*Por Viviane Faver, Especial para Revista Plurale
De Nova Iorque, EUA
Muitas estrelas brilham na Big Apple; porém o Brooklyn se destaca por congregar os empresários mais criativos de Nova York. Entre eles estão uma artista que cria beleza através do tricô; um fotógrafo-historiador com uma lente distinta sobre a vida local; um executivo de rede de televisão que se tornou fundador de uma convenção que defende a criatividade negra; um empresário dedicado ao empreendedorismo negro e ao empoderamento econômico; e um casal que documenta histórias negras e cultiva espaços colaborativos.
Embora tenham trilhado caminhos diferentes, todos compartilham um objetivo comum: continuar construindo – e retribuindo ao Brooklyn e às comunidades que inspiram seu trabalho.
A fundadora da CultureCon e do Creative Collective NYC, Imani Ellis (foto acima), juntou vizinhos para formar uma comunidade de comida com profissionais negros. Seu objetivo é criar espaços onde diversos jovens negros criativos na cozinha possam se tornar profissionais, sentir-se vistos e obter os recursos necessários para transformar sonhos em realidade.
Ellis nunca imaginou que sua sala de estar se transformaria em uma empresa – e desse vida a um movimento com mais de 100 mil jovens criativos, em apenas alguns anos.
“Quando eu tinha 11 anos, minha mãe me trouxe a Nova York como presente de aniversário. E eu simplesmente não conseguia acreditar! Nunca pensei que essa cidade pudesse ser uma opção para morar. Voltei para Atlanta e disse: ‘Ah, tenho que morar em Nova York um dia.’
Andando pela Rua 125, no Harlem a gente se depara com o [ antigo] Hotel Theresa, que durante os anos 1940, 50 e 60 hospedou várias figuras negras proeminentes, como Malcolm X, Muhammed Ali e Josephine Baker. Então você está de pé bem em frente ao lendário Teatro Apollo. Uma das razões que tornam o Harlem tão impactante para mim é que suas ruas são testemunho vivo de toda a nossa grande e rica história; por toda parte ainda há muitos sinais visuais daqueles que vieram antes de nós.
Ellis vê inovação, criatividade e colaboração na comunidade negra em Nova York. “É um ecossistema em constante evolução; as pessoas estão sempre vindo de novos lugares e se juntam à comunidade, para construirmos juntos. E é isso que mantém nosso ecossistema vivo e saudável. Você pode ir, por exemplo, a uma exposição de arte ou a uma festa diurna; há tantas versões diferentes do que é extraordinário… E isso, de fato, se refere à expressão artística e à individualidade. Quero que meu legado seja o fato de estar a serviço da minha comunidade e constantemente motivada a criar espaços onde todos possam ser vistos, porque fui corajosa o suficiente para ouvir a pequena voz dentro de mim, que dizia: ‘Se parece muito difícil hoje, vamos tentar novamente amanhã.”
O casal Cynthia Gordy Giwa e Tayo Giwa (foto acima), os criativos por trás da publicação Black-Owned Brooklyn, encontram inspiração em sua comunidade, Bed-Stuy, Brooklyn, e um no outro. Cynthia, ex-jornalista, e Tayo, fotógrafo e advogado, criaram uma publicação que torna mais fácil descobrir negócios locais e propriedades, além de documentar a vida negra no bairro, passada e presente..
Os dois procuram preservar histórias que costumam ser apagadas com frequência no Brooklyn, que hoje vem sendo ameaçado pela gentrificação, ou seja, processos de revitalização de áreas centrais antes degradadas que acabam por afugentar os moradores tradicionais. Com isso, buscam encorajar as pessoas a aprender mais sobre a criatividade, a alegria e a autodeterminação da comunidade como um todo, por meio da participação ativa no processo.
Cynthia é originária da Filadélfia; o que ela ama no Brooklyn é se sentir em casa. Tayo mudou-se para Morningside Heights, perto do Harlem, para estudar direito; mas assim que se formou, mudou-se para o Brooklyn, porque sentiu que pertencia àquela área. “Penso na diversidade – desde os caribenhos e os afro-americanos, que vieram com a ‘Grande Migração’, até os africanos que migraram para a América. Os afro-latinos também estão fortemente presentes. Acho que também há algo distinto nesse processo que acontece no centro do Brooklyn: o dos vivem juntos e todos têm essas conexões muito fortes. Essa diversidade na experiência negra não é necessariamente comum em outras cidades do país ou do mundo” – ressalta.
Cynthia conta que, em seu trabalho, os dois falam muito sobre autodeterminação e auto- identidade, o que ela vê muito disso na comunidade negra do Brooklyn. “Esse forte senso de autocontrole, orgulho e confiança existe. Grande parte da conversa sobre o Black Brooklyn tende a ser sobre perdas, resistência e redução de números. O Black Brooklyn que experimentamos diariamente é tão vibrante e presente, imediato e dinâmico” – destaca.
Os planos do casal para o futuro envolvem continuar contando as histórias de sua comunidade no Brooklyn, além de fazer filmes e realizar eventos comunitários intergeracionais – ou seja, maneiras relevantes de reunir pessoas que são diferentes e inesperadas.
“Queremos trabalhar para ser historiadores públicos e contar histórias sobre nossa comunidade com reverência. É importante contar essas histórias e prestar atenção às coisas que podem ser negligenciadas, para garantir que estamos elevando nosso povo de uma maneira que dê orgulho e os inspire”, afirmam.
