* Por Carlos Lima Costa
O estado de saúde da premiada atriz, diretora e professora de teatro Imara Reis, que marcou presença em novelas como Mandala e Chiquititas, é delicado. A atriz passou mal no dia 28 de março, e, desde então, está de repouso em casa, sem poder trabalhar, e precisa passar por um cateterismo urgente para ser avaliado qual o nível de obstrução das artérias, se necessita do uso de stent ou de algum outro tratamento para que possa retomar a vida normal. A notícia foi compartilhada por dois amigos, o escritor Thiago Sogayar Bechara e o ator e diretor Ricardo Pavão. Como ela não tem condições de custear o procedimento, os dois promoveram uma vaquinha virtual para arrecadar o valor necessário. Em quatro dias, a meta de R$ 35 mil foi atingida, chegando a um total de R$ 47.470,00 arrecadados. Ela foi a uma consulta com uma cardiologista e acredita que, na próxima semana, vai finalmente ser submetida ao cateterismo.
“Combinamos que íamos mandar para algumas pessoas e, de repente, viralizou. Não imaginava que fosse ter tanto acolhimento e que o valor necessário fosse arrecadado de forma tão rápida. O que mais pesou pra mim foi o que eu estou chamando de a ‘onda do mar do amor que bateu em mim’, como diz o verso do Caetano Veloso (na música Você é Linda), porque foi uma onda tão amorosa. Recebi imensa quantidade de afeto. Muitas pessoas me ligaram preocupadas, me enviaram e-mails, entraram no Messenger. Estou comovida e agradecida. Essa força dos meus colegas nesse momento é simbólica. Começo a falar e me dá uma vontade de chorar, sabe, por ver a força da categoria, essa união, a quantidade de amor e respeito que eu recebi dos meus colegas e amigos. Ainda não sei a lista de quem doou, mas quero agradecer um por um. Cada um deu aquilo que pôde. Isso é especial. Até brinquei com uma amiga de que, agora, caso ocorra, posso morrer tranquila, porque algum legado bacana eu deixei. Mas essa onda de carinho e afeto me deu um alento, uma força, uma vontade de viver”, ressalta, emocionada.
Com uma vida dedicada às artes, o que acontece com Imara, aos 74 anos, é o retrato da situação do país, no qual as pessoas, cujo momento da vida a saúde se torna mais frágil, elas não têm como pagar um plano de saúde. Devido à pandemia e os trabalhos escassos, a situação degringolou mais. “Se você não tem uma renda fixa por mês e dando aula, sabe como é? E eu não sou garota, então, os planos para a minha idade não são baratos. Tem uns que nem aceitam pessoas da minha idade”, sinaliza.
Imara está recolhida em sua casa, em Santos (SP). “Não estou dando aula, tem gente me substituindo. Tem uma dor que não é a da angina, é algo como o coração avisando que ele não está legal. Uma sensação permanente, mas que está sendo controlada com remédios fortes, inclusive, os medicamentos foram trocados para eu me preparar para o procedimento”, conta.
A questão de problemas cardíacos é hereditária na vida de Imara. “Minha família por parte de mãe é muito frágil de coração, tem uma certa insuficiência cardíaca. A minha mãe morreu com 57 anos de infarto. Eu mesma tenho arritmia, sempre tive, tenho prolapso na válvula mitral também que dá uns probleminhas. Há 12 anos, eu tive que colocar um stent. Eu estava em São Paulo, fui atendida muito bem, foi tranquilo. Era para ter colocado três, mas liberavam aos poucos. E aí aconteceu algo engraçado. Depois que coloquei o primeiro, fui para o Spa Maria Bonita, da Tânia (Alves) e sarou. Quando voltei, constataram que minhas artérias estavam desobstruídas totalmente”, lembra.
Isso aconteceu em 2010, quando estava sendo feita a biografia Imara Reis – Van Filosofia, escrita por Thiago, para a coleção Aplauso. “Se por um lado a minha mãe morreu jovem do coração, meu pai morreu aos 97, sendo que trabalhou até os 95. Eu tenho uma energia vital muito grande, que os médicos falaram, sou muito produtiva, faço várias coisas ao mesmo tempo. Eu já atuei no teatro, cinema (filmes como Jardim de Alah, O Grande Mentecapto e O Guarani) e televisão ao mesmo tempo e eu acho que ainda tenho muito a contribuir, inclusive, com formação, mas estava com a energia muito baixa, comecei a ficar triste de estar vivendo em um país onde tratam mal a cultura”. E ela cita seu atual bordão: “Que o amor e a poesia falem mais alto que o fuzil, ainda mais depois dessa onda do amor que bateu em mim’.
Dessa vez, Imara aponta que talvez a Covid tenha influenciado no seu quadro atual. “No começo desse ano, em janeiro, eu tive a variante ômicron. Já tinha tomado três doses da vacina e aí tive 37 de febre, parecia uma rinite, eu espirrava, foi leve. Mas estou suspeitando que tem uma atividade mórbida do canalha desse vírus, que ele é maluco, se espalha em tudo quanto é órgão do corpo e parece que tem a manha de ir justamente para o mais frágil. Tenho uma amiga que, após negativar, teve uma pneumonia difícil”, explica.
