expressão com essa pluralidade como artista. Porque entendi que o meu lugar de fala é de uma artista mulher, múltipla, branca, privilegiada, latino-americana. Todas as minhas obras estarão falando sobre isso, sobre esse lugar que ocupo. E a representatividade que posso ter está muito ligada à minha trajetória como atriz, porque as pessoas querem saber o que tenho pra falar. E isso para mim é muito importante”.

Vulvas

Durante a entrevista, ela destaca e mostra o que chama de ‘vulvas da Carolina’ –  – “porque uma mulher só tem uma vulva e eu tenho várias (risos)” -, que são peças em cerâmica de diferentes tamanhos e dimensões. “Elas vão ser vendidas na Casa Virginia Barros, em São Paulo. Sobre o trabalho como atriz, sempre fico pensando em qual será o próximo personagem, mas tenho certeza absoluta que será muito potente. Desde o início da minha carreira, eu acredito que os personagens é que escolhem a gente. Então, acho que minha próxima personagem vai combinar com esse momento”, aposta.

Carolina revela ainda, que a produção das ‘vulvas’ foi um convite da designer de sapatos Virginia Barros. “Ela é uma profissional maravilhosa de Belo Horizonte, muito próxima do Ronaldo Fraga, que é tipo ídolo. Ronaldo também é um artista múltiplo. Virginia viu meu trabalho e gostou. Comecei a desenvolver essa série de vulvas, que, na verdade, são vasos de plantas. Nenhuma é igual a outra, tem vulva grande, pequena. A ideia é falar dessa diversidade: cada uma é única. Umas são mais abertas, outras mais fechadinhas e está tudo bem. É uma ressignificação do corpo da mulher também, porque normalmente temos a imagem da vulva como algo que causa repulsa ou pornografia ou vergonha. E transformar essa vulva em um vaso de planta, que vai acolher a vida, é dar um novo significado. É colocá-la no lugar de algo único, bonito”.

"Normalmente temos a imagem da vulva como algo que causa repulsa ou pornografia ou vergonha. E transformar essa vulva em um vaso de planta, que vai acolher a vida, é uma ressignificação" (Reprodução)

“Normalmente temos a imagem da vulva como algo que causa repulsa ou pornografia ou vergonha. E transformar essa vulva em um vaso de planta, que vai acolher a vida, é uma ressignificação” (Reprodução)

Respeito à liberdade

Para Carolina a defesa da liberdade não deve ser algo seletivo. E isso se aplica também quando falamos de posicionamento ou neutralidade dos artistas nos dias atuais diante do cenário do país. “A arte é um espaço de liberdade absoluta, por isso que os governos autoritários costumam bombardear os artistas. Tentar calá-los, tirar sua credibilidade. Os artistas trabalham neste lugar de liberdade. Como trabalho com arte e ela é esse espaço, acho que nós não podemos generalizar. Porque se definirmos um tipo de atitude como sendo a certa, estaremos cometendo um erro terrível, que é justamente o que pregamos que não se deve fazer, que é cercear a liberdade do outro”, opina.

"Se definirmos um tipo de atitude como sendo a certa, estaremos cometendo um erro terrível, que é justamente o que pregamos que não se deve fazer, que é cercear a liberdade do outro" (Divulgação)

“Se definirmos um tipo de atitude como sendo a certa, estaremos cometendo um erro terrível, que é justamente o que pregamos que não se deve fazer, que é cercear a liberdade do outro” (Divulgação)

“Então, as pessoas têm liberdade para assumir uma neutralidade. Isso depende da sua postura como ser humano, do limite que você tem em relação à sociedade. Isso sem valorar alguém como melhor ou pior, mas eu, por exemplo, tenho um limite em relação à injustiça. em relação ao genocídio da população negra, tenho um limite em relação à violência contra a mulher, à falta de liberdade. Vou me posicionar sempre. Mas essa sou eu. E a neutralidade pode ser uma opção para alguém, não estou aqui para julgar. Vivemos um momento delicado de polarização. E justamente por isso é importante sermos coerentes em nossa fala também. Então, não posso falar  em prol da liberdade e criticar alguém com posicionamento contrário. É um momento de reflexão, de não sermos tão impulsivos”.
O passar do tempo
Aos 46 anos, a artista encara o amadurecimento com serenidade. “Só envelhece quem está vivo, não é mesmo? E eu sou uma apaixonada pela vida. Pela minha arte, pelas tintas, por um texto de teatro. Então, para mim o envelhecimento faz parte do ciclo de vida e morte”, analisa. “Claro que temos algumas dificuldades em aceitar o envelhecimento, mas se você o transforma em algo positivo, melhor. Se eu estou adquirindo mais linhas de expressão no meu rosto, também estou adquirindo mais sabedoria, porque estou tendo mais vivências. Vejo o envelhecimento como uma possibilidade”.
"Parei de me relacionar com pessoas tóxicas, o que foi ótimo (risos). Não me relaciono mais com quem não vale à pena. Pra quê? Não tenho mais tempo pra isso" (Divulgação)

“Parei de me relacionar com pessoas tóxicas, o que foi ótimo (risos). Não me relaciono mais com quem não vale à pena. Pra quê? Não tenho mais tempo pra isso” (Divulgação)

“Tudo bem que têm atitudes que acabamos não fazendo mais com o tempo… (a atriz pausa para pensar no quê). Olha, não tem nada que eu tenha parado de fazer ainda por conta da idade. Espera! Lembrei. Parei de me relacionar com pessoas tóxicas, o que foi ótimo. Não me relaciono mais com quem não vale à pena. Pra quê? Não tenho mais tempo pra isso”.