Bianca Joy Porte: escalada para próxima novela das 19h, atriz revela: “Minha história pessoal de abusos é longa”


A atriz fala das sequelas que tem lidado depois de contrair Covid-19, e da estreia na performance-transmídia “A Vida Viva”. Além disso, Bianca está ao lado de Fabiana Karla no filme “Lucicreide vai pra Marte”, e grava a nova trama das 19h, em que vive a personagem de Elizabeth Savalla. Envolvida com seu solo feminista, ela salienta a importância da desconstrução do machismo: “Fiz um filme, em que o diretor me pediu em cima da hora para ficar nua numa cena que era extremamente violenta. Isso foi em 2014 e a primavera feminista por aqui ainda estava por vir. Eu me vi no meio de um monte de homem (porque ainda somos minoria no audiovisual), justificando porque aquela cena fazia sentido no filme, sendo que não fazia sentido nenhum para mim. Já sabia, sentia, que havia algo muito errado ali, mas fui chamada de atriz de merda, caso não topasse fazer.  Eu fiz e acabei me violando. Isso me gerou traumas. Mas aprendi”

Bianca Joy Porte: escalada para próxima novela das 19h, atriz revela: "Minha história pessoal de abusos é longa”

*Por Brunna Condini

O novo coronavírus já matou 312 mil brasileiros e segue infectando, inclusive com o desenvolvimento de variáveis. Apesar de todos os cuidados e prevenção, Bianca Joy Porte foi infectada pela Covid-19 há alguns meses. A atriz conta que ficar doente deixou consequências na vida até hoje. “Eu testei positivo para Covid-19 ano passado. Estava fazendo um isolamento sério com meu namorado, tomava os cuidados. Mas tive que levar minha gata para castrar, porque ela entrou em um cio interminável e estava sofrendo. Suponho que eu tenha contraído o vírus neste dia”, recorda. “Foi muito violento e tive sequelas sérias. Sentia dores de cabeça muito fortes, urrava de dor, tinha febres altíssimas, minha saturação começou a ficar ruim e eu não melhorava. Fora a prostração. Dentre as sequelas, tive uma lesão no pulmão. Acabei contraindo um fungo e foi ele que prejudicou o meu pulmão. Foram seis meses de incertezas e escuridão. Nunca sabemos como cada organismo vai reagir”, alerta.

“Tive Covid e foi muito violento. Não fui internada, mas tive sequelas sérias. Sentia dores de cabeça muito fortes, urrava de dor, tinha febres altíssimas, minha saturação começou a ficar ruim e eu não melhorava" (Foto: Jorge Bispo)

“Testei positivo para Covid-19 e foi muito violento. Tive sequelas sérias. Sentia dores de cabeça muito fortes, urrava de dor, tinha febres altíssimas, minha saturação começou a ficar ruim e eu não melhorava” (Foto: Jorge Bispo)

Bianca lamenta sobre o cenário devastador. “Eu não perdi ninguém próximo, mas praticamente todo mundo que conheço perdeu. Meu namorado (o ilustrador, designer e músico Caramurú Baumgartner) perdeu essa semana um grande amigo, jovem. Tive amigos que pais e mães morreram por conta do coronavírus. Inclusive um que perdeu o pai e a mãe. O pai morreu em um dia e a mãe no outro. Agradeço todos os dias por estar viva, com saúde e minha família também. Até agora, passamos todos bem”, desabafa Bianca, que estará na próxima novela das 19h, que tem título provisório de ‘Quanto mais vida melhor’, fazendo o mesmo papel de Elizabeth Savalla.

“Sinto ansiedade, angústia, medo e tristeza todos os dias, muitas vezes por dia. Aliás, quem não está sentindo é porque está bem alienado, né? É uma tristeza sem fim. Mas tenho tentado fazer pequenas coisas que me dão suporte emocional. Meditar tem sido fundamental, elevar a vibração, agradecer ao acordar, dançar em casa, me conectar com o que está vivo em mim. A arte também me salva todos os dias”.

