Anielle Franco resgata legado da irmã Marielle e não descarta vida política: ‘Mentiria se negasse, mas não agora’


No mês em que se celebra o aniversário de Marielle Franco e o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, Anielle estreia websérie ‘Para Onde Vamos’ – que será exibida no Canal Brasil e Globo Play, e lança livro em quadrinhos. Ela fala do legado, da saudade avassaladora que sente da irmã e responde às expectativas de uma futura candidatura: “Meu foco hoje é fazer política de uma forma diferenciada. Acredito que a política é feita para além de partidos e partidários. Podemos fazê-la pelo simples fato de estarmos vivas hoje. Então, quero deixar claro que não sou filiada ao PT e nem ao PSOL, mas acompanho e trabalho próxima a vários mandatos. Estamos sempre caminhando lado a lado com essas pessoas. Te digo que não sei se em algum momento entrarei para a política institucional, mas as vezes penso, sim. Só que no momento a resposta é não”

*Por Brunna Condini

No próximo dia 27, Marielle Franco faria 42 anos. Quando foi morta, em 14 de março de 2018, ela era a segunda vereadora mais votada do país e uma líder admirada no movimento negro e LGBTQI+. Anielle Franco, sua irmã e diretora do Instituto Marielle Franco fala com exclusividade ao site sobre a saudade que sente de Marielle, do seu legado que vem batalhando para manter vivo, e também do Julho das Pretas, um calendário ao longo do mês que celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha (25) e uma série de estreias promovidas pelo Instituto.

Pensando em inspirar mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas para seguirem movendo as estruturas da sociedade em busca de mais justiça e igualdade, Anielle lança nesta quarta-feira (7) a websérie ‘Para Onde Vamos‘, que será exibida no Canal Brasil e na Globoplay. “É um momento muito importante para os movimentos negros, em especial para os movimentos de mulheres negras, onde se celebra a trajetória, a luta, o pioneirismo e a resistência das nossas mais velhas, das nossas ancestrais e das nossas que aqui estão”, diz Anielle.

Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco que faria 42 anos no dia 27 deste mês (Foto: Bléia Campos)

Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco que faria 42 anos no dia 27 deste mês (Foto: Bléia Campos)

“Como uma organização que tem como missão potencializar mulheres negras e como pilar a defesa da memória, estamos fazendo muitas ações neste sentido. Claro que entendemos que todos os dias são de muita luta, mas esse mês é emblemático, nosso movimento representa força. Também estou na websérie que tem formato documental e conta a história de cinco ativistas negras, cada uma por episódio. São mulheres que dentro da política institucional ou na sociedade civil, atuam em seus territórios e são representantes da maior força de progresso e renovação hoje no Brasil”, explica sobre a produção que também fala das trajetórias de Áurea Carolina (Minas Gerais), Elaine Ferreira do Nascimento (Piauí), Paula Beatriz de Souza Cruz (São Paulo) e Vilma Reis (Bahia).

Falando em renovação, Anielle aproveita para desmistificar ideias equivocadas a respeito do racismo estrutural, como o termo ‘racismo reverso’, por exemplo. “Racismo reverso não existe. Se formos olhar todas as condições básicas, primárias, que o povo preto possui e que o povo branco possui, rapidamente entenderiam que o ‘racismo ao contrário’ não existe, porque as situações não são iguais. Pelo contrário: são muito desiguais. Importante também salientar que falar de racismo não é ‘mi mi mi’. Racismo mata, proíbe, inibe, tira todos os dias pessoas negras de lugares, que muitas vezes elas poderiam chegar, mas são impedidas”.

"Ela era muito presente. Gosto de sonhar com a Mari, mas é difícil. Até hoje foram só quatro sonhos e foram muito potentes" (Foto: Bléia Campos)

“Ela era muito presente. Gosto de sonhar com a Mari, mas é difícil. Até hoje foram só quatro sonhos e foram muito potentes” (Foto: Bléia Campos)

Saudade sem fim

Desde sempre para Anielle resistir para transformar o status quo vem do movimento constante. No entanto, desde a morte da irmã, admite que se movimentar é também uma forma de manter-se viva através de tudo pelo qual Marielle lutou. Ela conta que sua vida vem mudando muito desde a partida da vereadora: hoje não trabalha só para si, através das palestras e do instituto, mantém vive a memória, as ideias e os projetos em que Marielle acreditava, como o livro em quadrinhos ‘A Radical Imaginação Política das Mulheres Negras Brasileiras’, que lançou final de junho, uma contribuição no processo de soluções empreendidas pelas mulheres negras frente ao atual contexto de crise no país.

