* Por Junior de Paula
Dez anos de carreira não são dez meses e nem dez dias e merecem ser comemorados com pompa e circunstância. Anna Ratto, aliás, sabe bem disso, já que nesta quarta-feira ela vai ver sua trajetória de 10 anos como cantora e compositora ser imortalizada na gravação do DVD que rola no Teatro Rival, a partir das 19h30. “Sou uma sonhadora compulsiva. Não é fácil. Persistir dá trabalho. Mas isso, fatalmente, me trouxe até aqui. E me levará a muitos lugares, se Deus quiser! Mas aprendi a ter os pés no chão e comemorar cada conquista a seu tempo. Esse DVD é uma conquista fortíssima! E já estou comemorando!”, explicou. Ela, entretanto, não vai estar sozinha, já que ninguém nesse mundo faz nada sem a ajuda dos outros. Anna, muito sabiamente, vai se cercar de amigos e parceiros musicais que fizeram parte desta história. Desde Roberta Sá, sua companheira de estrada e principal incentivadora desde os primeiros passos em aulas de canto lá nos idos de 2000, que vai ser a responsável pela direção do DVD, até parceiros mais recentes, como Lucas Vasconcellos e Erasmo Carlos. “Queremos mostrar mais do que uma nova intérprete de MPB, queremos mostrar a Anna Ratto, compositora. Temos bom material para tal”, afirma Roberta Sá. E o que Anna tem para falar sobre tudo isso? Vem com a gente ler a entrevista:
HT – O que mudou em você (sonhos, expectativas e artisticamente) do início da carreira para hoje, às vésperas de gravar o seu DVD?
AR – Levo susto toda vez que penso que se passaram dez anos. Voou! Mas acho que o tempo foi um bom companheiro. Quando olho pra trás, dá uma sensação boa, de bases firmes. Deu tempo de experimentar bastante. No estúdio, no palco, nas relações musicais, em geral. De escolher errado, de acertar. De morrer de medo, de ficar segura… Acredito muito na repetição, na força do trabalho, na proatividade para tudo evoluir. Em todas as áreas da vida. E penso que tem sido assim…
HT – Por falar em mudança, você teve de mudar de nome lá atrás, certo? Saiu do Anna Luisa para Anna Ratto. O que isso trouxe de bom e de ruim?
AR – À época, foi bem chato. Especialmente, a maneira… Fui pega de surpresa. Mas ficou lá atrás, como você disse. E, hoje, acho que foi das boas coisas que me aconteceram. Adotei o meu sobrenome mais “doido” e estranho. E também, o mais forte. Intuitivamente! Nem fiz numerologia para não confundir. Estava decidida. E as coisas têm fluído melhor, desde então. Parece bobagem, mas mexe na estrutura. Eu senti isso, gritantemente. Me fez bem, o contraste, a esquisitice. O que já foi um trauminha de infância passou a certo “borogodó”. Outro dia, ouvi que faço um som forte, com um timbre de voz doce. E que era um ótimo paradoxo. Gostei! É meio isso. E meu nome me representa!
HT – Você, além de intérprete marcante, é compositora das boas. Quais as mensagens mais recorrentes das suas composições e por quê? Tem vontade de se arriscar por algum caminho que ainda não se aventurou?
AR – Na verdade, nos dois primeiros discos, as mensagens iam para um caminho mais parecido. As letras falavam para os ritmos, tinham essa pegada mais regional-nordeste. Devaneios, lendas, quase contos, como é o caso de “Bailarina do Mar”, “Cabra-Cega”, “Seu Moço”… No último, eu troquei um pouco a “fórmula” e fui falar de amor, praticamente nele todo. Um tema que eu tocava pouco, por medo de soar clichê, sei lá. Embora, eu adore. E acabei soando. E curti a experiência! Era o momento. A inspiração. O discurso direto, o amor com leveza. Respeitei o que me veio.
Sobre me aventurar… Quero sim, mas sem uma obrigatoriedade. Meu negócio é mais cantar, mesmo. Até hoje, estranho esse título de compositora. Me sinto mais como uma cantora que gosta de escrever. Faço, quando sai, naturalmente. Sem uma pressão interna. E adoro cantar músicas dos outros. Sempre! Músicas que não me vejo compondo, mas me vejo sentindo e dizendo. Gostoso variar.
HT – Como você avalia o mercado para os novos artistas hoje? Ele é, como gostam de reafirmar, mais democrático ou essa possibilidade infinita às vezes é meio totalitária?
