Boni opina se a TV aberta vai durar muito tempo e questiona recorrência a remakes: “Tem obras que não se deve fazer”


No livro”O Lado B do Boni”, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, conhecido como Boni e que foi presidente de operações da Rede Globo, revela uma faceta íntima e pouco explorada de sua carreira. Além de revisitar momentos marcantes da televisão brasileira, ele compartilha histórias inéditas, reflexões sobre o futuro da TV e sua paixão pela música, área na qual contribuiu com letras icônicas, ainda que modestamente. Nesta entrevista ao site, ele reafirma a vitalidade e otimismo sobre a perenidade da televisão aberta. “Enquanto houver uma última notícia, haverá a televisão aberta, gratuita e com muita qualidade, com muitos canais de qualidade”.

*por Vítor Antunes

O nome dele é José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, mas poucos o chamam assim. E nesta entrevista mesmo ele fez questão de frisar: “Não gosto de ser chamado por outro nome senão por Boni mesmo”. E com a autenticidade que lhe é característica, Boni ressalta que os remakes, atualmente em moda, precisam passar um discernimento na produção: “No passado, tínhamos um grupo de redatores extraordinários, os melhores possíveis autores do Brasil, vindos do jornal e do teatro. Muitos livros foram adaptados e que passaram a representar a dramaturgia brasileira. Acho que tudo isso resultou numa produção de altíssima qualidade, e é natural que queiram fazer remakes. Eu creio que, se produzem um remake, ele precisa ser melhor que o original. O cast tem que ser melhor, a música, o cenário, especialmente através da tecnologia”.

Para tanto, Boni, revisita os remakes que aconteceram durante a sua própria gestão na Globo. “‘Irmãos Coragem“‘ (1995) foi muito mal, pois não quiseram trazer para o tempo atual de uma forma muito clara. Ficou uma mistura, o que é uma prova de que remakes podem funcionar ou não e que alguns itens que são feitos numa determinada época não adianta que não vão funcionar. O remake de “Selva de Pedra” (1986), porém, poderia ser exibida em qualquer época e foi mais bem-sucedido, teve mais audiência. Na primeira versão, apenas em um dia a novela marcou 100 pontos entre os aparelhos ligados”, diz ele, redefinindo um conceito já estabelecido de que “Selva de Pedra” (1972) fez mais sucesso que a releitura.

Eu não vi nenhum remake de “…E o Vento Levou” ou de “Cleópatra”. Tem coisas que não se devem fazer e outras que são muito marcadas pela época, são datadas mesmo. Não devem ser e não funcionam a não ser que se modifiquem muito as histórias – Boni

Boni lançou seu novo livro e revisitou vida e carreira (Foto: Divulgação)

 

O LADO B DE BONI

Boni, que foi presidente de operações da Rede Globo, lançou recentemente o livro “O lado B de Boni. “O apelido que se tornou marca. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, sem dúvida, é menos conhecido que Boni. Mas ele próprio destaca não ser o primeiro da “dinastia”. “O Boni verdadeiro, de fato, morreu afogado no Rio Tietê. Era o meu tio, José Bonifácio de Oliveira de quem eu acabei herdando o apelido e fica uma coisa carinhosa”. Depois desses dois Boni, ainda viria mais um, Boninho, diretor-geral de entretenimento da Globo e do principal produto da casa, o Big Brother Brasil. Na televisão desde 1951, Boni nega que a TV será suplantada pela internet. “Evidente que uma parte da televisão vai sair para a Internet e o contrário também vai acontecer. Mas o importante é saber quem paga essa conta [do crescimento da Internet]. Vai ser o anunciante ou o assinante? Os assinantes cada vez mais resistem pagar por assinaturas. A TV não acabou com o rádio e o cinema, não acabou com o teatro e nem mesmo os jornais acabaram. As revistas até acabaram, mas os livros estão aí. Confio inteiramente que a televisão aberta vai existir durante muito tempo, e eu acho que até o fim do milênio”.

