*Por Kika Gama Lobo
Uma imagem vale mil palavras… Enquanto uns fingem “cuidar das pessoas” outros tantos polemizam negando a vinda ou não de exposições culturais ao Rio por seu caráter pornográfico e vexatório. Imoral é essa foto que vi estampada na capa do Globo, nesta semana. De autoria do fotógrafo José Lucena, a menina mais velha venda os olhos da irmã menor para que a violência explícita da Rocinha não invada o olhar da pequenina. Corpos atirados no chão, tiros à deriva, sujeira, pornografia, falta de esgoto, limpeza, cidadania… é uma carência de tudo. A venda nos olhos dela diz muito. Não é a menina que não pode ver. Somos nós que somos cegos. Não queremos ver. Não queremos transformar. Mudar dá trabalho. Enfrentar que somos uma cidade partida dói. Trabalho em São Conrado a passos da Via Ápia – entrada da comunidade – e falo de carteirinha. Subi muita aquela favela. Fiz trabalho social, tinha a Coopa Roca como lojista do Fashion Mall além de uma amiga, a Polyana Simões, que tinha uma loja lá. Já montei muito em garupa de moto táxi para ir até a rua 1 e 2. Comi o sushi, comprei biquíni pirata, conheci manicures incríveis além de ter participado do projeto Cow Parade que instalou uma obra de arte em formato de vaca na escola municipal.
E sigo dizendo. O carioca classe média alta e o rico não conhecem a Rocinha. Não querem conhecer. Não querem ver. Faz de conta que não existe. Só se preocupa quando pipocam balas no asfalto e aí sim fazem cara de antropólogos e tentam explicar o inexplicável.
A Rocinha tem mil virtudes. Não cabe aqui um glossário do que é cool, criativo, hype e fashion. Acho esse lado perverso. O que me choca do topo dos meus 53 anos é que muito pouco mudou. Os fios emaranhados, o fedor nas ruas, as vielas estreitas e lotadas de esgoto; os cachorros mancos, as crianças e jovens erotizadas, os trabalhadores honestos misturados aos Rubinhos e Sabiás da vida real. Tá tudo lá. Tá tudo dominado pelo tráfico e pela permissividade. Prefeito, não adianta banho de loja. O que precisamos é de poder público com pulso, investimento e vontade de transformar. Precisamos também que o cidadão carioca das classes mais abastadas frequente as favelas. Pare de não ligar os pontos. Precisamos construir pontes contra a cegueira. Do contrário, breu eterno.
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