Aloisio de Abreu e o vale tudo no humor: ‘Tu te tornas eternamente responsável pela piada de mau gosto que cativas’


O ator, diretor e autor será um dos jurados do ‘Prêmio do Humor – A seleção’, que vai garantir para três peças campeãs o incentivo de R$ 240 mil e escreve um longa e um curta-metragem. Aloisio fala da importância dos incentivos, analisa o humor na atualidade: “Não é sobre censura, mas bom senso. Tenho muito problema quando dizem que o politicamente correto veio para cortar a onda. Não acho isso. Acredito que veio para dar uma situada em valores que não são mais absorvidos no dia a dia. Então, fica meio anacrônico você fazer piada agressiva com gordo, com preto, até porque racismo é crime; com gay, através de piadas homofóbicas. Isso não tem mais espaço. É engraçado você achar graça de quem alguém seja gay? O mundo mudou, os valores mudaram. Vale fazer graça a qualquer preço? Vale, pode fazer, mas vai sofrer as consequências até jurídicas disso”

*Por Brunna Condini

O humorista Fábio Porchat irá promover um concurso para produzir três peças teatrais com o intuito de ajudar artistas que estão passando por dificuldades durante a pandemia e perderam patrocinadores. O ‘Prêmio do Humor – A seleção’, garantirá para cada uma das três peças campeãs o incentivo de R$ 80 mil. E mais uma vez, o ator, autor e diretor Aloisio de Abreu fará parte do júri, ao lado de Sura Berdistchevsky, Ary França e Zezeh Barbosa. “Faço parte desde 2017, quando o prêmio ainda era presencial. Só paramos em 2020, com a pandemia. E, agora, voltamos com o diferencial de premiar textos que poderão ser montados em 2023, quando esperamos que todos estejam vacinados”, revela Aloisio, acrescentando: “Além do incentivo aos atores, autores, este prêmio também fomenta a cultura, que dá emprego a muitas pessoas. Então, neste momento a viabilização de três espetáculos vai movimentar a cadeia produtora e criadora do teatro. E o Fabio Porchat está aí mostrando o motivo pelo qual ele faz a diferença”.

‘Neste momento a viabilização de três espetáculos vai movimentar a cadeia produtora e criadora do teatro” (Foto: Reprodução/Instagram)

O ator comenta sobre o ‘vale tudo’ para fazer graça na atualidade. “Acho que não vale bater no fraco. E não falo nem do politicamente correto. Tenho muito problema quando dizem que o politicamente correto veio para cortar a onda. Não acho isso. Acredito que veio para dar uma situada em valores que não são mais absorvidos no dia a dia. Então, fica meio anacrônico você fazer piada agressiva com gordo, com preto, até porque racismo é crime; com gay, através de piadas homofóbicas. Isso não tem mais espaço. É engraçado você achar graça de alguém que seja gay? O mundo mudou, os valores mudaram. Vale fazer graça a qualquer preço? Vale, pode fazer, mas vai sofrer as consequências até jurídicas disso”. E destaca: “Não falo de censura, falo de bom senso. Acho bom pensar no que vai falar, rir do que acha mais inteligente”.

Aloisio de Abreu e o ‘não’ ao vale tudo no humor (Foto: Reprodução/Instagram)

Com 39 anos de carreira, formando atores e plateias Brasil afora, Aloisio comenta sobre o cenário atual para produzir humor. “Esse mundo oferece muito material para a comédia. Quando vivemos em uma país como o nosso, em que atravessamos situações difíceis, isso também é material. O opressor sempre dá muito material para o oprimido ‘cutucar a onça com vara curta’. Então, acho o momento atual muito prolífico para bons humoristas. Principalmente os de stand-up, um estilo que de 2010 para cá veio pra ficar e revelou ótimos atores. O Paulo Gustavo (1978-2021) e a Mônica Martelli são dois exemplos que vieram do teatro e se consagraram. A Ingrid (Guimarães) e A Lolô (Heloisa Perissé) também. Acredito que o humor sempre terá o seu espaço, em qualquer tempo”.

"No humor da atualidade tem muita coisa boa, mas muita ruim também" (Reprodução Instagram)

“No humor da atualidade tem muita coisa boa, mas muita ruim também” (Reprodução Instagram)

E revela se curte a comédia feita pelas novas gerações. “Tem coisa boa, mas tem muita coisa ruim também. Tudo que tem qualidade é bom, é isso. O Pedroca Monteiro, que a faz a Mini Novela, acho hilariante. A Luciana Paes é muito boa. O aNellysando também. São artistas que fazem um excelente uso do Instagram, do YouTube. E claro, o Porta dos Fundos, que realmente meteu o ‘pé na porta’ do humor nas redes e quebrou o paradigma de se fazer comédia só na TV e conquistou o mundo”, analisa. “E tem os já consagrados, que admiro, o Fabio Porchat, Marcelo Adnet e Gregório Duviver, cada qual na sua linguagem, são gênios. A Tatá Werneck também. E a querida Suzy Brasil tem um Instagram que faz uns drops de humor diários que são deliciosos. De quem não gosto, nem lembro”, completa, rindo.

Em boa companhia

Aloisio frisa que para o país respeitar quem vive da arte e do humor é preciso mudar ‘certos comandos’. “Mudar ‘certas’ pastas, o secretário de Cultura, que não tem preparo, visão, que está preso à uma maluquice ideológica. São pessoas que estão vivendo em um Brasil paralelo, que não é o que eu vivo”, desabafa. E apesar da pandemia e das dificuldades geradas por ela no setor artístico, ele diz que tem conseguido trabalhar: “Estou escrevendo dois roteiros: um longa de comédia e um curta-metragem. Um para refletir e o outro é de humor rasgado. Tem muita ‘gente’ dentro da minha cabeça precisando falar e na escrita coloco isso”.

“Estou escrevendo dois roteiros: um longa de comédia e um curta. Um para refletir e o outro é de comédia rasgada. Tem muita ‘gente’ dentro da minha cabeça precisando falar e na escrita coloco isso” (Reprodução Instagram)

Aos 60 anos, Aloisio está solteiro há algum tempo, mas não reclama da solidão. “Meu status é ‘em um relacionamento sério comigo mesmo’. Tenho convivido muito bem comigo, me levo para passear, para caminhar na praia, para dar um mergulho, faço comida para mim. Tenho falado bem de mim, para mim (risos). Estou bem”, garante. E divide sobre o estado emocional no período de isolamento: “Também tenho lidado bem com a angústia, sabia? Tenho caminhado de manhã cedo, para oxigenar o cérebro, movimentar minhas pernas, me ajuda a não engordar. O que me irrita, fico mesmo é com ódio, é de estar cercado de gente negacionista no mundo, irresponsável e egóica, que só pensa em si. Ainda bem que também muita gente boa”.