AR – As duas coisas. Por um lado, (cada vez) mais janelas para expôr o trabalho. Muitos espaços virtuais. Mais acesso. Mais gente te acha e te espalha (se curtir). A gente até consegue espaço para trabalhar sem ter que estar, necessariamente, na grande mídia tradicional. Encontra o público e se apresenta para ele. Mas isso leva tempo. Porque também tem cada vez mais gente buscando esses espaços. Muito mais gente querendo e se permitindo ser artista, gravando disco… Mais facilidades, mais tecnologia, mil programas e protools, e mil coisas… Você pode gravar um disco, sem sair de casa. Nem sempre com a mesma qualidade. Mas pode. Conseguir um lugar de destaque nesse universo gigante é que “são elas”. Os nichos ficam ultra distribuídos. Difícil absorver e focar tanto. Daí, leva mais tempo. Até você, realmente, conquistar um lugar ao sol, sobreviver de música, o caminho é árduo. Ainda mais se o mercado não está aquecido para o tipo de música que você faz.
HT – Como você e Roberta se conheceram e como vocês participam uma da carreira da outra nesse tempo de convivência?
AR – Em uma aula de canto, em grupo. Na época, hobby ainda. Tínhamos 15/16 anos… O santo bateu, de cara! Ficamos amigas, rapidíssimo. Ela mergulhou um pouco antes na carreira, e acabou me puxando, logo depois, quando me indicou para um projeto que precisava de uma voz feminina. Na real, sempre quis ser cantora, aquele sonho infantil. Mas custei a enxergar que era realizável. Até que fui! Nós duas, sempre continuamos muito próximas e o assunto música sempre na nossa pauta. Mas, em algum momento, cada uma ficou mais “a sós” (só profissionalmente), traçando a sua história, encontrando a sua turma, querendo se encontrar também. Mas sem nunca, claro, deixar de trocar experiências. E cá estamos, agora, trabalhando juntas. Ela, trazendo a experiência do percurso lindo dela, e abraçando esse projeto do DVD com todo o amor e carinho do mundo. Está sendo delicioso e emocionante! Existe uma confiança mútua muito grande, que já é antiga. E isso faz tudo fluir…
HT – Você vai gravar seu DVD no Rival, no coração da Cinelândia, local que tem sido o epicentro das manifestações populares recentes e que, ao que parece, estão voltando com força e violência total de novo (como ontem, por exemplo). Como você viu essa movimentação? Você participou das manifestações? O que achou e o que acha dessa passo adiante dos cidadãos brasileiros? Isso a inspirou de alguma maneira?
AR – Participei de algumas, no início. No auge do primeiro impulso coletivo (que foi ali, a partir do aumento das tarifas de ônibus. Uma gota d’água num oceano de absurdos…). Foi lindo. Tava me sentindo fazendo parte de um ato histórico, de uma chance de virada de página. Mas isso foi antes das coisas começarem a perder foco e força por conta de alguns poucos ‘aproveitadores’ (manipulados ou não por poderes maiores…) que acabaram “atraindo” mais a atenção da grande mídia do que o real sentido da movimentação. O que foi uma grande pena. E vem sendo… Claro que acho maravilhosa a iniciativa. Acho que é preciso insistir. O Brasil, comparado a outros países da Europa, e até a Argentina, por exemplo, tem pouca tradição de ir para as ruas, reinvindicar, protestar, cobrar direitos. A maior parte, mal sabe deles… Por falta de oportunidade e acesso à informação. E segue vivendo no caos. Acostumada. Mas são muitos interesses envolvidos. A falta de recurso não consegue peitar o poder… Tem muito para mudar, muita máscara para cair, muita sujeira pra “tirar”. Ao menos, os meios de comunicação, precisavam se aliar mais e amplificar essa voz que acabou massacrada pelo enfoque maior dado aos atos de violência. Não que isso não merecesse espaço, mas calou o que, realmente, precisava ser destacado. A real motivação. O oceano de absurdos… Mas isso é um assunto que dá pano para mangas. Eu continuo torcendo. E acreditando nas possibilidades de mudança.
HT – Onde você quer estar daqui a 10 anos?
AR – Uau!… Não parei pra pensar. Claro que faço planos. Mas 10 anos é um bom prazo… Vou colocando o tijolo e o cimento, e depois mais um tijolo… Com calma, pAra fazer direitinho. Isso eu acho que aprendi. Sou ansiosa, mas não adianta colocar o carro na frente dos bois. Enfim, espero estar persistindo. Fazendo música, agregando valor (risos). Bem de saúde, com muita energia pAra continuar produzindo, muito! Voz, corpo e mente, num lugar decente.
HT – Conta um pouco do que podemos esperar do DVD. Agradeça quem você quer agradecer, conta os detalhes que ainda não contou.. Enfim, fale o que quiser e como quiser sobre ele!
AR – Um show solar. Uma celebração. Uma conjunção de fatores maravilhosos. Tô muito feliz e orgulhosa de ter agregado pessoas tão talentosas. Meus diretores Roberta Sá e Rodrigo Vidal, dois olhares preciosos na montagem do quebra-cabeça todo. O David Pacheco, cuidadosíssimo na direção geral. Uma banda de feras: Fernando Caneca, Emerson Mardhine, Cesinha, Marcelo Costa, Lucas Vasconcellos e Fabrizio Iorio. O cenário da Gigi Barreto. O Miltinho Castanheira, no figurino; a produção e técnica! Tudo!
* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.
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