*Por Yuri Hildebrand
As duas baías mais famosas do Brasil representadas: Bahia de São Salvador e a Baía de Guanabara. O projeto Batucadas Brasileiras promoveu nesta quinta-feira (18/12), no Circo Voador, uma homenagem a um nome de extrema importância para a música nacional: o ex-Novos Baianos Luiz Galvão. Com participações de João do Boi, Roberto Mendes, Baby do Brasil, Jorginho Gomes, além de Zélia Duncan, Zeca Baleiro, Margareth Menezes, Emanuelle Araújo e Moacyr Luz misturou ritmos, brindou à importância da cultura negra no Brasil e ainda celebrou o marco do grupo pós-Tropicalista na evolução da MPB.
A palavra de ordem no espetáculo foi “multiculturalidade”; além das apresentações no palco, a mostra contou com o lançamento de dois livros. Em “Geografia dos Infiéis”, Maurício Nolasco fala sobre música, política e, principalmente, racismo. O projeto aborda esse preconceito latente no país, se apoiando em pesquisas feitas pela Angola e contando com participações de nomes como Vovô, do projeto social e bloco de carnaval Ilê Ayê – que comemora 41 anos de luta contra o preconceito racial pelas ruas de Salvador –, Roberto Mendes, Luiz Galvão e Wilma Pessôa – socióloga e professora da Universidade Federal Fluminense.
“A África ainda é tratada somente como um continente pobre, de gente ignorante e infeliz”, disse Vovô, que comentou também sobre a atuação do Ilê Ayê quanto ao Apartheid que ainda existe na Bahia. “O negro pode crescer socialmente, ter as mesmas oportunidades do branco; mas não pode nunca abandonar sua negritude”, declarou. Wilma Pessôa, denunciando a repressão aos movimentos sociais no Brasil, reforçou a necessidade de uma aproximação maior entre o social e a arte: “A cultura não está separada do nosso cotidiano; muitas vezes ele é construído por ela mesma”.
Ainda sobre o livro de Maurício Nolasco, Roberto Mendes complementou: “Este é um retrato da dor que é ser negro no Brasil”. O músico exemplificou a importância que tem a cultura africana para o país, como a criação da chula, estilo musical que veio da mistura das violas e da estética portuguesas com o batuque dos escravos sudaneses que chegaram ao Recôncavo Baiano. “Nasci em 1952, mas as minhas origens, a minha cultura e meu povo são de 1557. Somos filhos da dor”, disse Roberto sobre o povoado de Santo Amaro da Purificação, lembrando também do “estrangeirismo brasileiro”.
Já o outro lançamento da noite, “Novos Baianos: a história do grupo que mudou a MPB”, foi escrito por ninguém menos do que o próprio Luiz Galvão. Nele, o autor resume a importância do grupo para a cultura brasileira, não só na música, mas também no âmbito social: “Enquanto a esquerda respondia com guerrilhas, nós respondíamos com anarquia”. O músico também comentou sobre a época em que vivia apenas pelo movimento, as drogas daqueles tempos e seus projetos futuros, como outros livros, músicas e, principalmente, o lançamento de um longa-metragem. Em seguida, houve o workshop “Estudando os sambas do Rio”, sob a batuta de Odilon Costa e Dudu Oliveira, da Mocidade Independente de Padre Miguel. No palco, alunos da Escola de Percussão Batucadas Brasileiras tocam diversos ritmos nos tambores que representam não só a cultura, mas um projeto social que significa muito para os participantes.
A pluralidade do evento não se dava apenas no âmbito cultural, mas também através do público: pessoas de diversas tribos, idades e origens estavam ali. Entrevistado por HT, o jornalista e professor da Universidade Estácio de Sá Dermeval Netto é amigo de Zélia Duncan e foi convidado pela própria cantora para estar ali. Junto de sua mulher, a também professora universitária Maria de Fátima, ele foi prestigiar a amiga, mas acabou se surpreendendo com a “nova” aparência da tradicional casa de shows: “Há vinte anos que não piso no Circo Voador, está tudo bem diferente. Costumava cobrir diversos shows para a TV E durante os anos 1980 e 1990, de nomes como Alceu Valença, Nana Caymmi, Paulinho da Viola, Jair Rodrigues, entre outros”.
É chegada a hora do principal espetáculo da noite. Comandando o Batucadas Brasileiras, Jorginho Gomes e Sérgio Chiavazzoli, responsáveis pelos arranjos do show, sobem ao palco com Aleh Ferreira (vocais e violão), Arthur Maia (baixo), Cláudio Andrade (teclados) e Ary Dias (percussão). Revezando o repertório inédito de Moacyr Luz com o do próprio grupo, o primeiro set tem a grande presença do Senhor João do Boi, um dos precursores do samba, junto a Roberto Mendes, representante do povoado Santo Amaro da Purificação. Claro, há também a música que batiza e abre o evento, “Duas Baías”.
Já no segundo set, voltando ao palco, Luiz Galvão assume o vocal em algumas das músicas, acompanhado por Jorginho Gomes e seu irmão, o baixista Didi Gomes – ambos irmãos de um dos maiores mestres da guitarra brasileira, Pepeu Gomes. Com a participação da dupla Zélia Duncan e Zeca Baleiro, a banda tocou “Fox Baiano”, faixa de autoria de Zeca e Galvão. Além de cantarem juntos, ambos fizeram apresentações solo, deixando o palco em meio a aplausos de todo o Circo. “Vocês são poucos, mas são intensos. Assim que eu gosto”, disse Zélia ao microfone. Depois, foi a vez da atriz e cantora Emanuelle Araújo dividir o microfone com Galvão, sendo, posteriormente, sucedida por Margareth Menezes, que enlouqueceu o público com toda sua intensidade.
Para finalizar a noite, uma das principais vozes do Novos Baianos: Baby do Brasil, que ainda consegue manter a mesma maestria que a consagrou e encantar os ouvintes com seu timbre poderoso. Para o delírio dos presentes, ela apresentou músicas do melhor álbum da música brasileira (pelo menos de acordo com a revista Rolling Stone), “Acabou Chorare”. Após as participações especiais, Aleh Ferreira puxa os clássicos “Mistério do Planeta” e “Besta e Tu”, contando com o reforço de Emanuelle Araújo, Baby e Galvão, que volta ao palco para encerrar o espetáculo com chave de ouro.
Com um peso que lembra as apostas de Gilberto Gil no movimento Tropicália e a irreverência lírica e melódica característica do Novos Baianos, o grupo fez do show de homenagem um grande espetáculo musical, utilizando desde o samba carioca até a chula baiana e unindo as batucadas brasileiras em um só ritmo. A música, contrariando alguns conceitos intrínsecos da sociedade, representa a luta, a resistência e as origens desses jovens, que podem se espelhar em Vovô e João do Boi, além de Luiz Galvão, Maurício Nolasco, Moacyr Luz, entre outros autores e artistas que representam a recusa em aceitar o preconceito; seja ele racial, social, de gênero, ou o que for. Somos todos brasileiros, “filhos da dor”, como dito por Roberto Mendes.
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