Não faz muito tempo que no Site Heloisa Tolipan fizemos uma matéria falando sobre “Pecado Rasgado“, novela de 1978, que voltou ao Globoplay. Numa das frases sobre a trama, seu autor, Sílvio de Abreu, ressaltou que em dado momento entrou na sala de Boni intempestivamente e que despejou palavras sobre o empresário de tal modo que ele nem pôde dar “seus famosos berros”. Quase 50 anos depois, não tivemos acesso a esse Boni. Pelo contrário. A um doce e “bom rapaz”, que entremeia memórias com piadas e compartilha-as com a generosidade de um amigo. Do alto dos seus 88 anos, que divertiu-se ao falarmos de sua fama de bravo. “Eu não era bravo, eu tinha pressa. E para acelerar algumas coisas, eu dava broncas, sim. E, por vezes, agia de maneira mais intensa e com energia mesmo com diretores até de alto nivel para que as coisas acontecessem com mias velocidade”, pontua.

Falar de Boni não é facil. Inclusive, um dos comentários era de que se ele fosse escrever  sobre tudo o que fez na televisão e na cena cultural brasileira, não haveria livro suficiente. Haveria de ser tomos (de literatura), tal como a série literária “Em Busca do Tempo Perdido“, de Michel Proust, com muitos volumes. Nem mesmo a campeoníssima Beija-Flor de Nilópolis quando o trouxe como tema de enredo conseguiu. Afinal, também é impossível condensar tantas experiências de vida em 1h15 de desfile. No primeiro livro, com o simples nome de “O Livro do Boni“, ele relatou muitas memórias do que inaugurou/presenciou na história da televisão. No recém lançado, “O Lado B de Boni“, ele revisita um pouco mais sua própria história, bem como outras memórias não contadas sobre a televisão”.

Salienta a importância de “rever alguns pontos do primeiro livro, tornar eles mais claros e, depois, mostrar o meu sentimento de que o tempo está passando e que eu preciso agradecer aos amigos, mostrar meu agradecimento pleno, a admiração e o carinho que eu tenho pelos artistas, pelos técnicos, as pessoas que trabalharam comigo. Então, eu já estava sentindo falta de de colocar isso publicamente e de contar algumas histórias curiosas da televisão que não couberam no primeiro livro, que era mais informativo. Este é mais coloquial, mais emocional”.

Boni lançou novo livro que se aprofunda na história da TV e na dele próprio (Foto: Acervo/Site HT)

Boni lançou novo livro que se aprofunda na história da TV e na dele próprio (Foto: Acervo/Site HT)

Boni acredita que o momento atual é de ressignificação, de entressafra de linguagens. Acredita que estamos em um momento de fragilidade de produção ou o saudosismo do telespectador acaba remetendo a uma fase de ouro que, em tese, não existe mais. “Estamos em um momento típico de busca de caminhos. Pode ser pior ou pode ser melhor, mas há uma vontade de fazer. O pessoal está trabalhando e profissionais de qualidade estão empenhados em descobrir caminhos novos. Quando comecei na TV Tupi, em 1952, existia um grande número de autores talentosos, e as histórias tinham profundidade. Hoje, muitas pessoas reclamam que as novelas e programas de dramaturgia não são mais tão profundos. Reflete os novos tempos e os hábitos de consumo que mudaram”.

Eu gosto muito de viver, e é tão divertido. Eu tenho tanto amor pelos meus amigos, pela minha família. Eu não tenho medo de morrer, tenho pena – Boni

Boni construiu sua história na TV e revisita a sua própria em livro (Foto: Acervo/Site HT)

Um dos maiores executivos da televisão brasileira, surpreende ao falar sobre uma faceta menos conhecida de sua carreira: a de compositor. “Sempre fui um quebra-galho. Na falta de um, faço. No passado, fiz muitos jingles, mas não sou necessariamente um compositor. Talvez, no máximo, um letrista, mas eu adoro música, tenho paixão, já que meu pai era músico. Então, eu gosto demais, mas eu sou um compositor que faltou à aula de música. O Guto Graça Mello fez a melodia e eu fiz a letra da música de abertura do Fantástico”, revela Boni, demonstrando sua modéstia e profundo respeito pela arte musical.

Apesar de minimizar suas contribuições, Boni esteve por trás de algumas das músicas mais icônicas da televisão brasileira. Um dos maiores sucessos do fim dos anos 1980, o tema de abertura de “Tieta”, também foi escrito por ele, assim como a música de abertura de “Perigosas Peruas, que marcou o retorno das Frenéticas em 1992. Em ambos os casos, ele afirma que só escreveu a letra da música de abertura por falta de letrista disponível. “Eram letras mais ou menos simples. Sempre fui um leitor de livro de poesia. Eu estava em casa, numa sexta-feira, me ligaram e disseram que não haviam conseguido a música da novela que estrearia na segunda-feira, então entreguei a letra, baseada na sinopse que eu já havia lido anteriormente, e o livro eu também já conhecia. No caso do Fantástico, não, tratava-se de uma música mais difícil, porque eu tinha que dialogar com o programa e elaborar um pouco mais. Eu não sou um compositor, nem letrista, mas acima de tudo, um homem de comunicação”.

