*Por Kika Gama Lobo
Anos atrás, ainda adolescente, ganhei de uma amiga, a Claudia Lobato, um poema. Batizado, ANNA CHRISTINA, meu nome de pia, falava sobre a minha vida mas, no derradeiro parágrafo, perguntava: E quantos irão ao seu enterro? O que estará escrito em sua lápide? Partir, confesso, nunca foi tema esconde-esconde em minha mente. Filha única, egressa de família pequena, estou acostumada às cinzas. Por ocasião do meu aniversário, 53 no último sábado, retomei o colóquio comigo, afinal querendo chegar aos 100 anos, já tenho mais vida vivida do que pra gastar. Então, diz aí, vamos falar da morte? Já adianto que não sou traquejada em facilidades e, mesmo despudorada com o tema, não o trago à tona banalmente. É sério. Mas diante de tanta tecnologia, apps, mundo virtual-real, gente doida na internet e um punhado de coisas bizarras que frequentam nosso cotidiano web, dei uma zapeada rápida e achei uma proposta muito digna. Uma clínica carioca que se denomina hospital de transição. No Placi (www.placi.com.br) , com unidades em Niterói e Botafogo, o negócio é levar o paciente a melhorar entre uma internação em CTI ou mesmo uma longa enfermidade em casa, dar condições de seu corpo reagir e devolvê-lo de volta à vida. Mas se o caso é pré-fatal, sem jeito nem com a mão de Deus, o hospital tem uma segmento especializado em partidas. O paciente se interna pra morrer. Prometem aliviar a dor, amenizar o sofrimento, manter o paciente o mais tempo possível lúcido e perto dos seus. Aceitam cachorros que podem visitar seu dono, permitem banhos de sol, tem altíssima tecnologia e enfermeiros treinados além de uma equipe médica, de psicólogos de primeira. Planos de saúde são aceitos e é uma opção quando não há mais nada a fazer. Me interessei em conhecer o local e vou marcar uma visita. Acha mórbido? Eu não. Tratar da morte com clareza pode se traduzir em serenidade para os que ficam. Testamento, documentos em dia, transmissão de imóveis, compra de jazigo ou autorização de cremação. Pra mim, normal, igual a pensar naquela viagem mara que eu quero fazer pro Marrocos, na comemoração de 1 ano de casada nas Cataratas, na celebração de uma faculdade internacional pra minha caçula. Tudo é vida. Até morrer. Lendo O Globo dias atrás, me deparei com uma matéria da repórter Luiza Souto sobre `hospices`ou hospedarias, locais focados em proporcionar conforto ao paciente e familiares em seus momentos finais, quando todas as chances de cura se esgotaram. Nunca tinha ouvido falar nisso. Tão civilizado e é um step ahead de asilos. Em São Paulo, no bairro de Itaquera, zona norte paulista, existe um hospice, o Francesco Leonardo Beira (www.tucca.org.br), batizado assim em memória de um menino de 11 anos que lutou 9 para se recuperar mas foi vencido pelo câncer cerebral . A jornalista escreve ” lembra uma cidadezinha do interior, com plantas, lagos, e lá são especializados em crianças “. Se o tema já apavora, assistir a morte de recém-nascidos até 18 anos é de cortar o coração mas por lá já passaram mais de 50 jovens que partiram em paz. Totalmente gratuito, mantido com doações, o local foi projetado por uma arquiteta, tem dignidade e acolhimento em seus espaços e merece ser divulgado. Outra ação, o Instituto Paliar (www.paliar.com.br) treina profissionais especializados em cursos paliativos, focados no óbito. Pouco conhecido no Brasil, repleto de preconceito e muitas vezes perversamente chamados de ” casas da morte” os hospices vieram pra ficar e hoje representam uma opção madura na vida dos brasileiros. Como diria Luiz Melodia: Se alguém quer matar-me de amor, que me mate….. Vai em paz Pérola Negra!
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