Imara, aliás, relembra os momentos de agonia pelos quais passou em 28 de março. “Fui parar em um hospital muito esquisito aqui em Santos, um lugar horroroso, não gosto nem de falar desse local que é um filme de terror. Cheguei lá dizendo que estava infartando e o médico falava que eu estava nervosa. Cinco horas da manhã, amanheci com angina pectoris (dor torácica provocada pela falta de sangue). Já tinha tido em 2010 e falei: ‘Estou infartando. Eu sou atriz, trabalho consciência corporal e sei o que está acontecendo no meu corpo’. Repetia que já tinha um stent, mas ele ficou insistindo que eu estava nervosa. No primeiro hospital, me sedaram, deram remédio para parar o processo, depois que se convenceram pelo exame de sangue. Mas não fiquei nesse lugar”, recorda ela, que se direcionou para a UPA central de Santos.
E o martírio prosseguiu conforme relata: “Lá, eu descubro que na sala onde eu estava fazendo exame de sangue, tinham dez pessoas com suspeita de covid e duas com a covid já confirmada. Aí falei com a médica: ‘A gente entra com princípio de infarto e saí com covid de brinde’. Ela respondeu que ‘o Ministério da Saúde liberou, agora é todo mundo junto’. Quer dizer, fiquei nesse lugar fazendo exames e como eu estava supermedicada, já não estava mais no nível de gravidade, falaram que eu ia ter que passar pelo posto para marcar um cardiologista, porque lá não tinha nenhum disponível. E me deram um papel com o laudo que não estava correto. Disseram que eu estava com dispneia ou falta de ar com médio esforço. Aí me encaminharam, fui a um posto, deixei meu nome. Falaram que eu precisava passar por um clínico geral pra ele indicar o cardiologista e quando conseguissem uma vaga me chamavam. Comecei a ficar angustiada, com muito medo. Nisso, esses dois grandes amigos, o Ricardo e o Thiago, falaram sobre a vaquinha online, para que eu conseguisse pelo menos realizar o cateterismo pra ver exatamente qual é o nível de obstrução”, pontua.
E acrescenta: “No começo, fiquei resistente a essa ideia. Como falei, nossa categoria está vivendo um momento difícil, está todo mundo mal. Viu agora que ele (Jair Bolsonaro) vetou a Lei Aldir Blanc 2? Tem muita gente passando necessidade, com dificuldade. Eu não queria onerar os meus colegas. E, em geral, essas coisas demoram. Não tenho esse tempo. Algum milagre tinha que acontecer. Me disseram para ficar tranquila, que eu estava medicada, e que eles iam organizar tudo. E a vaquinha foi um sucesso. Minha saúde está controlada, com medicamento, mas se tiver algo emergencial eu já tenho a quem recorrer”, reforça.
No hospital, chegou a se estressar por ver também a forma como as pessoas estavam sendo atendidas. “Além de tudo eu tenho um karma, que eu sou aquariana, então, estava lá no posto vendo a minha documentação, chega um cara do meu lado falando para moça que estava tendo uma crise de hipoglicemia, que precisava de medicamento, porque era diabético. Esqueci que eu estava com problemas e fiquei furiosa vendo a forma como ela estava tratando esse homem. Ver tantas pessoas esperando para serem atendidas, me deu não só uma indignação pessoal, mas política também. A população brasileira é muito maltratada nesse setor atualmente. As condições que o Ministério da Saúde oferece são pífias, aí eu começo a ficar revoltada”, enfatiza.
E relembra ainda sua mudança para Santos. “Eu vim para dar aula de teatro. Com a pandemia e depois dessa perseguição sistemática do desgoverno ao setor tudo foi ficando complicado pra gente. Acabei saindo de São Paulo, que eu estava dirigindo muito teatro, orientando grupos no interior, fazendo o que eu gosto, trabalhando com a parte teórica. Estava voltada para essa questão pedagógica da formação e da direção, estava amando dirigir. Mas estava querendo sair de São Paulo, dar um tempo, porque eu morava na Avenida Paulista, tinha muita manifestação minion na porta da minha casa, um trio elétrico pedindo a volta da ditadura. Isso começou a me angustiar, era uma barra pesada e aí em 2019 eu tomei a decisão. É bem complexo. Trabalhei um tempo em um projeto interessante que chamava Ademar Guerra, do governo de São Paulo. Eram artistas orientando grupos de teatro, viajei muito pelo interior do estado e comecei a descobrir cidades que tinham qualidade de vida muito legais. Pensei: preciso de um lugar mais ameno. Ai fui convidada para trabalhar na Escola de Artes Cênicas Wilson Geraldo, curso técnico, que fica no Teatro Guarani, aqui em Santos. Eu fui orientadora de escolas, dei aula muito tempo na Escola de Atores do Wolf (Maya) no começo dos anos 2000. Eu gosto dessa parte de estudo, de pedagogia e pesquisa. E vim morar no litoral. Achei ótimo, praia, sol, caminhadas. Era para eu ficar um ano só e voltar ou ir para o Rio. Nisso, rolou a pandemia e o confinamento, e aí começou a tragédia da Cultura e de quem não estava em TV”, conta ela, que chegou a dar aulas online. No passado, ela foi professora de teatro de nomes como Anderson Di Rizzi, Lucy Ramos, Marjorie Estiano e Andréia Horta.
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