O advogado Richard Rodrigues, 60 anos, vem sacudindo Oswaldo Cruz e Madureira ao apresentar uma chapa de oposição para concorrer às eleições na Portela, cujos sócios escolherão o novo corpo administrativo da instituição no fim do mês. Ex-subsecretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Richard está na agremiação há quatro décadas e tem encontrado uma legião de apoiadores que busca por mudanças na maior campeã do Carnaval Carioca. Pacificador e democrata, ele têm posições contundentes sobre as relações de trabalho dentro da escola.
“Não é possível que, em pleno século 21, tenhamos funcionários trabalhando sem direitos assegurados, como FGTS, décimo terceiro e férias. Os prestadores de serviços precisam ter carteira assinada, não podem dormir no barracão em cima de carros alegóricos ou colchonetes. Isso sem falar no atraso de salários, na alimentação irregular e na falta de dinheiro para o transporte. Não podem culpabilizar somente a pandemia, porque tudo isso já acontecia antes da crise sanitária provocada pela COVID-19. O problema está na gestão”, ressalta Rodrigues.
Nesta entrevista exclusiva, o candidato à presidência da escola pela chapa Respeita Portela, a ser inscrita nos próximos dias, critica o modelo centralizador de administração, que exclui a participação efetiva da comunidade e das torcidas; quer oferecer plano de saúde para os baluartes da Velha Guarda; intenta unir e reorganizar a escola para disputar título (a Portela não ganha um campeonato individualmente há 52 anos) e comunica que, ao ganhar as eleições, o estatuto, a lista de sócios e as prestações de contas da Portela serão disponibilizados no site.
“A gente precisa acabar com esse obscurantismo. Isso afasta investimentos do poder público e de empresas privadas. Ou a modernizamos e profissionalizamos a gestão da escola, com atos democráticos, progressistas, ou a Portela não avançará. Continuará do jeito que está, fragilizada, voltando em desfiles das campeãs para cumprir tabela. A gente quer ganhar título. E, para ser campeã, é preciso arrumar a casa”, diz.
HT – Por que motivos o senhor decidiu se candidatar às eleições 2022 na Portela?
Richard – Porque acredito que posso contribuir para a melhoria da instituição. Escola de samba não pode se resumir a um desfile anual, mas a um conjunto de ações que precisa estar intimamente associado às comunidades de seu entorno. O alicerce de uma agremiação é a Velha Guarda, que preserva os elementos de sua constituição, bem como a comunidade que a ergueu e as suas torcidas. Portanto, precisamos dar vez e voz a essas pessoas. Eu não tenho interesse em fazer uma gestão centralizadora. Não funciona mais. É um modelo anacrônico, ultrapassado, de administração. Precisamos da participação efetiva daqueles que, dos bastidores, constroem o espetáculo direta ou indiretamente. Ou a gente avança neste terreno ou, no caso da Portela, permaneceremos neste lugar, sem efetivamente disputar títulos. Escola de samba tem de entrar na Avenida para brigar pelo campeonato. E na Portela há um certo comodismo. Não é normal uma escola não vencer individualmente há 52 anos. Desde 1970, com “Lendas e mistérios da Amazônia” que a escola não ganha de verdade. Os títulos de 1980, 1984 e 2017 foram divididos com outras agremiações. Sozinha, a Portela não vence há mais de cinco décadas.
HT – Mas a que o senhor atribui esse fato?
Richard – À administração. Todos imputam culpa a carnavalescos e a segmentos. Isso é injusto. Escola de samba é conjunto. É o todo. Se a administração não cuida dos segmentos como deve, as lideranças e os diretores de departamentos ficam desmotivados. As pessoas precisam ser pagas devidamente. Muitos sobrevivem do trabalho que desenvolvem nas escolas. Se desejamos uma performance incrível do casal de mestre-sala e porta-bandeira temos de apoiá-los e remunerá-los de forma justa. Igualmente, precisamos pensar nos mestre e diretores de bateria, no intérprete principal e nos que o acompanham no carro de som, nos diretores de Harmonia, nos bailarinos e coreógrafos da Comissão de Frente, nas baianas, passistas, destaques. Estou exemplificando com aqueles que ficam mais expostos durante o desfile. Mas no barracão e na quadra há um corpo de funcionários totalmente invisibilizado, que deve ser tratado com dignidade. Todos merecem a nossa atenção redobrada. Relações de trabalho precarizadas em pleno século 21? Isso precisa e deve ser revisto e extinto. Na Portela, o objetivo é legalizarmos todos os profissionais que prestam serviços para a escola. Precisam ter direitos trabalhistas garantidos, ou seja, carteira de trabalho assinada, férias remuneradas, décimo terceiro. No cotidiano, se houver organização, as pessoas têm de cumprir carga horária definida. A gente não pode ter funcionário dormindo no barracão em cima de carro alegórico, colchonetes ou papelões. Isso é desumano.
