Uma cena dantesca: Pelé e Guga Kuerten participam da inauguração de uma marca suíça de relógios no shopping Fashion Mall, no Rio – a Hublot, a marca oficial dos relógios da Copa do Mundo 2014, cujos cronômetros serão usados em todas as partidas – com direito a lançamento do modelo dedicado ao Rei do Futebol. Aquela correria desenfreada de repórteres atrás dos dois craques, todo mundo querendo aproveitar a ocasião para elucidar questões referentes aos eventos esportivos, que necessariamente não fazem parte da pauta do lançamento. Os empresários envolvidos expunham aquele discurso trabalhado com suas assessorias há meses e era só questão de esperar acabar para todos se voltarem para os esportistas. Claro, afinal os dois são ídolos do esporte. Bom, não exatamente por isso. Por que são exemplos de vida e de superação? Também não. Ou por que atuaram anos além dos limites, levando o nome do Brasil para os píncaros da glória, dando motivos de sobra para que os brasileiros se orgulhassem? Também não. De fato, todos queriam saber suas opiniões sobre os atrasos na construção dos estádios, sobre as maracutais governamentais por ocasião da Copa, o tal calote dado a esportista estrangeiro, enfim, sobre todos os erros cometidos até agora.
Mas, como já dizia o subtítulo de “Tropa de Elite 2”: o inimigo que agora é outro. Tudo bem que, sobre os erros do Estado eles, enquanto relevantes figuras públicas relacionadas ao esporte, podem e devem opinar, mas, claro, tensão é visível. Afinal, não é improvável que os dois atletas – apesar das inúmeras vitórias até hoje nos campos e quadras – acabem sucumbindo a esse jogo pérfido jogo midiático, absorvendo responsablidades que não são suas por osmose e, pior, incorporando um alter ego que, no fundo, não deveria servir de escudo para os verdadeiros responsáveis.
Era notório que, durante esta inauguração da primeira butique Hublot na América Latina, Edson Arantes do Nascimento – o Pelé -, não aguentava mais responder: “O futebol sempre promoveu o Brasil. Nesse momento, o futebol, o jogador e a seleção não têm nada a ver com a má administração política, com a corrupção.”
Já Gustavo Kuerten, que é embaixador da marca no Brasil, era visto o tempo todo com aquela carinha de saia justa, o maxilar travado e, entre uma frase e outra, aquele “ããã” de pausa intelectual, sempre quando perguntado sobre as mesmas coisas. No seu caso, a principal dessas perguntas se referia ao tal calote dado pelo Governo do Estado a seu parceiro de tênis Novak Djokovic na partida amistosa realizada em 2012. Guga, porém, não se fez de rogado e disse ser uma falta de ética e vergonha tal fato. “A falta de confiança e insatisfação com o governo é fato, e o Brasil como país tem muito o que aprender, pois ainda estamos presos a regras de Império”, respondeu chegando a dizer aos repórteres: “Poxa, vocês só me fazem perguntas tristes”.
Para quem não se lembra, o caso do Djokovic é o seguinte: a Secretaria de Esporte e Lazer marcou a vinda do melhor atleta do mundo nessa categoria. O acontecimento foi sensacional, tendo ganho, inclusive, em 2013 o prêmio de melhor evento social, junto com a Clínica de Tênis da Rocinha. O Governo do Estado tinha pago 40% para do cachê de Djokovic antes da sua vinda. Era para ter pago tudo, mas, mesmo sem ter recebido o total acordado, ele veio do mesmo jeito, dizendo acreditar que receberia o restante após o evento. Mas, até agora, o astro das quadras ainda não recebeu. Pior: há mais de um ano está tentando receber do Estado, sem sucesso. Guga e o jogador do Atlético-PR, Dejan Petkovic, que trouxe o jogador para o evento, ficaram constrangidos e entraram sem querer na saia justa pelo calote, do qual ambos não têm qualquer responsabilidade.
Enquanto Guga precisou lidar com essa saia-lápis durante o lançamento da Hublot, Pelé se segurava na tênue linha, aquela entre demonstrar confiança na realização da Copa do Mundo e a coerência de não esconder a decepção com os atrasos na entrega de estádios, dos super faturamentos e das diversas obras de infraestrutura. “Estou triste porque antes de conquistar o direito de receber o Mundial, nós gastamos quatro anos fazendo visitas de pesquisa e de relacionamento. Eu fui um dos que foram a vários locais da África, Ásia e Europa, à procura de votos para que o Brasil pudesse vencer a eleição. E é muito difícil encontrar uma explicação para esta situação porque nós tivemos tempo de sobra”, lamentava a um repórter, em corda bamba pior do que aquelas que os acrobatas do Cirque de Soleil são obrigados a encarar.
Pelé, o jogador do século, aquele que resiste ao tempo, sempre foi o bom moço do futebol. Nunca se envolveu em episódios de sexo, drogas e rock’n’roll, como seus pares. Maradona – ou ainda os representantes das novas gerações da bola, como Ronaldo “Fenômeno”, Edmundo e Romário – foram pródigos em cair em ciladas das quais Pelé sempre esteve ileso, erm conduta ilibada. “Jamais aceitei convites para campanhas publicitárias de bebidas ou cigarros, só aceitei esta campanha (a da Hublot) pela confiança que tenho na marca”. Recentemente, o atleta foi o grande homenageado na cerimônia Bola de Ouro da Fifa 2014. Mais do que merecido, já que na época em que atuava no campo, apenas os europeus tinham a chance de concorrer. Mesmo assim, o craque se considera “mal compreendido”, sobretudo após o episódio, no ano passado, em que afirmou que os brasileiros deveriam “esquecer” um pouco os protestos e exaltar o futebol-arte e a consagração do evento, à parte de qualquer desenvoltura política, no Brasil.
Até Ronaldo, que é ex-jogador da seleção e agora membro do comitê organizador do Mundial, foi criticado pelos brasileiros por causa de um vídeo de 2011 onde dizia “não se faz Copa do Mundo com hospital”. O jogador, no entanto, escreveu no Twitter que aquelas declarações tinham dois anos e que foram feitas noutro contexto. Mas já era, está dito. Opiniões são bem vindas, mas podem acabar servindo como um tiro no pé. Por isso, o clima hoje é tenso, tudo que se fala pode virar uma arma química, com a fumaça exalando nas redes sociais. Assim, é possível afirmar que está cada vez mais difícil para os esportistas segurar a peteca, já que o governo não cuida, não segura e não controla a direção do arremesso.
Ah, e quanto ao relógio lançado ontem? Bom, trata-se de um Classic Fusion Cronógrafo Aero, com edição limitada de 500 exemplares, que tem a caixa em cerâmica polida e acetinada, com cronógrafo Aero Hublot mecânico e automático. O mostrador em Safira tem os indicadores facetados polidos, com decalques em pó de prata e amarelo. No mostrador da peça, há a inconfundível assinatura de Pelé e a pulseira é confeccionada em couro de vitelo preto. Um luxo no valor de R$ 57 mil reais. Aliás, um luxo que não combina com o lixo que foi varrido para debaixo do tapete – ops, gramado! – da Copa do Mundo, do qual as celebridades esportivas não merecem arcar com os custos.
O evento contou com o CEO da Hublot, Ricardo Guadalupe, e o proprietário da joalheria Sara, David Zilberman, responsável pela vinda da Hublot para o Brasil.
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