*Por Domênica Soares
Os cenários sociais e econômicos do Brasil vêm passando por mudanças significativas. Exemplos? Jaciana Melquiades, Gabriela Azevedo, Lorena Coimbra, Andressa Abreu e Renata Varella são mulheres negras empoderadas que decidiram tomar o rumo de suas próprias vidas e apostar no mundo do empreendedorismo. Passaram então a ocupar um espaço no universo dos negócios que, inicialmente, tinham somente homens brancos como protagonistas. “Empreender no Brasil sendo uma mulher negra as dificuldades aumentam. O machismo e o racismo criam entraves e barreiras para nós, diariamente. Ter que ser maior e melhor todo dia é uma realidade”, frisa Jaciana Melquiades.
Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Jaciana, historiadora que fundou a “Era Uma Vez O Mundo”, marca de brinquedos para crianças negras, foi pioneira na área e abriu a primeira loja do Brasil, no Centro do Rio, onde vende exclusivamente bonecas negras. Para ela, um dos maiores desafios é provar a competência que tem diariamente. “Todo dia nossa capacidade de gerir um negócio é colocada à prova e somos questionadas sobre os lugares que ocupamos. Precisamos crescer com frequência indo contra uma maré de preconceitos que ainda resistem em 2019”, afirma. Ela conta que seu negócio começou a partir da identificação na necessidade de criar um universo em que seu filho conseguisse se enxergar. Iniciou seu empreendimento de forma despretensiosa, apenas com o objetivo de encontrar brinquedos que estimulassem a diversidade, mas acabou enxergando uma oportunidade de negócio e assim a “Era Uma Vez O Mundo” nasceu. Ela conta ainda que percebe que muitas mulheres negras empreendem em negócios de impacto social, que para além do lucro, exista também uma preocupação com o social. “Não atribuo isso ao fato de serem mulheres, mas fico muito feliz em fazer parte de um grupo que está ao meu lado praticando ações nas quais também acredito. Precisamos mudar o cenário padrão de empreendedorismo. Só pelo fato de sermos mulheres atravessadas pelo machismo é um ponto ruim, mas ter que lidar diariamente com essa estrutura machista e racista não é opção”.
Para quem está começando ela dá uma dica de ouro que é o planejamento ao máximo das atividades que conseguir, a trajetória que quer trilhar e o processo que chegará até a finalização. “Pode ser que não consiga cumprir tudo, mas ter uma meta bem definida é extremamente importante. Além disso, é essencial montar uma rede de apoio sólida, com conexões com outras empreendedoras. É fundamental para o crescimento coletivo. E claro, as metas de crescimento que precisam estar alinhadas para que consiga medir os esforços e pensar nos resultados”, comenta.
Nesse mesmo barco, Gabriela Azevedo fundou a “Trança Terapia”, espaço em Campo Grande, na Zona Oeste, onde a mulher preta cuida do cabelo enquanto se reconecta com sua ancestralidade através de rodas de conversa, leituras e acolhimento. Atualmente, o projeto oferece cursos gratuitos e pagos para mulheres aprenderem a trançar e, consequentemente, se sustentarem por meio de um novo negócio. Ela afirma que ser uma mulher negra empreendedora consiste em enfrentar grandes desafios todos os dias, visto que estão na base da pirâmide e, consequentemente, possuem menos oportunidades do que qualquer outra pessoa. “O maior desafio é criar estratégias inclusivas onde a gente consiga ter uma rotina que agregue uma boa gestão não só empresarial mas também como domiciliar e familiar”.
Gabriela comenta que esse tipo de atividade possui aspectos bons e ruins. O bom é ter uma flexibilidade de optar por qual caminho percorrer em sua carreira, como organizar sua carga horária da melhor forma, administrar seu próprio dinheiro e ter tempo de investir em conhecimento. O contraponto vem ao analisar que o país é racista e machista e para conseguir remar nessa maré oposta é necessário muita luta. “Além de carregar uma marca e empresa, precisamos ser um corpo político e assim ir criando nosso espaço”, declara.
Em tempo: neste domingo, Gabriela realiza o Primeiro Congresso de Trancistas do Brasil na Rua Campo Grande, 446.
Ainda sobre empoderamento através dos cabelos, Andressa Abreu e Renata Silva criaram o “Clube das Pretas”, primeiro salão do Brasil especializado em cabelos cacheados e crespos sem utilização de química localizado no bairro do Humaitá. Atualmente, além de cuidar das madeixas, elas também oferecem cursos de capacitação para mulheres negras em situação de vulnerabilidade. Andressa diz que já atuava de forma autônoma como fisioterapeuta há 10 anos e que, desde então, teve vontade de gerir um novo negócio. Dessa inquietude, ela criou com sua amiga o Clube das Pretas que veio com a necessidade da mulher negra ter um espaço de atendimento de qualidade de cuidados com seus cabelos.
“Nós não tínhamos esse espaço e, então, chegamos para quebrar o paradigma e o padrão eurocêntrico, preestabelecido pela sociedade dos cabelos lisos e essa foi a principal causa para começar nosso negócio”, comenta Andressa. Para ela, empreender no Brasil é uma luta diária visto que nosso país tem no topo da pirâmide social o homem branco, então é difícil associar um negócio à liderança de uma mulher preta. “Parece que nunca poderíamos estar nesses locais, temos sempre que fazer mais e provar que somos capazes. Em contrapartida sinto que há um movimento de fortalecimento por parte de outras mulheres negras que, normalmente, acolhem e demonstram orgulho em saber que estamos empreendendo”. Renata Silva, sócia de Andressa, comenta que um dos maiores desafios é ter acesso às ferramentas e networking necessários para “fazer direito”, para que o negócio seja gerenciado e se comunique de forma profissional: “O desafio é montar um negócio competitivo com recursos próprios e escassos”.
Lorena Coimbra faz parte desse círculo de grandes mulheres empreendedoras e criou o “Food Tech”, empresa de alimentos funcionais, como brigadeiros de pote sem lactose e zero adição de açúcar feitos com biomassa de banana verde e colágeno. “Comecei em 2016 com a Koky Alimentos e, em paralelo, conheci muitos empreendedores do mesmo segmento e que precisavam e estavam à procura de engenheiros de alimentos para auxiliá-los nos seus processos produtivos e desenvolvimento de produtos. Foi a partir daí que comecei a fazer consultorias”. Contudo, após análises comerciais, Lorena percebeu que a empresa estava no vermelho e, então, decidiu fechá-la, mas mesmo assim não desistiu de empreender. Dessa garra nasceu a “Food Tech”, empresa de três pilares: inovação, qualidade e sustentabilidade, que oferece consultorias.“Todos nossos serviços estão ligados ao conceito foodtech e processos limpos. Estamos crescendo de 1 a 2% ao mês e a previsão para o ano que vem é de até 5%”.
Sobre empreender, Lorena acredita que o benefício seja a criação de possibilidades e processos, produtos e valores. Ela comenta que sente muito orgulho de perceber a capacidade de criação que tem. “Nós, mulheres negras, estamos nos unindo através do empreendedorismo para compartilhar nossa caminhada, algo que sempre foi necessário, mas não encontrávamos ponto de apoio para essa troca. Entretanto, não podemos deixar de citar que existem mazelas, que sempre estão ligadas com os fragmentos de racismo e misoginia. O bom é que estamos abrindo espaço para debates, mas há um gasto maior de energia sempre, porque precisamos nos reafirmar como potências executoras do que estamos nos propondo a fazer”, conclui.
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