HT – Mas como o senhor pretende transformar um sistema tão complexo e naturalizado dentro das escolas de samba?
Richard – Não estarei inventando nada. Sou um advogado. Se eu não prezar pela legalidade dentro da Portela, instituição para a qual estou me candidatando à presidência, quem o fará? Muitas agremiações já vêm reformulando as relações trabalhistas com os funcionários. Na verdade, a gente precisa distinguir escola de samba de desfiles. As escolas devem ser pensadas como instrumentos de transformação das comunidades em que estão inseridas. Elas talvez sejam o elo cultural e o palco de representatividade mais efetivo existente no território em que se localizam. Já os desfiles são um espetáculo e têm de ser tratados de forma empresarial, porque ao longo das décadas as escolas foram cedendo às pressões da indústria do entretenimento. Candeia lutou contra isso. Mas chegamos até aqui. Está estabelecido. O que precisamos fazer é resguardar, proteger, amparar os nossos profissionais que se dedicam por inteiro ao processo de construção dos desfiles. A gente não pode fazer um espetáculo lindo na Avenida, com pessoas em situação de vulnerabilidade nos bastidores. Na Portela, podem ter a certeza de que esse quadro se modificará. Eu não compactuo com o que vem acontecendo.
HT – A chapa “Respeita Portela” surge como uma novidade após nove anos de gestão da “Portela Verdade”. Como o senhor pretende convencer os eleitores de que a oposição, de fato, é a melhor opção?
Richard – Veja bem, eu creio na capacidade de discernimento de todos os sócios. Eu sou um democrata. E acho importante que haja divergências e debates de ideias, de forma respeitosa. Os portelenses precisam refletir se a atual administração deve prosseguir ou se a Respeita Portela, que propõe uma reformulação no modelo de gestão, merece a oportunidade de mostrar a que veio. Ninguém aqui é aventureiro ou inexperiente. Conhecemos escola de samba e a dinâmica dos barracões. Da forma como a Portela se encontra hoje não está bom. Todos sabemos. Há um obscurantismo administrativo que não cabe mais na atual conjuntura sociopolítica do país. Queremos que a sociedade civil tenha acesso ao nosso estatuto, que a listagem de sócios esteja publicada no site, bem como a prestação de contas. Essa transparência é importante porque incentivará as próprias instâncias de governo e as empresas privadas a investirem na escola. Desejamos fazer um balanço financeiro e social ao término de cada ano. Temos urgência em modernizar administrativamente a Portela. A marca é uma potência. É tão poderosa quanto a de um time de futebol renomado da primeira divisão. Não conseguimos compreender o porquê de em quase uma década de administração, a atual gestão não ter feito nada disso.
HT – Caso a Respeita Portela vença, quais serão as primeiras medidas que o senhor e a nova diretora adotarão?
Richard – Primeiramente, há algo fundamental que é levantar o passivo da escola. Precisamos saber quanto a Portela deve, de fato, no mercado. Falam em R$ 10 milhões, R$ 15 milhões e até R$ 20 milhões. A gente não tem essa informação com precisão. A partir disso, começaremos as negociações para pagar todo mundo. A nossa ideia é contratar uma auditoria externa que nos ajude neste levantamento. É preciso esclarecer que não vamos adotar um processo expulsório ou condenatório, o vulgo “caça às bruxas”. A gente não quer briga. Desejamos organizar a escola, pagar funcionários e empresas credoras. Se conseguirmos fazer isso, já começaremos a nossa administração no lucro. Há uma outra questão em particular que nos sensibiliza e se relaciona à assistência médica aos baluartes da Velha Guarda. Vamos buscar possíveis parcerias com planos de saúde a fim de que esses verdadeiros patrimônios da Portela possam receber a assistência que merecem quando preciso for. Sabemos o quão caro é um plano de saúde para idosos. Temos tudo para conseguir.
