A brasileira Gabriella Argento é a palhaça que norteia o novo espetáculo do Cirque du Soleil em cartaz no Rio: “O circo, no Brasil, é uma arte que sofre, que tem seguidores e que se expande”


A artista afirmou que quando vai se apresentar no Cirque du Soleil, ela leva consigo diversas palhaças que estão lutando para ter um lugar ao sol em um ambiente que ainda é machista. Além disso, a paulista contou a sua trajetória de 13 anos dentro do circo mais famoso do mundo

Em 1997, Gabriella Argento participou da primeira audição para o Cirque du Soleil no Brasil. Na época, tinha apenas cinco anos de treinamento dentro da palhaçaria e, mesmo assim, foi a única atriz aprovada. Sete anos depois, quando estava passando por um processo de separação conjugal, a artista recebeu um telefonema que mudou a sua vida. “Eu estava em casa deprimida quando um ex-aluno me ligou perguntando se eu não tinha lido o jornal ou olhado a internet. O Cirque Du Soleil havia colocado um anúncio me procurando em todos os lugares. Eles precisavam de alguém exatamente como eu, mas não me acharam porque eu tinha mudado de endereço e telefone”, contou Gabriella, que na época estava trabalhando no Doutores da Alegria e no grupo Jogando no quintal. Quando passou na audição, anos antes, ela entrou para um banco de dados e foi chamada apenas quando a companhia precisou de alguém exatamente como ela. “Precisavam de alguém que não tivesse um biótipo atlético, mas tivesse características de atletas”, explicou. A paulista nunca correu atrás de uma proposta ou enviou material extra. Atualmente, Gabriella Argento completou treze anos trabalhando no maior picadeiro do mundo.

Gabriella Argento faz parte do elenco de Amaluna, no Cirque du Soleil (Foto: Ana Clara Xavier)

No dia 28 de dezembro, o espetáculo Amaluna estreou no Rio de Janeiro e Gabriella faz parte do elenco. A atriz interpreta a ama da personagem principal que, no caso, é uma palhaça muito divertida que se apaixona por um marinheiro. A personagem foi feita baseada no conceito do espetáculo, porém a artista teve a liberdade de criar uma figura própria. “No Cirque Du Soleil, nós não temos espaço para cacos, por isso que não sou uma palhaça clássica, porque em um local normal o meu personagem pode fazer o que quiser. Esta companhia entrega um espetáculo de perfeição. Em outros circos, pensamos o tempo todo que algo vai dar errado e aqui não. Realmente não acontece nada, porque todos são muito preparados. Se eu mudar um gesto meu, altero uma cadeia de acontecimentos que preparam para o ato seguinte”, explicou.

A artista se apaixonou pelo universo do circo depois que entrou para a companhia. Antes, ela tinha um carinho único com a figura do palhaço. “Adoro fazer, porque ele nos lembra da nossa essência, antes de sermos corrompidos pelo mundo. É um personagem que sou eu sem passado e sem futuro”, contou. Depois de seus primeiro momentos no Cirque Du Soleil, Gabriella percebeu que se sentia mais em casa do que dentro do próprio teatro. “O circo possui uma atmosfera mais familiar, todo mundo está fora de casa. A colaboração aqui dentro é incrível, diferente da dramaturgia que é mais umbilical. Gosto de servir algo que é maior que eu. O que é famoso é o show”, informou.

Porém a paixão não foi à primeira vista. “A primeira vez que entrei no circo me senti mal por conta do meu corpo, não entendi o porquê de ter sido contratada. Mas esta arte sempre foi conhecida por abarcar a diferença, seja a pessoa alta, baixa, gorda, magra ou com deficiência”, relembrou. Na verdade, ela tinha sido convidada para participar do Cirque Du Soleil exatamente por ter uma estrutura plus size, diferente das outras artistas. Aos poucos, Gabriella percebeu que a competição não é algo que faz parte do vocabulário dos integrantes do circo. No caso do espetáculo Amaluna, por exemplo, existe uma atmosfera que busca colocar o gênero feminino nos holofotes e isto tornou a presença da atriz essencial. “Em um espetáculo como este, que valoriza o feminino, acho importante que uma das mulheres que mais aparece é uma pessoa normal. Porque eu sou comum, o corpo das minhas colegas de trabalho é que não são. Elas são ícones da perfeição. Isto não me incomoda”, garantiu a artista.

A artista interpreta uma palhaça e se orgulha de poder representar o Brasil, principalmente se tratando de uma carreira tão complicada (Foto; Divulgação)

Viver da palhaçaria não é algo fácil. De acordo com a atriz, ainda é uma profissão muito voltada para os homens, apesar de existir um movimento muito forte na América Latina que visa potencializar o feminino no meio. A maioria dos textos ainda são voltados para o masculino, por exemplo. A dificuldade faz com que seja uma vitória ainda maior existir um ícone brasileiro dentro do maior circo do mundo. “As pessoas vibram de verdade. Como eu passeio pela plateia antes do espetáculo, já escutei gente gritando ‘vamos lá, Brasil’ e entre outras coisas. É importante haver esta representatividade nacional dentro do maior circo do mundo. Sou uma palhaça, uma profissão que não é fácil, e achei um lugar para mim dentro do Cirque Du Soleil”, comemorou a atriz.

Gabriella Argento chegou no topo de sua carreira, em um lugar que qualquer outro artista faria de tudo para estar e, mesmo assim, cogita sair do Cirque Du Soleil um dia. Com 42, a palhaça tem consciência que não poderá fazer dez shows por semana para o resto da vida. Ela tem consciência que a palhaçaria não é sua única forma de comunicação, afinal, também é uma atriz. Os planos dela ainda são um pouco incertos, no entanto, de uma coisa ela tem certeza: voltará para o Brasil. “Quanto mais eu viajo mais quero voltar. Acredito muito em arte e educação e uma característica de outros países é que eles têm menos defeitos. Então, a arte já não ocupa um lugar tão forte como aqui. Se apresentarmos a um jovem ao seu lado artístico, isto pode mudar a vida dele. Penso em fazer algo relacionado a isto no meu futuro, é o que posso fazer pelo meu país”, contou.