*Por Brunna Condini
O ‘tiro’ foi certeiro e Jojo Todynho é a grande campeã de ‘A Fazenda 12’. Além de ter aumentado a sua, já grande, popularidade, a funkeira levou para casa 1,5 milhão de reais. Após a noite da vitória com 52,54% da preferência dos votos, na disputa com MC Biel, Lipe Ribeiro e Stéfani Bays, Jojo passou a noite em um hotel e no início da tarde desta sexta-feira (18), ao sair para compromissos, esbanjou simpatia para os fãs que a aguardavam.
Antes do anúncio da vitória, a cantora contou que achava que não ia longe no reality – que começou com 20 participantes na disputa – e afirmou que os três meses de confinamento a tornaram uma pessoa melhor e mais resiliente. Jojo brilhou em edição histórica do reality, que na final bateu mais um recorde, passando de 1 bilhão de votos e mais de 100 mil votos por segundo. A RecordTV classificou ‘A Fazenda 12’ como um de seus maiores sucessos dos últimos anos. Inclusive, a emissora confirmou ao público ter ficado 2.388 minutos na liderança (dados GSP/Kantar IBOPE) e ter contado com 8 bilhões de votos nas roças. Além disso, a atração também se destacou nas conversas no Twitter. Ao longo dos 103 dias de confinamento na cidade de Itapecerica da Serra, em São Paulo, foram contabilizados 56,3 milhões de Tweets sobre o assunto.
Humanidade à prova
O sucesso da edição pode ser atribuído, de cara, à escolha do elenco rico em diversidade: Stéfani Bays, Lipe Ribeiro, Biel, Jojo Todynho, Fernandinho, Beatbox, JP Gadêlha, Rodrigo Moraes, Cartolouco, Carol Narizinho, Luiza Ambiel, Victória Villarim, Juliano Ceglia, Lucas Maciel, MC Mirella, Raissa Barbosa, Jakelyne Oliveira, Mariano, Mateus Carrieri, Lidi Lisboa e Tays Reis. Teve jornalista, teve funkeiro com passado polêmico, participantes de outros realities, ator e atriz, ex-banheira do Gugu, modelo, miss Brasil, cantor sertanejo, influenciadora digital, youtuber, bailarina…foi um mix de histórias, gerações, nichos artísticos e personalidades bem distintas. Mas também marcou a edição histórica o confinamento em meio à uma pandemia.
Embora a produção da atração tenha tomado todas as medidas necessárias para preservar a saúde e bem-estar dos ‘peões’, a experiência do confinamento, dentro de uma necessidade de isolamento social externa, com a realidade tensa e incerta fora do reality, pode ter deixado o estado emocional de todos mais à flor da pele. “O programa estava ‘quente’ desde o começo, porque todo mundo desejava mesmo vencer, ninguém estava ali para fazer amizade. Então, como se diz no bordão dos realities ‘as máscaras caíram’ rápido, porque os participantes foram ali mostrar a que vieram mesmo. Não tem o falso discurso do moralismo, as pessoas se expõem. E nesta edição, se expuseram muito. Talvez por isso, também tenham surgido de cara tantas brigas e as chamadas ‘panelinhas’. Isso tudo faz com que a temperatura do programa estivesse em alta voltagem. E um reality necessita disso, para mostrar esses momentos para o público”, comentou o especialista em teledramaturgia e pesquisador de audiovisual Valmir Moratelli.
Com uma postura mais aberta e livre, a maioria dos participantes se mostraram mais receptivos a conviver com a diferenças de universos. E claro, os embates e discussões permearam a narrativa, com direito a fofocas, mentiras e desmentidos. Laços atados e alguns ‘nós’, quase desatados, como a questão das desavenças entre Biel e Jojo. “Para tentar entender o sucesso dessa edição em relação às outras, é importante ressaltar mais uma vez, a escolha do elenco forte, com muitas histórias pessoais interessantes, inclusive, algumas conhecidas do público, o que tornou muito mais interessante identificar esses personagens já sabendo de quem se tratam. Destaco também, a apresentação do Marcos Mion, conduzindo o programa muito diferente dos apresentadores anteriores. Tanto o Brito Jr, quanto o Roberto Justus, não se adequavam, não se acharam na apresentação do reality. E o Mion se achou. Não é a primeira vez que ele apresenta, mas agora estava mais à vontade, menos didático, mais passional. O Marcos Mion também foi um elemento importante nesta condução do programa”, conclui Moratelli.
“Outro ponto forte, foi a participação da Luiza Ambiel. Uma personagem que movimentou bastante o programa e saiu um pouco antes da metade, mas deu sua cara para esta edição. Ela é uma mulher com personalidade forte e fez uma divisão na casa, provocou uma ruptura dos grupos. Tirou aquele momento de marasmo inicial em que todo mundo está ali para se conhecer e acha que está numa colônia de férias. Foi a Luiza que fez as narrativas do programa explodirem. Seja por um lado bom ou ruim, mas para o programa foi ótimo porque a audiência acompanhou isso”.
