“Até que ponto ninguém realmente solta a mão de ninguém?”, questiona Kenia Maria sobre o movimento feminista


Presente na lista dos cem maiores influenciadores negros do mundo, Kenia Maria conversou com o site Heloisa Tolipan sobre feminismo, racismo, idealização de felicidade, família e inserção do negro na sociedade. A escritora ainda comentou a retomada do casamento com o ator Érico Brás, após quase um ano separados, e nos adiantou com exclusividade o lançamento de um livro e a estreia de uma peça de teatro, em parceria com o marido, para o segundo semestre.

*Por Felipe Rebouças

Lutar por melhores condições de vida na sociedade, de modo geral, e reivindicar equiparação de salários, direitos e deveres de homens e mulheres é a missão que está na ordem do dia. Somado a isso, há grupos e bandeiras que advogam em favor de uma segunda e verdadeira abolição racial no país – dados os índices de escolaridade, encarceramento e taxa de mortalidade da população negra. Nesses processos, que correm paralelamente, Kenia Maria é uma ilustre representante brasileira. A escritora, consultora e youtuber entre os cem maiores influenciadores negros do mundo, segundo lista divulgada na Most Influential People of African Descendent (Mipad) em 2018, propõe um debate acerca do que se luta, como se luta, por qual objetivo e, principalmente, com quem se luta. “‘Marielle’ entra pela porta de serviço todos os dias e ninguém sequer pergunta se o olho roxo veio de um tombo ou de uma agressão”, exemplifica Kenia.

De acordo com Kenia é imprescindível que as pessoas à frente dos movimentos sociais repensem e assumam o que ela classifica como “lugar de branquitude”. “As sufragistas, We Can Do It, e outras referências do século passado se levantaram há mais ou menos cem anos. As mulheres negras lutam contra abusos e opressão há mais de meio milênio”, afirma. “O poder da branquitude nos dias de hoje está presente no tipo de abordagem que um policial decide adotar ao flagrar um adolescente de classe média com um baseado na boca e um filho de uma mãe negra fazendo o mesmo”, diz.

“Existe uma dívida histórica muita grande em relação aos negros”. (Foto/Divulgação)

Para exemplificar seu pensamento, Kenia recorreu ao Big Brother Brasil 20, no qual Babu Santana ficou isolado do grupo de mulheres que norteia as votações na casa. “Quando eu vejo o Babu, um ator incrível que interpretou Tim Maia, sendo tachado como um monstro por mulheres brancas e outro integrante (Prior) mimado, mal educado, que coloca dedo na cara de mulher sendo tolerado interpreto que a branquitude toca essas mulheres e elas inconscientemente o protegem”, opina. “E nesse momento me pergunto: ‘até que ponto ninguém realmente solta a mão de ninguém?'”, questiona. “Porque o discurso está correto, mas não é necessariamente o que vemos na prática”, pondera.

Após mais de 20 anos atuando em defesa dos direitos negros, Kenia foi nomeada pela ONU Mulheres do Brasil, em 2017, como a primeira Defensora dos Direitos das Mulheres Negras. No ano seguinte, ela entrou na lista da Mipad e, em janeiro de 2019, foi a primeira brasileira a participar e discursar na Marcha Mundial das Mulheres, em frente à Casa Branca, em Washington. “Existe uma dívida histórica muita grande em relação aos negros. O movimento feminista tem que se apoiar na interseccionalidade racial e de gênero para entender onde queremos chegar. Quando você subjuga um homem negro, por exemplo, a mulher negra também sofre pois é a última na pirâmide social”, comenta.

“Desde os tempos da escravidão a família negra é separada [na venda de escravos]. Os colonizadores entenderam que era importante fragmentar a instituição família para seguir no comando. Dividir para conquistar. Hoje, nas favelas, muitas mães negras criam seus filhos sozinhos enquanto os pais estão mortos, presos ou com fuzil na mão”, afirma.

Releitura da família margarina 

Engajada na reflexão acerca dos padrões de felicidade e família ideal na nossa sociedade, Kenia criou, em 2007, o canal ‘Tá Bom Pra Você?‘, cujo objetivo é “recriar peças publicitárias a fim de propor a criação de novas imagens”, segundo descrição publicada no YouTube. “A quarta revolução industrial vem com o audiovisual e quero os negros inseridos nela”, afirma a escritora.

No vídeo, com mais de 50 mil visualizações, ela contracena com filhos mais velhos Gabriela e Mateus Dias e o marido e ator, Érico Brás. O casal esteve separado ao longo de 2019, mas reatou no mês passado. O próprio Érico anunciou a retomada do relacionamento com Kenia no programa  ‘Se Joga’, no qual ele é apresentador ao lado de Fernanda Gentil e Fabiana Karla. “Tivemos um tempo distante para refletir, pensar, o que é muito normal
entre dois adultos. Depois de uma reflexão resolvemos voltar. Foi bom para ambos”, afirma Kenia, que passou uma temporada nos Estados Unidos, onde desenvolveu uma pesquisa sobre a comunidade afroamericana.

“Tivemos um tempo distante para refletir, pensar, o que é muito normal entre dois adultos. Depois de uma reflexão resolvemos voltar. Foi bom para ambos”, afirma Kenia (Foto: Daniel Chiacos)

Nessa viagem, ela contou com a companhia de figuras relevantes como David A. Wilson, ex-vice presidente da BET Digital, Zachary T. Kiesch, âncora do canal ABC, Sidra Smith, produtora do filme ‘Libertem Angela Davis’. “O David [A. Wilson] foi quem me hospedou no prédio que morou The Notorious B.I.G.”, revela.

Para este ano, ela pretende lançar um livro com base na experiência vivida no exterior, além de escrever uma peça de teatro em parceria com Érico. “Vamos apresentar, no segundo semestre, uma peça de humor que conta a criação do mundo e o descobrimento do Brasil através do olhar de um anjo que se nega contar a história verdadeira a uma mulher negra. Vai ser uma crítica muito interessante para refletirmos sobre símbolos antigos e construídos pela colonização”, conclui.