Fome de viver

A arte tem salvado e sido canal para que os profissionais da área se reinventem diante da ‘nau desgovernada’ em que se transformou o cenário desta pandemia. E foi dentro deste intenso processo de gestar as criações, que nasceu o primeiro solo da atriz, ‘A Vida Viva’, que estreou ontem de forma online, pelo Youtube. Ela e o diretor Antonio Guedex se inspiraram em quadrinhos, séries, filmes e livros para criar o conceito de performance-transmídia para o espetáculo. Através de projeções de vídeos, Bianca conta a história de Eva, filha de um psiquiatra e cientista, que em seus sonhos, busca se libertar do sistema opressor imposto pelo patriarcado. ”Ela é uma prisioneira em um campo de trabalho forçado, que em sonhos recebe a visita do seu ‘self selvagem’, que lhe dá coragem e estímulos para se libertar do sistema opressor e encontrar um lugar melhor, mais humano para todos. É sobre uma mulher tentando se libertar desse sistema de dominação patriarcal”, detalha.

A atriz fala sobre o espetáculo: "É sobre uma mulher tentando se libertar desse sistema de dominação patriarcal” (Foto: Divulgação)

A atriz fala sobre o espetáculo: “É sobre uma mulher tentando se libertar desse sistema de dominação patriarcal” (Foto: Divulgação)

A atriz conta ainda, que foram dois anos de pesquisa, encontros ao vivo e online, que criaram uma grande costura de referências. “Fizemos um estudo profundo das obras do Wilhelm Reich– um psicanalista austríaco, que estudava, entre outras coisas, o porquê das massas aceitarem a presença da dominação e reproduzirem isso nas suas vidas- que serviu de fio condutor do projeto. O título é inspirado nas teorias dele que escreveu, entre diversos tópicos, sobre o enigma do aprisionamento humano por ele mesmo. De acordo com Reich, ao normalizarmos a violência e a censura nos tornamos os detentos e os guardas de nossa prisão social e intelectual. O motivo desse status quo, segundo ele, seria a Peste Emocional. De acordo com o cientista, ‘A Vida Viva’ é o oposto da Peste Emocional, uma energia criativa, natural, pacífica, que nasce conosco, mas é esgotada e esquecida ao nos adaptarmos ao mundo contemporâneo”, esclarece.

Novela e cinema

Além de gravar a próxima novela das 19h, a atriz faz a patroa da Fabiana Karla no longa-metragem ‘Lucicreide vai pra Marte‘. “Ainda tem muita novela pela frente e tudo está mudando por causa da pandemia, as gravações pararam por um tempo, ninguém sabe de nada, estamos aguardando a vacina. Mas a princípio terão flashbacks para ajudar a contar a história de vida da personagem da Elizabeth Savalla e a relação conflituosa dos seus filhos vividos pelo Vladimir Brichta e Felipe Abib, que começou na infância. Estou muito animada”, admite. “Coincidências da vida, minha mãe é amiga da Savalla, mas não a conhecia ainda pessoalmente. Ficou tudo em família, (risos). Nos conhecemos agora, na gravação”.

Encontro nos bastidores: Thiago Picci, Elizabeth Savalla e Bianca, que viverá a atriz veterana, em fase mais nova, na novela das 19h (Reprodução)

Encontro nos bastidores: Thiago Picci, Elizabeth Savalla e Bianca, que viverá a atriz veterana, em fase mais nova, na novela das 19h (Reprodução)

Identidade feminista

Sobre o solo, Bianca conta que fez questão de colaborar no roteiro. “Contribui com meu olhar de mulher feminista, um vasto material de estudo sobre patriarcalismo e civilização”. E esclarece: “Patriarcalismo é um sistema sociopolítico que coloca os homens em situação de poder, e por isso eles acabam sendo considerados superiores. Consequentemente, as mulheres acabam subjugadas à uma posição de inferioridade em relação a eles, e tudo que se associa ao feminino também é visto como pejorativo, frágil e menor”.