HT – Disputas de sambas-de-enredo têm se tornado um tema bastante delicado nas escolas de samba. Como pretendem tratar esse processo?
Richard – Da forma mais democrática possível. Temos de ouvir a ala dos compositores, a direção de bateria, a de Harmonia, passistas, baianas, enfim todos os segmentos, bem como a comunidade e as torcidas. Essas pessoas não podem ficar de fora do debate. Afinal, são elas que irão cantar o samba na Avenida. Precisamos pacificar isso dentro da Portela. Os compositores não podem se tornar inimigos em função de derrotas ou vitórias. A Portela é maior do que qualquer divergência. Se as pessoas desejam transparência no processo de escolha de sambas por que não fazê-lo? Querem que os julgadores declarem o voto abertamente, justificando a escolha? Façamos! Pretendemos quebrar paradigmas. E o maior deles será dar voz e vez àqueles grupos historicamente excluídos dos processos de decisão dentro da escola.
HT – Em 2023, a Portela faz 100 anos. Quais são as celebrações programadas pela Respeita Portela após uma possível vitória? Já vem sendo divulgado pela atual administração que o enredo será o centenário da escola…
Richard – Particularmente, acho que deveriam ter aguardado o resultado das eleições para tomarem quaisquer medidas relativas à renovação de contratos e à escolha do enredo. É unanimidade que a escola, completando um século no próximo ano, tenha a própria história contada no desfile 2023. Por uma questão de princípios ético e moral, bem como também de respeito aos profissionais, talvez não adotemos mudanças radicais se formos eleitos. Não discutimos ainda essas questões. A gente quer primeiro ganhar as eleições na Portela.
HT – A Portela é uma das poucas instituições no mundo do samba em que os debates sempre se deram de forma democrática sem interferências político-partidárias. Continua sendo assim?
Richard – De nossa parte sim. E creio que na chapa da situação também. Não pode haver retaliação política junto a pessoas que se manifestem a favor ou contra a uma determinada chapa num processo eleitoral dentro de escola de samba. Os portelenses precisam ter esse direito assegurado. Solicitamos à atual gestão a listagem de sócios para verificarmos quantos votantes temos hoje na Portela, quem são e quando foram incluídos. Muitas pessoas tiveram o título de sócio contribuinte suspenso ou foram excluídas, durante a pandemia, sem comunicação prévia por carta registrada, conforme preconiza o estatuto. Teriam de dar a essas pessoas o direito a recurso administrativo. Não podem simplesmente cassar o título a bel prazer, sem que esses associados possam recorrer da decisão. Precisamos ser justos, transparentes, com todos os sócios.
HT – Mas por que motivos fizeram isso?
Richard – Isso teria de ser questionado a eles. É o que estamos buscando fazer, com a solicitação da lista de sócios. Pelo estatuto atual, a convocação de eleição e a lista de sócios devem ser divulgadas somente dez dias antes do pleito. Como uma chapa de oposição pode fazer campanha conhecendo os eleitores da escola a dez dias do votação. Isso é um absurdo. Não há motivos para lançarmos mão deste artifício em busca da pepertuação da gestão. Alternância de poder é importante em um processo democrático. Deixemos os portelenses livres para fazerem as suas escolhas. Se a maioria considerar que a chapa da situação tem de permanecer na Portela, tudo bem. Mas se os portelenses avaliarem que devamos assumir para reorganizar a escola, dando-nos um voto de confiança, ficaremos muitíssimo felizes. E não decepcionaremos. As eleições precisam ocorrer dentro da legalidade e total transparência. Aliás, iremos propor à chapa da situação um debate público entre mim e o outro candidato à presidência, com transmissão ao vivo pelo YouTube. Seria importante. Se eles vão aceitar não sabemos. Mas quem não deve não teme. Eu estou pronto para a contraposição de ideias. Democracia se consolida também e, sobretudo, na divergência.
O SITE HT convida, desde já, a Chapa Portela Verdade, da situação, para uma entrevista com o seu candidato à presidência, Fábio Pavão.
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