Boni também foi uma figura central na decisão sobre as trilhas sonoras das novelas globais, papel que desempenhou com um olhar clínico e criterioso. Muitos dos diretores musicais que passaram pela Globo afirmam que Boni tinha grande influência sobre essas escolhas, bem como na escolha das novelas que entrariam em produção. “Isso fazia parte da minha função. Havia um grupo de leitura chefiado pelo Homero Sanchez, que mandava a sinopse e as músicas sujeitas à minha aprovação. Se eu concordasse, a novela seguiria; se não, sequer chegavam às minhas mãos. Eu acompanhava música, maquiagem, caracterização, porque fazia parte do meu trabalho. Na música, fiz questão de participar de todas as trilhas, escolhi a abertura, às vezes aprovava, outras não, ou pedia alterações. Essa é a função básica para conquistar audiência e manter a empresa funcionando”, relembra Boni, destacando a importância de cada detalhe na construção do sucesso televisivo.

E ele vê com otimismo a evolução do veículo. “Sobre a televisão hoje, não posso dizer muito, pois não sou crítico de televisão, mas creio ser um veículo extraordinário, com uma qualidade extraordinária”, afirma ele que destaca a impressionante evolução tecnológica que a televisão passou ao longo das décadas. “A qualidade do áudio é extraordinária, o tamanho das telas aumentou, a qualidade das cores também, permitindo transmissões de qualquer lugar. Não é mais um veículo enlatado”. Mesmo diante de tantas inovações e desafios, Boni acredita que a televisão aberta se adaptará e continuará a ser uma presença constante nos lares brasileiros. “Modificam-se alguns hábitos, com o avanço das tecnologias. Mas a TV aberta continuará chegando à casa das pessoas”, conclui, expressando sua confiança na perenidade deste veículo de comunicação que ele conhece tão bem.

Enquanto houver uma última notícia, haverá a televisão aberta, gratuita e com muita qualidade, com muitos canais de qualidade – Boni

Boni e a então Rainha da Bateria da Beija-Flor Raíssa de Oliveira, em 2014. A escola de samba o homenageou (Foto: Riotur)

UM HOMEM DE VANGUARDA

Proprietário da TV Vanguarda, uma afiliada da TV Globo no interior de São Paulo, ele desmente os rumores sobre aposentadoria. “Na TV Vanguarda, como eu sou proprietário, tenho total liberdade criativa de fazer a nossa programação. Tenho uma equipe de profissionais excelentes e dou palpites em tudo. Das vinhetas ao jornalismo, dou palpite em qualquer coisa que esteja em produção. Eu estou permanentemente ligado e envolvido com muita intensidade. Com isso, se desmente a história de que me aposentei. Isso é fake news, eu não sou aposentado coisa nenhuma”.

Para me aposentarem ou me pararem só se for abatido – Boni

Boni segue cuidando sempre da saúde. “O cuidado que se deve ter consigo mesmo é essencial. Eu nunca abandonei o trabalho, nem o esporte. Faço uma hora de ginástica todos os dias da semana. Tenho um certo controle alimentar, embora goste de me permitir alguns prazeres nos finais de semana. É necessário ter preocupação com a saúde e estar atento às vacinas e medicamentos”, afirma.

Boni tem mais de 60 anos de carreira na TV (Foto: Divulgação)

Quando perguntado sobre arrependimentos profissionais ou erros ao longo de sua trajetória, Boni reflete: “Acho que a gente tem que fazer tudo o que tem vontade. O problema não é errar, mas sim a relação entre erros e acertos. É bom acertar mais do que errar, mas o erro sempre ensina algo valioso. Eu errei várias vezes ao longo da minha carreira, mas também acertei muito. Comecei na televisão em 1950 e, dois ou três anos depois, já estava no ar. Tive bastante tempo para errar e aprender com isso. O importante é acertar 90% das vezes”.