Em cena, o ponto de vista da opressão da mulher, o controle dos corpos, a repressão do poder criativo e intuitivo da energia feminina: “Eva é oprimida e não tem voz, passa a vida baixando a cabeça e sendo obediente, perfeita e vivendo os limites que lhe são impostos”.

"Tem muita gente com valores humanos, que torcem por um mundo melhor, que quando ouvem a palavra ‘patriarcado’ e ‘machismo’ ficam de cabelo em pé, bloqueiam e acham chato, pois virou sinônimo de conflito no Instagram" (Divulgação)

“Tem muita gente com valores humanos, que torcem por um mundo melhor, que quando ouvem a palavra ‘patriarcado’ e ‘machismo’ ficam de cabelo em pé, bloqueiam e acham chato, pois virou sinônimo de conflito no Instagram” (Divulgação)

A atriz salienta a importância de desconstruir o machismo e esclarecer o feminismo. “Vivemos hoje uma espécie de ativismo digital que saturou os diálogos. Tem muita gente com valores humanos, que torcem por um mundo melhor, que quando ouvem a palavra ‘patriarcado’ e ‘machismo’ ficam de cabelo em pé, bloqueiam e acham chato, pois virou sinônimo de conflito no Instagram. Acho que aconteceu uma embaralhada nos discursos. Quem é contra ou não sabe o que é realmente o feminismo ou tem algo a perder com essa luta. É sistema patriarcal que aprisiona tanto mulheres quanto homens. O feminismo ensina todas e todos nós, maneiras de afirmar a vida, lutar por um mundo mais igualitário e justo, pois olha como estamos? Não está tão legal, né? As mulheres continuam sendo violentadas, trabalhando em dobro, ganhando menos pelas mesmas funções e sendo preteridas para funções de poder por serem mulheres. E ainda tem essa coisa da gente ser assediada e ficar com a autoestima destruída”.

Sobre o tema abuso, infelizmente ainda tão comum na trajetória feminina, ela desabafa: “Eu já vivi abusos, assédios, violências morais de todos os tipos, por ser mulher. Vivi e ainda vivo hoje em dia. A minha história de abusos é longa, começou quando eu ainda era uma criança inocente, assediada sexualmente por homens adultos. Depois, na vida adulta, assédios e abusos no trabalho, nas relações afetivas, e até nas amizades. Passei boa parte da minha vida achando que o problema era comigo. Não tinha entendimento que o meu corpo florescia em uma sociedade em que a mulher é sobretudo um objeto a ser consumido, a serviço de … homens.  Demorei para ter contorno, impor meus limites e afirmar que minha identidade não era construída a partir da ótica masculina. Isso é uma grande libertação”.

“Eu já vivi abusos, assédios, violências morais de todos os tipos, por ser mulher. Vivi e ainda vivo hoje em dia. A minha história de abusos é longa" (Reprodução)

“Eu já vivi abusos, assédios, violências morais de todos os tipos, por ser mulher. Vivi e ainda vivo hoje em dia. A minha história de abusos é longa” (Reprodução)

E revela: “Fiz um filme, em que o diretor me pediu em cima da hora para ficar nua numa cena que era extremamente violenta. Isso foi em 2014 e a primavera feminista por aqui ainda estava por vir. Eu me vi no meio de um monte de homem (porque ainda somos minoria no audiovisual), justificando porque aquela cena fazia sentido no filme, sendo que não fazia sentido nenhum para mim. Já sabia, sentia, que havia algo muito errado ali, mas fui chamada de atriz de merda, caso não topasse fazer.  Eu fiz e acabei me violando. Isso me gerou traumas. Mas aprendi com isso. E enquanto estou aqui dando essa entrevista, tem alguma mulher no mundo, perto de mim, na minha rua, sendo abusada agora de alguma forma. Acho que nunca conheci alguma que não tenha sido e isso me causa profunda dor e tristeza. Portanto, sempre digo que o feminismo me salvou. E salva todas nós. É pela vida das mulheres”.