*Por João Ker
A 6ª edição do Bourbon Stree Fast pelo Rio de Janeiro foi breve, mas inesquecível. Depois de ter inaugurado com um show fantástico da novata Mia Borders no Morro do Vidigal , o festival encerrou sua versão carioca com uma dobradinha que lotou o Oi Casa Grande: com Mia abrindo a noite, a lenda viva do jazz, nascida, criada e eternizada pelas ruas de Nova Orleans, Allen Toussaint, fez a primeira apresentação dos seus mais de 60 anos de carreira em solos tupiniquins.
Mia Borders subiu ao palco com seus habituais óculos escuros e, logo no início, provou que consegue preencher tanto o espaço de um albergue – como mostrou na noite de domingo (17/8) – quanto de um anfiteatro. Seus solos de guitarra e seus gritos contagiantes – principalmente ao final de “Let Me Know” – lhe renderam o amor da plateia, a qual a ovacionou durante o espetáculo. A menina até arriscou um pouco de português (“Focês muito bonito”), mas dessa vez a noite pertencia a um ícone já imortalizado na história da black music.
Fotos: Zeca Santos
Allen Toussaint é um dos principais compositores, instrumentalistas e cantores de jazz, R&B e funk, tendo começado a sua trajetória na New Orleans do final da década de 1950. A sua lista de colaborações, hits e feitos é extensa, mas só para se ter uma ideia geral, é ele o responsável pela versão original de “Lady Marmalade” gravada por LaBelle; a maioria dos sucessos de Lee Dorsey, como “Ride Your Poney” e “Working In A Coalmine”; o clássico “Lipstick Traces”, posteriormente regravado pelos Rolling Stones; e outras inúmeras composições da black music, eternizadas nas vozes de pessoas como Tina Turner, Eric Clapton, Etta James, Elvis Costello, The Who, Paul McCartney e por aí vai.
No auge de seus 76 anos, Allen subiu ao palco do Oi Casa Grande vestindo um terno exótico que contava com as cores do reggae e acompanhado pela sua banda – todos os músicos negros e com roupas igualmente divertidas. Primeiro, o cantor começou exibindo suas façanhas no piano, por onde seus dedos deslizavam como se fossem velhos conhecidos do instrumento e estivessem apenas brincando com as notas. Não é por menos, já que ele começou a tocar com sete anos. Passado o primeiro momento de nirvana sonoro, entram as animada “There’s A Party Going On” e “It’s a New Orleans Thing”, nas quais o músico é acompanhado por palmas empolgadas que finalizaram de uma vez por todas o convite: a festa de Nova Orleans vai começar.
Fotos: Zeca Santos
Além da habilidade incrível no piano, é também surpreendente notar como Allen Toussaint tem um fôlego mais potente do que muitos artistas em início de carreira. Em “Yes We Can Can”, ele trouxe de volta o funk pop da Motown, com backing vocals contagiantes que, claro, foram incansavelmente aplaudidos. Com magnetismo, ele convidou o público a “Surrender” para o seu som, dando também espaço para seus companheiros de banda. Por sinal, quem merece um destaque à parte é o saxofonista Gary Brown, que fez um solo emocionante capaz de arrancar lágrimas de algumas pessoas da plateia.
Fotos: Zeca Santos
Quase ao final do espetáculo, Toussaint subiu ao palco com um saco repleto de brindes e brincou com o público, dentre o qual estavam Mart’nália e Caetano Veloso, enquanto jogava os objetos e fazia piadas. Ele voltou ao piano, mandou a música recomeçar e incendiou todos os ali presentes com uma energia incomparável. Logo no início da apresentação, o músico havia comentado com a plateia: “Perdão por ter demorado tanto tempo para vir ao Brasil”. Tudo bem, Allen, não há problemas. Você demorou, mas veio e não deixou nada a desejar para quem esperou anos por essa chance. Apenas reafirmou, com uma apresentação inesquecível, seu status de lenda viva.
Fotos: Zeca Santos
Playlist com os maiores sucessos compostos e gravados por Allen Toussaint
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