Arlete Salles divide os novos desafios na carreira, fala sobre o vínculo na TV e da experiência com o câncer de mama


Em entrevista exclusiva, a atriz celebra o premiado filme “Tia Virgínia”  que estrela ao lado de Vera Holtz e Louise Cardoso, comenta sobre os novos trabalhos que diz que já reconhece com o desafios, mesmo após quase 60 anos de carreira, já que acontecem quase que de forma simultânea, a nova novela das 19h da Globo ‘A vovó sumiu’, em que fará gêmeas bem diferentes; e o longa ‘O Diário de dona Lurdes’, ao lado de Regina Casé. Mesmo discreta sobre o tema, Arlete compartilha sua experiência com o câncer no passado, como forma de alerta neste ‘Outubro Rosa’. “É fundamental investir na prevenção, até porque é um diagnóstico difícil de encarar, mas é preciso buscar o tratamento, mesmo para quem encontra dificuldades neste caminho, é preciso não se abandonar. Sei que estive em um lugar privilegiado de tratamento, com bons médicos. Ainda assim, cheguei ao final desta jornada muito desgastada, porque é bem pesado”

*Por Brunna Condini

Um dos pilares da teledramaturgia brasileira e com quase seis décadas dedicadas ao ofício de interpretar, Arlete Salles já tem seu talento eternizado em papeis memoráveis em folhetins como ‘Roque Santeiro’ (1985), e ‘Tieta’ (1989) e ‘Lua Cheia de amor’ (1990), entre outros grandes trabalhos na TV, mais ainda assim, quando se vê diante de um desafio sabe encará-lo com o frescor conservado ao longo da carreira. Tanto, que aos 85 anos experimenta o entusiasmo e a expectativa de ter sido escalada para ser a protagonista de ‘A Vovó Sumiu‘, próxima trama das 19h de Daniel Ortiz. E não para por aí, no fim do ano, começa a gravar quase que simultaneamente com a novela, o longa ‘Diário da Dona Lurdes‘, estrelado por Regina Casé, adaptação do livro homônimo de Manuela Dias, criado a partir da novela ‘Amor de Mãe‘ (2019). “No filme faço a Zuleica, que se torna grande amiga da dona Lurdes. Sou fã da Regina, por isso topei. Na novela, vou fazer gêmeas, trabalho dobrado (risos). Uma desaparece (Frida) e a outra fica na trama (Catarina), mas não é uma pessoa muito do bem. Nunca fiz antes duas personagens no mesmo trabalho. Vou interpretar na novela e no filme três mulheres próximas, preciso diferenciá-las, porque afinal na vida não existem pessoas iguais, não é mesmo? Então me sinto bem desafiada neste momento”.

E perguntamos: mesmo após quase 60 anos de carreira? “Não existe isso. Não importa quanto tempo de experiência temos, estamos sempre expostos à aprovação do público. É acertar ou acertar. Mas as vezes você não acerta, não ganha todas as partidas, nem na profissão e nem na existência, é preciso lidar com isso. Os desafios sãos bons porque nos movem. Já tive muitos na carreira e na vida, mas ainda estou aqui para te contar”, pontua Arlete, que estreia ainda o filme ‘Tia Virginia’ em 9 de novembro. Ao mencionar situações que exigem resiliência e superação, ela lembra que estamos no Outubro Rosa, mês de conscientização e de incentivo à prevenção do câncer de mama, e recorda aqui também a doença que precisou enfrentar em 2014. A atriz fala ainda do contrato com a Globo e dos planos futuro na TV e na arte.

Arlete Salles fala dos novos desafios na carreira, e partindo da própria experiência, sobre a prevenção do câncer de mama (Divulgação/ Globo)

Arlete Salles fala dos novos desafios na carreira, e partindo da própria experiência, sobre a prevenção do câncer de mama (Divulgação/ Globo)

Outubro Rosa

A atriz recebeu o diagnóstico do câncer de mama aos 71 anos e se submeteu à sessões de quimioterapia e cirurgias. “É fundamental investir na prevenção, até porque é um diagnóstico difícil de encarar, mas é preciso buscar o tratamento, mesmo para quem encontra dificuldades neste caminho, é preciso não se abandonar. Sei que estive em um lugar privilegiado de tratamento, com bons médicos. Ainda assim, cheguei ao final desta jornada muito desgastada, porque é bem pesado”. E compartilha:

Descobri a doença fazendo o autoexame, tive um diagnóstico precoce, o que é um dos pontos importantes como chance de cura. Existe cura para o câncer. Fiz quimioterapia, com paciência e gratidão – Arlete Salles

"É fundamental investir na prevenção, até porque é um diagnóstico difícil de encarar, mas é preciso buscar o tratamento" (Divulgação/Globo)

“É fundamental investir na prevenção, até porque é um diagnóstico difícil de encarar, mas é preciso buscar o tratamento” (Divulgação/Globo)

“No momento, tenho uma amiga que está atravessando um tratamento deste tipo e a primeira coisa que disse a ela foi: “Quando estiver começando sua quimio, converse com a medicação que vai entrar no seu corpo, agradeça pela cura antecipadamente, e ao final do tratamento, agradeça mais uma vez e diga que vocês nunca mais vão se ver”. Ela está concluindo o processo dela de forma positiva, como eu. O nosso estado mental, emocional, também é muito importante neste momento, vivenciei isso. É preciso coragem, força, acreditar, amar a vida, não se entregar, não deixar o espiritual enfraquecer, porque ele é apoio também. Temos mais coragem do que supomos”, inspira a atriz.