E apesar do sucesso da atração da Record, o especialista também faz questão de analisar pontos a serem melhorados. “A produção errou em alguns momentos, inclusive com provas importantes, coisa que não pode acontecer, porque isso coloca a lisura da competição em risco, em debate, gera questionamento nas redes sociais e isso é um problema. Acredito que tenha que ser revisto para próximas edições. Não dá para ter uma prova em que não se tenha certeza de quem ganhou e ali aconteceu. Erros em um programa ao vivo acontecem, mas é importante se cercar de todas as formas para que isso aconteça cada vez menos”, aponta. Valmir também critica a escolha de alguns participantes para o casting do reality: “A escalação de alguns participantes poderia ter sido evitada. Tinha participante acusado de assédio sexual, tinha participante com transtorno psicológico, foi complicado e grave ver a maneira como os outros ali dentro lidaram com a questão, muitas vezes se utilizando disso inclusive para ir para ataques pessoais. Achei questionável. Ninguém quer ver alguém passando mal dentro de um programa e outras pessoas se utilizando deste ponto fraco para movimentar o jogo”.
Na competição que movimentou e entreteve o Brasil durante uma pandemia que escancarou ainda mais as desigualdades sociais do país, e também a urgência de reconhecimento e respeito da sua multiplicidade, a vitória de Jojo Todynho veio coroar a narrativa. “Ela ser a campeã acabou selando exatamente isso: uma edição que foi muito plural, rica de discussões. E é interessante, porque se você parar para pensar, o romance da casa, que ficou basicamente quase até o final, entre a Jaque e o Mariano, não foi uma relação que catalisou os dois a ponto de fazer com que as torcidas se unissem e levassem um deles à final. Mais uma vez, casal não ganha ‘Big Brother Brasil’ ou ‘A Fazenda’. O que faz com que uma pessoa ganhe é a empatia com o público, é ser honesto com seu jogo, é falar realmente. E a Jojo conseguiu transmitir isso muito bem, apesar de todas as contradições dela, foi verdadeira”.
O Brasil de Jojo
A entrada de Jojo Todynho em ‘A Fazenda 12’ veio cercada das expectativas com os confrontos que a funkeira poderia desencadear, já que muitos a conhecem pelo pavio curto e ‘papo reto’. Em uma competição que exigia esforço, tanto físico quando psicológico, a cantora buscava nitidamente se controlar mentalmente e emocionalmente em muitos momentos. Mas nem por isso se esquivou de conflitos, análises sobre o jogo e as atitudes de outros participantes. Mas fez amizades e mostrou empatia pela dor dos outros também.
Aliás, a amizade entre a carioca de Bangu de 23 anos – uma jovem preta e periférica, com experiência para além da pouca idade e uma história de vida que nem sempre foi medida pela régua da leveza – e Mateus Carriere – o ator paulistano de 53, que teve até aqui uma carreira de altos e baixos – contrastou e deu ‘match’. Talvez porque ambos, cada um à sua maneira, mostraram força e vulnerabilidade, escancarando a humanidade que os habita. Os dois também sabem o que é sentir-se afetado por algum tipo de preconceito.
As relações de Jojo também foram marcadas pela rivalidade, como com Biel. O clima entre os dois rendeu quase todo o programa e só praticamente no final da competição, deu uma suavizada. No entanto, ao sair na noite desta quinta-feira (17), a cantora admitiu que ela foi o seu maior desafio. “Quem mais me colocou a prova? Eu mesma. Eu queria saber se eu ia conseguir. E eu consegui. O que vem não são obstáculos, nem pedras, mas aprendizados. O nome disso aqui para mim é superação. Não perdi minha lucidez, minha força, superei meus limites. Consegui me conter em momentos que queria explodir. Pedia a Deus em silêncio: força, discernimento, mansidão, sabedoria, inteligência emocional. Esse programa foi meu maior desafio”.
Moratelli exalta ainda, a representatividade contida no resultado da disputa. “A vitória da Jojo é emblemática. A figura dela é importante porque simboliza muitas coisas envolvidas ali. É uma personagem muita rica e por isso mesmo acho que a vitória dela representa todas essas contradições do Brasil atual. A Jojo é a contradição em pessoa. Ao mesmo tempo que é desbocada, vem com valores de família. É agressiva e carinhosa. Afrontosa e de certa forma, também cautelosa nas ações”, observa. “Durante o programa Jojo foi muito falastrona, cheia de palavrões, ataques. Mas ao mesmo tempo, mostrava fragilidade, ia para a cama chorar, pedia afago dos participantes mais próximos. Foi forte e sensível. Despudorada e religiosa. Na final, quando ela pediu a palavra, todos imaginaram que ela viria com um discurso mais potente, agressivo, e de repente pediu para fazer uma oração. Jojo tem um discurso muito forte de empoderamento feminino, de chegar junto, de se colocar, mas também se mostra conservadora em alguns pontos. Ela recua em vários momentos. Por isso que eu digo que essa vitória representa todas essas contradições do Brasil 2020”.
E completa: “Jojo está se colocando e traz várias bandeiras. Ela é funkeira, veio do subúrbio, mulher, negra, fora do padrão estético televisivo, então ela traz muitos signos para a discussão. Ela performa suas bandeiras no seu próprio corpo. Está estampado nela o que representa. Ela é isso e respeite isso. É importante a Jojo na TV porque escancara muitos preconceitos a serem combatidos: o racismo, o sexismo, o preconceito em relação aos padrões estéticos, ao funk, contra a favela. Por ser um símbolo da mulher periférica, a Jojo grita a plenos pulmões o que a sociedade branca, hétero patriarcal, de classe média, tenta ignorar: que o Brasil tem uma pluralidade que precisa ser incorporada e respeitada em todos os meios”.
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