*Por Simone Gondim
Inquieto, irreverente, animado e com uma gargalhada inconfundível, Milton Cunha é uma espécie de embaixador da folia. Na época do carnaval, só dá ele: na TV, brilha como repórter especial e comentarista da Rede Globo; na internet, suas frases mais marcantes viram memes; em seu canal no YouTube e em sua página oficial no Facebook, ele publica vídeos dando conselhos sobre a vida; está presente nos bailes mais disputados e ainda tem fôlego para comandar e organizar o Baile Glam, que chegou à sexta edição em 2020; como se não bastasse tudo isso, é embaixador do camarote Vivant!, no setor 4 do Sambódromo carioca. “O samba é a identidade cultural do Rio de Janeiro”, define ele.
Com mestrado, doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o paraense que chegou na Cidade Maravilhosa aos 20 anos é dono de três troféus Estandarte de Ouro por seu trabalho como carnavalesco. Com a autoridade de quem já passou por escolas como Beija-Flor de Nilópolis, Unidos da Tijuca, União da Ilha do Governador, São Clemente e Unidos do Viradouro, Milton Cunha critica o machismo que ainda existe dentro e fora do carnaval. “É uma luta constante fazer o homem entender que ele não é dono do corpo e do universo feminino. Eles não conseguem não ser proprietários. As mulheres gritam por liberdade e eles ainda se acham”, afirma ele.
A cobrança que recai sobre as mulheres para que se enquadrem em certos padrões de beleza ou de comportamento é outro ponto que incomoda o carnavalesco. Ele relembra a polêmica causada por Luma de Oliveira em 1998, ao desfilar como Rainha de Bateria com uma coleira em que estava escrito “Eike”, referência a Eike Batista, com quem a musa era casada na época. “Deus queira que chegue o dia em que cada mulher faça do seu corpo o que quiser. Se a Luma quis colocar o nome do homem dela na coleira, no pescoço, deixa ela botar. Isso faz ela feliz. E quem não quiser que não bote. E todas as que queiram botar suas carnes de fora, ponham. É preciso permitir o exercício da liberdade das mulheres”, defende ele.
Milton também apoia a postura combativa de beldades como Evelyn Bastos, Rainha de Bateria da Mangueira. “Para o bem e para o mal, essas mulheres deslumbrantes têm que usar o espaço delas para discursar. As mulheres que têm visibilidade no carnaval precisam detonar, como a Evelyn está detonando. Cada vez mais, elas vão sair nuas ou como quiserem e falando o que querem, graças a Deus”, comemora o carnavalesco.
Sobre o conservadorismo que vem atingindo o Brasil, Milton ressalta que tudo na vida é cíclico. Ele cita a liberação dos costumes nos anos 1960 e 1970, seguida do processo de cerceamento dessa liberdade, que começa com a descoberta do vírus da Aids, ainda na década de 1980. “A sociedade se move em ondas de prós e contras. É muito bom você questionar. O que eu não acho plausível é você legislar sobre o desejo do outro. O caminho do encaretamento é esse, querer mandar no desejo do outro”, explica. E aproveita para mandar um recado bem direto: “Não vejo qualquer problema de existirem os muito religiosos, os muito conservadores, os pudicos. Agora, que não venham para cima de mim e da minha galera. Assim como eles têm o direito de existir, e eu não quero que morram, espero que me deixem sobreviver, ser feliz e seguir”.
Em relação à polêmica envolvendo as escolas de samba e os blocos de carnaval provocada pela redução da verba pública para a folia da cidade, Milton Cunha lamenta. “O carioca se coloca como o fazedor do carnaval. Na hora que o carioca não tiver mais isso, acabou a identidade do povo. Não entendo como o setor público não percebe que estamos defronte da própria identidade cultural da cidade. Claro, dá muito dinheiro, mas dar dinheiro não é o aspecto principal. Dar dignidade, dar identidade, dar orgulho: é isso que o carnaval faz”, diz o carnavalesco.
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