Daqui pra frente

São tempos estranhos esses em que as emissoras de televisão e sua teledramaturgia parecem valorizar em menor proporção seus talentos veteranos, aqueles que ajudaram a construir sua história. A economia pode ter mudado e com isso imposto a necessidade de adequação das empresas, mas é fundamental que a TV e quem está por trás dela, não esqueça que esses mesmo atores apostaram lá atrás suas vidas para abrir caminho na área. Apesar desta realidade, é inspirador ver grandes artistas fazendo bonito no streaming e trilhando uma trajetória diferente – como exemplo, Othon Bastos gravando ‘Dona Beja’ para HBO Max; e Herson Capri em ‘Beleza Fatal’, primeira novela do mesmo streaming. Interessante também é pensar, que novelas promissoras que estão no ar, vem sofrendo com os altos e baixos da audiência. Será que está faltando uma maior troca de gerações no enredo das tramas para equilibrar? Será que o público que envelhece também quer se ver retratado em boas histórias? Fica a reflexão.

Dito isto, depois de atuar em mais de 40 novelas e completar 55 anos prestando serviços à TV Globo, o vínculo de Arlete com a emissora também pode se transformar. “Na verdade, sobre isso há um silêncio da empresa ainda. O que sei, é que os contratos terminavam e nós sempre renovávamos, geralmente com quatro anos de duração. O atual vai até meados de março e estarei em plena gravação da novela. Não sei o que a empresa vai me propor, se vai querer renovar pelo tempo da novela, se vai propor me manter sob contrato, se vai ter aumento. Bom, seja o que for, as mudanças fazem parte da vida. Não tenho medo, o que existe é uma expectativa para entender como será daqui pra frente. Será como tem que ser”.

Caroline Dallarosa e Arlete Salles, em Além da Ilusão, última novela completa da atriz na Globo (Foto: Globo/Fábio Rocha)

Caroline Dallarosa e Arlete Salles, em Além da Ilusão, última novela completa da atriz na Globo (Foto: Globo/Fábio Rocha)

E acrescenta: “Tenho um desejo, de muito em breve, trabalhar menos, ficar mais em casa, com os meus. Vou trabalhar enquanto essa profissão me der alegria. Por exemplo, fico no palco muito feliz ainda. As vezes vou até bem cansada, refletindo se ainda gosto mesmo de fazer teatro, sabe? Mas basta estar em cena por cinco minutos que me vejo feliz, renovada nesta relação com o público. Fazer o que amo me dá vivacidade, um sopro de mocidade. Então, enquanto esses sentimentos existirem, vou prosseguir. Depois da maratona de novela e filme, pretendo voltar ao teatro, tanto com a peça ‘Ninguém dirá que é tarde demais’, um texto escrito pelo meu neto (Pedro Medina), a apresentação dele como dramaturgo. E também já tenho a proposta para uma outra peça. Sigo fazendo o que me toca”.

Tia Virginia

No momento, Arlete festeja fazer parte do longa ‘Tia Virgínia’, que nem estreou em circuito nacional e já levou os prêmios de Melhor Filme pelo Júri da Crítica, Melhor Atriz para Vera Holtz, Melhor Roteiro para Fabio Meira, Menção Honrosa do Júri para a atriz Vera Valdez, Melhor Direção de Arte para Ana Mara Abreu e Melhor Desenho de Som para Ruben Valdés, no 51º Festival de Gramado, na mostra competitiva de longas-metragens brasileiros deste ano. “Filmei antes da pandemia, é um filme muito bonito, feito de forma mais artesanal, delicada. O diretor foi muito cuidadoso em cada resultado de cena. Estou mais acostumada com a urgência da teledramaturgia, então foi uma experiência diferente. O cinema ainda é um espaço de criação mais novo pra mim, em termos de processo. Sou geminiana, mas ansiosinha (risos). O diretor, Fabio Meira, foi extremamente paciente e caprichoso”, conta.

Louise Cardoso, Vera Holtz e Arlete Salles em 'Tia Virginia', premiado longa (Divulgação)

Louise Cardoso, Vera Holtz e Arlete Salles em ‘Tia Virginia’, premiado longa (Divulgação)

“Faço a Vanda, irmã mais velha das personagens da Vera Holtz (que faz a tia Virginia) e da Louise Cardoso. A personagem da Vera ficou solteirona e precisou cuidar da mãe delas. Então, se sente lesada, abusada pelas irmãs neste sentido. Não casou, não teve vida própria, ficou ali, só cuidando da mãe doente e velha, abriu mão de tudo. Uma hora entende isso e vê que é inaceitável, porque tem uma vida para viver ainda”.