A agenda de Anielle Franco tem sido cada vez mais ocupada nestes quase quatro anos de ausência da irmã. É uma forma de torná-la visível, mesmo que a saudade não tenha fim. “Ela era muito presente. Gosto de sonhar com a Mari, mas é difícil. Até hoje foram só quatro sonhos e muito potentes. Teve um, inclusive, em que ela falava para eu fazer alguma coisa no aniversário dela, e eu fiz o ‘Papo Franco’ no Instituto, no ano passado. Mas, normalmente, são sonhos simbólicos, rápidos”, revela. “Tenho muita saudade da minha irmã. Mesmo quatro anos depois, é uma saudade que invade, que rasga a alma, que faz a gente pensar o quanto a gente podia tê-la aproveitado ainda mais enquanto estava aqui”.

“Tenho muita saudade da minha irmã. Mesmo quatro anos depois, é uma saudade que invade, que rasga a alma, que faz a gente pensar o quanto a gente podia tê-la aproveitado ainda mais enquanto estava aqui” (Reprodução)

“Tenho muita saudade da minha irmã. Mesmo quatro anos depois, é uma saudade que invade, que rasga a alma, que faz a gente pensar o quanto a gente podia tê-la aproveitado ainda mais enquanto estava aqui” (Reprodução)

É muito tempo sem uma resposta para os assassinatos dela e do motorista Anderson Gomes. Na sua opinião, por que a investigação não avançou para uma conclusão? “Estamos caminhando para quase quatro anos de um crime que segue sem resposta. Um crime que escancara o que há de mais violento entre crimes políticos no Brasil e traz a prova de que o país tem essa democracia fragilizada, está conhecido mundialmente por não dar respostas a esse crime. Infelizmente, entendo que é um crime peculiar, com gente grande envolvida, que tem dinheiro, poder. Não temos muitas respostas, mas confesso que sigo esperançosa de que em algum momento teremos essas respostas e vamos saber quem mandou matar minha irmã, de fato, comprovadamente”.

E desabafa: “O sentimento que fica hoje é que precisamos seguir, de cabeça erguida, lutando. Principalmente com todo esse movimento de ódio visto no Brasil nestes últimos anos. É um sentimento de resiliência, mas de muito foco e de desejo de dias melhores para todos”.

Anielle Franco, os pais Antonio e Marinete e Marielle (Acervo pessoal)

Anielle Franco, os pais Antonio e Marinete e Marielle (Acervo pessoal)

Vida como ato político

Cidadã, filha, irmã, mãe de duas meninas lindas, Mariah, de 4 anos, e Eloah de 1; escritora, esportista, palestrante, professora, colunista, diretora do Instituto Marielle Franco, mas todos ainda se perguntam: e a vida política? Foi noticiado que você se filiou recentemente ao PT… é verdade? “Não sou filiada a nenhum partido político. Colocaram isso por engano, por conta de um evento que teve do ex-presidente Lula. Eu estava na mesa perto dele, da Benedita da Silva, fazendo a minha fala. Mas não me filiei ainda a nenhum partido. Se eu dissesse que não pretendo entrar para a vida política, estaria mentindo, mas não é o meu objetivo neste momento”, esclarece Anielle.

“Meu objetivo hoje é fazer política de uma forma diferenciada. Acredito que a política é feita para além de partidos e partidários. Podemos fazer política pelo simples fato de estarmos vivas hoje" (Foto: Bléia Campos)

“Meu objetivo hoje é fazer política de uma forma diferenciada. Acredito que a política é feita para além de partidos e partidários. Podemos fazer política pelo simples fato de estarmos vivas hoje” (Foto: Bléia Campos)

E acrescenta sobre o tema: “Meu foco hoje é fazer política de uma forma diferenciada. Acredito que a política é feita para além de partidos e partidários. Podemos fazê-la pelo simples fato de estarmos vivas hoje. Então, quero deixar claro que não sou filiada ao PT e nem ao PSOL, mas acompanho e trabalho próxima a vários mandatos. Temos aí a ‘Agenda Marielle Franco’, que foi um trabalho feito pelo Instituto ano passado, com diversas pessoas que quiseram assinar e se comprometer. Estamos sempre caminhando lado a lado com essas pessoas. Então, te digo que não sei se em algum momento entrarei para a política institucional, mas as vezes penso, sim. Só que no momento a resposta é não”.

Mais importante que pensar em uma vida política agora, é não deixar o legado da sua irmã se afastar dos valores que defendia. Anielle está presente para que isso não aconteça, e quando pensa em Marielle, pensa só em vida: “A Mari vive em cada pessoa que acredita na causa dela. Em mim, na minha mãe, na minha sobrinha Luyara (filha de Marielle). Em pessoas que defendem o valor real da Marielle e lutam para que essa memória não seja esquecida e que não a utilizam de qualquer forma, mas com o devido respeito e amor que a gente merece e ela também”.

“A Mari vive em cada pessoa que acredita na causa dela. Em mim, na minha mãe, na minha sobrinha Luyara (filha de Marielle). Em pessoas que defendem o valor real da Marielle" (Foto: Bléia Campos)

“A Mari vive em cada pessoa que acredita na causa dela. Em mim, na minha mãe, na minha sobrinha Luyara (filha de Marielle). Em pessoas que defendem o valor real da Marielle” (Foto: Bléia Campos)