Brandi Cheyenne Harper (foto acima) é uma artista interdisciplinar e professora de tricô. Escreveu um livro chamado Knitting for Radical Self-Care: A Modern Guide (em tradução livre, Tricotar por um autocuidado radical: um guia moderno). O livro celebra o trabalho e a vida de mulheres negras revolucionárias que impactaram sua carreira criativa e a inspiraram para ser uma versão maior e melhor de si mesma, a não viver com medo e abraçar a alegria em todas as suas formas.
Embora tenha começado a fazer arte desde muito jovem, Brandi Cheyenne Harper provavelmente não imaginou que o tricô – um ofício que aprendeu sozinha aos 15 anos – acabaria permitindo que construísse uma carreira e criasse espaços regenerativos para pessoas negras, além de estabelecer uma presença considerável nas mídias sociais, com seguidores dedicados.
Harper credita o apoio de sua mãe, de seu parceiro e de seu círculo de amigos como essencial para seu crescimento.
“Nasci em Miami, mas meus pais se mudaram para o Brooklyn quando eu tinha um ano. A comunidade me mantém aqui. Quando você caminha na Church Avenue, em Flatbush, encontra algumas das melhores comidas caseiras de diferentes partes da África – e com preço super em conta.”
Seu plano é escrever mais livros que falem sobre o tricô como forma de terapia e de criatividade. Além de pretender criar grupos de tricô regenerativos relaxantes e rejuvenescedores que se concentram e apóiam pessoas negras, usando o tricô como meio. “Estou trabalhando nisso para tornar o tricô acessível, não apenas materiais, mas tempo e recursos para reunir para fazer coisas. Tricotar é um ato que é percebido, especificamente, como um ato de meditação, de criação e de prazer.”
Amante da história e da cidade de Nova York, Sola Olosunde (foto acima) é conhecido por sua presença online, principalmente no Twitter e no Instagram, onde apresenta um portfólio que é um arquivo de fotografias no estilo vintage em sua página Black New Yorker.
Ele conta que suas fotos retratam a vida e as pessoas da cidade da qual ele se orgulha muito de pertencer. Embora ele também seja fortemente influenciado pela cultura nigeriana de sua família e pela cultura negra como um todo, suas palavras e o amor, o tempo e a habilidade evidentes em seu trabalho deixam claro que Sola é totalmente nova-iorquino.
“Quando eu era mais jovem, costumava fazer delivery. Quando entregava comida, subia no telhado só para ver a vista. Sempre pensei em como era divertido para mim, apenas ver a cidade de muitas perspectivas diferentes. Eu fiz isso durante boa parte da minha adolescência. Essa é minha experiência favorita em Nova York, porque isso não aconteceria em nenhum outro lugar.”
Sua inspiração para o Black New Yorker vem de músicas como o hip-hop e também de Marcus Garvey, que veio da Jamaica e trouxe toda essa ideia de pan-africanismo. “As pessoas ignoram isso porque Marcus Garvey não é tão falado quanto outras figuras históricas negras. Você pode dizer que aqui é onde a ideia do pan-africanismo na América se desenvolveu, e essa é provavelmente uma das contribuições mais significativas que os negros deram ao mundo, em termos de Nova York.”
Uma das realizações mais significativas para Sola Olosunde é ensinar as pessoas sobre a cidade de Nova York, sobretudo quando o reconhecem na rua e comentam alguma de suas postagens.
“Quando comecei a faculdade, queria ser professor de história. Acabei não concretizando esse objetivo, mas acabei dando aulas de histórias por fotos” – diz Sola Olosunde, que gostaria de ficar conhecido como alguém que educou as pessoas sobre a cidade de Nova York.
O CEO e fundador do espaço comunitário de trabalho Gentlemen’s Factory, Jeff Lindor, construiu sua carreira em vários setores, inclusive em políticas públicas. Ainda assim, nenhuma de suas atividades teve mais significado pessoal do que o que conseguiu realizar e construir, em seis anos em que se concentrou na Gentlemen’s Factory como seu principal foco profissional.
Segundo Lindor, o coletivo – sua missão – “não é um clube social”, mas um movimento – uma incubadora de negócios que conecta homens negros e pardos com mentalidade empreendedora.
“Temos a Skills Factory, o canal de desenvolvimento e emprego da força de trabalho, onde estamos ajudando a empregar e a treinar homens e mulheres negros, em toda a cidade de Nova York e além. Eventualmente lançaremos o equivalente feminino da Gentlemen’s Factory; estamos trabalhando com organizações lideradas por mulheres executivas e líderes, para descobrir como desenvolver isso. Assim, esse enorme ecossistema aborda as diferentes áreas que precisam ser fortalecidas dentro de nossa comunidade ” – acentua.
Embora esse empreendimento gerador de receita multimilionário já tenha alcançado um crescimento extraordinário e tenha um imenso impacto social, a empresa e seu fundador estão apenas começando, de acordo com a visão e os planos de Jeff Lindor.
“Nasci no Haiti e vim para Nova York aos três anos de idade com meus pais, que me trouxeram para cá, com minhas duas irmãs, para termos uma vida melhor. O que me mantém aqui é que esta é uma cidade de oportunidades; então, se você construir uma obra de forma eficaz aqui, pode dimensionar qualquer modelo que quiser criar, em qualquer lugar do mundo. Acho que a comunidade negra, em Nova York, é um eleitorado muito forte e uma base econômica respeitável. Tenho o hábito de andar pela cidade o dia todo; estudo a interação humana em diferentes bairros e também adoro as diferentes arquiteturas. Me emociono só de olhar para a diversidade, o brilho e a beleza desta cidade.”
Jeff Lindor termina acrescentando que deseja cumprir sua missão na vida para colocar sua comunidade em uma posição econômica melhor do que antes – para que cada um possa se concentrar mais no elemento coletivo da experiência negra, sem sacrificar sua saúde mental ou sua família.
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